Professores do Ensino Médio carecem de formação específica

Vale do Taquari

Professores do Ensino Médio carecem de formação específica

Censo Escolar aponta que 46,3% dos docentes do Ensino Médio ministram aulas fora das suas áreas de formação. Necessidade de complementar renda leva profissionais a aceitarem os pedidos de diretores para ensinar matérias em que não são especialistas.

Professores do Ensino Médio carecem de formação específica
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Formado em Estudos Sociais, com habilitação em História e Geografia, Fabiano Giongo, 42, é professor concursado da rede estadual desde 2004. Nestes 13 anos, por diversas vezes, precisou dar aulas de matérias bem diferentes das que estudou. Em 2016, Giongo ensinou Filosofia para o Ensino Médio, disciplina que teve duas cadeiras durante a faculdade.

A necessidade de complementar renda é apontada pelo docente como motivo para aceitar a incubência de estar à frente de uma disciplina fora da sua especialização. “Professor tem que trabalhar bastante para ganhar mais ou menos. Para nos manter, acabamos assumindo essas disciplinas que não são as tuas.”

O professor garante que, mesmo com as dificuldades financeiras, só aceitou ministrar aulas de Filosofia no ano passado por ter conhecimentos básicos sobre a matéria. O mesmo não ocorreu quando precisou preparar aulas de Ensino Religioso, matéria que garante não ministrar mais.

Para ele, o fato de as disciplinas estarem dentro do campo das ciências humanas reduziu os problemas na hora das aulas. Isso não impede Giongo de fazer uma avaliação negativa da prática de colocar professores a trabalhar fora da área de formação. “Não é adequado, com certeza compromete o ensino e prejudica os estudantes.”

Contratado em 2002, o colega de Giongo, que prefere não se identificar, também critica o desvio de função no magistério. “Fiz o melhor que pude, mas isso, por si só, não garante que os estudantes tenham tido aquilo que precisam.” Formado em História, ele precisou ensinar matérias como Sociologia e Geografia. Assim como outros colegas, o baixo salário foi determinante para aceitar trabalhar fora da sua área.

A desvalorização profissional é comprovada em números, os quais apontam um salário 39% menor dos professores na comparação com outras carreiras com o mesmo nível de escolaridade. Segundo estudiosos da área, isso acaba atraindo os alunos com pior desempenho no Ensino Médio para a docência.

foto educação professoresFormação por conta própria

As direções escolares e governos colocam profissionais fora das suas áreas, mas não oferecem cursos de preparação. A ajuda dos colegas foi determinante para Giongo se preparar. “Temos que buscar formação por conta própria, temos de dar um pouco a mais, buscando material emprestado com os colegas.”

A situação foi a mesma com o colega contratado, que é enfático ao analisar a causa do problema. “Isso tem a ver com a falta de concursos, porque acaba não tendo professores suficientes nas áreas demandadas.”

Problema geral

Mesmo com maior frequência na rede pública, especialistas garantem que o problema também é recorrente nas escolas particulares. A afirmação pode ser comprovada pelos números do Censo Escolar. O levantamento aponta que 58% dos profissionais de todo país, que trabalham no Ensino Médio, atuam em suas áreas de formação.

A pior situação ocorre na rede pública estadual, onde 47% dos professores ministra ao menos uma matéria na qual não é formado. O melhor índice de docentes dentro da sua formação é das escolas federais, que mesmo assim não consegue ter a totalidade dos docentes trabalhando de acordo com a formação. A pesquisa aponta que 73% deles estão atuando de forma regular.

A área de ciências humanas é a que mais sofre com o desdém pela formação específica. Apenas 12% dos professores de Sociologia têm formação na área. Filosofia e Artes têm um resultado um pouco melhor, com 23% e 26% de formados ministrando aulas.

Mesmo com mais força entre as ciências humanas, a falta de pessoas qualificadas também atinge áreas de exatas. Em todo país, somente 27% dos docentes em Física são formados na matéria. A disciplina com mais professores especializados é Língua Portuguesa, com 74% dos formados em sala de aula.

foto educação professores 2Crise no RS

Estado que foi considerado referência de educação para todo país, o RS repete está longe de ser uma referência em termos de utilização dos profissionais. Na Região Sul, os gaúchos são os segundos que mais mantêm professores trabalhando nas suas áreas de formação, com índice de 60%. O número é bastante abaixo do Paraná, melhor colocado na região com 73%.

Em termos de país, o RS ocupa a sétima posição no ranking, ficando atrás de Amapá, Sergipe, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.

“[…] um brutal descompromisso da área pública e privada em relação à qualidade de ensino”

Para a doutora em Educação Berenice Corsetti, a atuação de professores fora de suas áreas de formação demonstra a falta de comprometimento dos gestores, especialmente públicos, com a educação de crianças e adolescentes. Nesta entrevista, a especialista também critica as reformas educacionais propostas pelo governo federal.

A Hora – Na sua avaliação o que representa esse número de docentes atuando fora das suas áreas de formação?

Berenice Corsetti – Esse dado aparece como novidade agora, mas isso vem sendo denunciado pela categoria há muitos anos. Isso demonstra um brutal descompromisso da área pública e privada em relação à qualidade de ensino. Se tornou uma coisa banal, uma pessoa é formada em História, por exemplo, é especialista em uma determinada área do conhecimento. As autoridades não querem dar mais professores, por ter o entendimento que educação é custo e não investimento, e acontece isso. Essa situação é absoluta responsabilidade dos dirigentes que não alocam os professores em suas áreas de formação. É óbvio que essa postura impacta na qualidade da educação. Já ouvi pessoas dizerem que qualquer um dar aula de História. Eu vi engenheiros darem aula de Matemática para fazer bicos, sem a menor formação didático-pedagógica.

A senhora falou sobre engenheiros dando aulas de Matemática. Essa é uma situação prevista na reforma do ensino proposta pelo governo federal, que permite pessoas de notório saber darem aulas.

Berenice – Essa invenção é no mínimo uma grande desinformação, aliás o MEC tem tido uma atuação deplorável. Isso é pegar qualquer pessoa para trabalhar por um tempo e depois voltar para sua profissão. Eles estão copiando o modelo americano. O notório saber existe, e respeitamos, mas se não tomarmos cuidado vamos colocar para dentro da sala de aula pessoas que não têm a mínima noção de psicologia educacional e processos de aprendizagem. Eles vão chegar na sala de aula e fazer uma exposição sem levar em conta que tem uma turma profundamente desigual entre si, com alunos que aprendem de formas completamente diferentes. Então o notório ele vai chegar, dar uma palestra igual a todos e os aspectos pedagógicos e psicológicos do processo vão ficar onde? É uma situação que não se sustenta em termos do conhecimento que temos hoje na área de educação.

Quais os caminhos para termos professores ministrando aulas dentro das suas áreas e com qualidade?

Berenice – Quando esse governo (Temer) entrou, o MEC começou a desmontar política nas quais tínhamos avançado muito. Por exemplo, o programa de iniciação à docência, que já preparava os alunos da licenciatura, inserindo eles nas salas de aula. Nós temos que avançar na política de formação docente, na questão salarial. Se queremos atrair os melhores jovens para que sejam formadores das novas gerações do país, temos que criar carreira, salário digno e uma formação continuada. Estávamos avançado, e agora tivemos uma ruptura, o que significa que estamos no retrocesso em direção no que significa os avanços a uma educação qualificada. Eu gostaria de dizer aos leitores um cenário mais animador.

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