Depois da saca de 60 quilos atingir o valor de R$ 56 em junho de 2016 em Passo Fundo, o cenário atual frustra quem apostou na cultura. No auge da colheita no Rio Grande do Sul, o cereal está cotado a R$ 27,67.
A família Jung, de Santa Clara do Sul, cultivou 80 hectares neste ciclo. Conforme Fernando a área só não foi maior por que em julho quando o cereal foi semeado, a previsão era de ocorrer uma estiagem em dezembro. Com 50% da área colhida, a produtividade por hectare varia entre 160 e 190 sacas. “É a melhor média da história”, comemora.
No entanto, o preço baixo desmotiva – oscila entre R$ 27,50 e R$ 30,75 a saca, dependendo da empresa compradora. “Temos um prejuízo de R$ 438 por hectare comparado ao ciclo anterior”, calcula. O custo por hectare chega a R$ 2,750 mil.
Outra dificuldade é encontrar espaço nos silos instalados na região para armazenar parte do cereal e aguardar por uma melhor valorização. O recebimento do milho é feito com até 20% de umidade. O processo de secagem e estocagem não acompanha o ritmo da colheita nas lavouras.
A descapitalização das empresas que beneficiam o grão e destinam a matéria-prima para criações de frangos, suínos e gado leiteiro é mais um entrave. Devido a alta no ciclo passado, as indústrias não dispõem de crédito para fazer estoques.
Segundo Jung , no Vale do Taquari, existe pouco mercado consumidor. “Se tivéssemos maior procura e concorrência, o preço com certeza seria melhor. Estamos nas mãos de duas ou três indústrias e estas ainda importam o cereal de outros estados ou países”, lamenta.
Crédito para estocar
Conforme o presidente da Associação dos Produtores de Milho do Estado (Apromilho), Cláudio de Jesus, a instabilidade desestimula o produtor. “Esse efeito gangorra pode resultar na diminuição da área no próximo ciclo”, alerta. Para manter uma margem de lucro satisfatória sugere um preço acima de R$ 35.
O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro), Paulo Pires, cobra linhas de crédito para produtores e cooperativas efetuarem a compra. De acordo com o diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips), Rogério Kerber, o produtor precisa avançar na venda antecipada do cereal. “Garante um valor mínimo e ajuda a evitar prejuízos em casos de safra recorde.”
Na mesma linha de Pires, diz que é preciso oferecer crédito para as agroindústrias fazer estoques. Hoje a maioria está descapitalizada devido ao alto custo verificado no ano passado. O Ministro da Agricultura, Blairo Maggi adiantou que nas próximas semanas serão lançadas opções de negociação pelo Banco Central e Ministério da Fazenda capazes de proteger o produtor das oscilações.
Foco na exportação
Para o engenheiro agrônomo da Emater, Alencar Rugeri, o cenário atual ainda permite rendimento dentro da média. Isso devido a produtividade recorde por hectare. Nas áreas de sequeiro a produção varia entre 100 e 160 sacas. Em lavouras irrigadas a quantidade colhida por hectare supera as 250 sacas.
Rugeri recomenda a venda antecipada e diz ser um grande aliado do produtor. “Reduz a dependência e dá estabilidade para quem aposta na cultura”, defende.
Com os preços em baixa, a comercialização encontra-se travada, pois em vez de vender o milho a esse valor baixo, os produtores preferem colher a soja e planejar o plantio de inverno, retendo a safra até ocorrer uma melhor definição do mercado.
No estado, dos 805 mil hectares semeados, em torno de 38% da área está colhida. Em relação ao milho para elaboração de silagem (cerca de 350 mil hectares no RS), a colheita segue para o seu término (70%), com rendimentos considerados muito bons (entre 35 e 40 t/ha), com ótima qualidade de produto final.
A Emater Regional de Lajeado contabiliza uma área de 35,6 mil hectares cultivados para produção de milho (grão) nos 55 municípios abrangidos. Por hectare, a produtividade ultrapassa as 93 sacas. Para silagem, o cultivo ocupa 33,8 mil hectares, com produtividade superior a 31 t/ha de massa verde.
Venda antecipada
Apesar de ser um dos principais produtores e exportadores de milho do mundo, o país fechou o ano passado com o maior volume importado da história, desde 1989, quando os números passaram a ser contabilizados pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).
De janeiro a dezembro, a entrada do grão chegou ao volume recorde de 2,901 milhões de toneladas, um incremento de 685% na comparação com o total importado em 2015.
Segundo o consultor Carlos Cogo, o cenário foi provocado por problemas climáticos. A menor oferta levou a escassez no mercado interno e elevou as compras externas para abastecer a indústria. “Inflacionou o preço. A saca chegou a valer mais de R$ 60, o dobro da média histórica”, diz.
Os maiores volumes foram importados da Argentina e Paraguai. Para este ciclo o cenário é o inverso. As boas condições climáticas favoreceram a cultura. Se confirmadas as projeções oficiais, o país deverá aumentar em 26,9% a produção de milho e limitar a importação.
Para Cogo, o desafio é ampliar as exportações, já que o levantamento de safra da Companhia Nacional de Abastecimento, prevê volume de 84,5 milhões de toneladas para este ano, na soma da 1ª e 2ª safras de milho.
Cogo afirma que com o recuo do preço interno, o milho importado deixará de ser atrativo. “Com a safra que teremos precisamos exportar mais. Os preços estão se ajustando à paridade de exportação. Já há indicação de R$ 15 por saca em Mato Grosso para julho”, informa.
Entre a produção e estoque, deverá somar quase 100 milhões de toneladas. Como o consumo interno é de cerca de 56 milhões de toneladas, haveria excedente superior a 40 milhões de toneladas. E não tem como exportar tudo isso, adianta.
Para complicar a equação, os brasileiros precisarão enfrentar a concorrência do milho argentino no mercado internacional. Com tudo isso, a tendência é de que a saca do grão fique dentro da média histórica, que é de R$ 30. “No Sul, estimamos entre R$ 28 e R$ 32 a saca”, projeta.
Cereal em troca de ração
O produtor Felipe Dick, de Santa Clara do Sul, vai estocar a produção em silos da cooperativa para qual comercializa o leite. A média colhida por hectare chega a 140 sacas. Outra parte do milho semeado é destinado para confecção de silagem.
Devido aos problemas climáticos no ciclo anterior, a produtividade foi menor e afetou a qualidade da silagem. A quantidade de milho em grão colhida e estocada não supriu o consumo do rebanho de 40 animais ao longo dos 12 meses.
Com a escassez do cereal, o valor do quilo da ração passou de R$ 1. Enquanto isso o preço pago pelo litro de litro despencou para R$ 0,90. “Esperamos uma mudança no cenário. O valor do litro já subiu e com maior oferta de milho, a ração está mais barata”, expõe. Por dia são produzidos em torno de 700 litros.
Ampliação de silos
Devido a grande oferta de grãos (milho, soja e trigo), nos Vales do Taquari e Rio Pardo, a Cooperativa Rural dos Vales (Cooperval), instalada em Cruzeiro do Sul, projeta ampliar a capacidade de armazenagem.
Conforme o gerente da unidade, Alexandre Schneider, o limite de estocagem chega a 19 mil toneladas. Além do aumento da área cultivada, devido a boa valorização do milho e soja na última safra, a habilitação para estocar milho subsidiado pela Conab, tornam o investimento viável e necessário para atender a demanda regional.
Além de novos silos, está prevista a compra de uma balança rodoviária, um depósito de insumos agrícolas e a médio prazo a instalação de uma fábrica de rações para agregar valor à matéria-prima estocada e comprada dos 1,5 mil associados.
Quanto ao preço da saca de milho, projeta novas quedas para os próximos meses. Essa semana a saca está cotada em R$ 27,50. São R$ 9 a menos comparado ao valor pago em fevereiro de 2016. “Se a safrinha do Mato Grosso e Paraná ficar dentro da média histórica, a cotação despenca ainda mais”, antecipa.
Embora tenha oferta na região, segundo Schneider, muitas empresas optam em comprar o milho destas regiões devido ao baixo valor praticado.