Oito em cada dez presidiários cometeram crimes hediondos

Vale do Taquari

Oito em cada dez presidiários cometeram crimes hediondos

Com capacidade para 869 detentos, as quatro penitenciárias da região abrigam 1.215. Enquanto em Venâncio Aires e Arroio do Meio a população carcerária excedente é mínima, em Lajeado e Encantado o cenário é de superlotação.

Oito em cada dez presidiários cometeram crimes hediondos
Vale do Taquari

O avanço das facções criminosas nos presídios preocupa a população e provoca reações das autoridades. Os massacres na Região Norte evidenciam o poder e a crueldade das quadrilhas e levantam discussões sobre a possibilidade de ocorrências semelhantes em todo o sistema prisional.

Ao todo, 1.215 detentos cumprem pena ou estão presos de maneira provisória nas quatro penitenciárias que atendem o Vale do Taquari. Com exceção do Presídio Feminino de Lajeado, cuja ocupação foi iniciada na segunda-feira, 9, todos têm população acima da capacidade.

A superpopulação é drástica nas casas prisionais de Lajeado e Encantado. Na maior cidade do Vale, 257 cumprem pena em regime fechado em local projetado para receber 122. No albergue anexo, onde ficam os detentos do semiaberto, 222 ocupam espaço construído para abrigar 64.

A lotação seria ainda maior não fosse a abertura da penitenciária de Venâncio Aires. Cerca de 150 detentos da Comarca de Lajeado cumprem pena no complexo inaugurado faz dois anos e cuja capacidade já se encontra excedida.

Juiz da Vara de Execuções Criminais de Lajeado, Luís Antônio de Abreu Johnson afirma que o aumento da população carcerária é resultado do avanço da criminalidade. Segundo ele, 80% dos presos da comarca cometeram crimes considerados graves.

Entre as ocorrências mais comuns, estão tráfico de drogas, homicídio, latrocínio, estupro e roubo mediante grave ameaça ou violência. “De 18% a 20% é aquela faixa dos multirreincidentes em furtos, que ficam no famoso prende e solta até serem encarcerados em definitivo.”

Segundo ele, um número pequeno de condenados por receptação completa a população carcerária. Já os crimes de menor potencial ofensivo acabam tendo penas mais brandas, como o pagamento de multas e a prestação de serviços à comunidade.

Conforme o magistrado, a superlotação e o cenário caótico do sistema prisional brasileiro decorrem de décadas de abandono e de uma mudança na política prisional. Em meados do século passado, as pequenas prisões municipais foram substituídas por grandes cadeias capazes de abrigar milhares de presos.

“O penitencialismo de massa foi mal gerido ao longo do tempo e essa ausência do Estado permitiu a organização das facções”, aponta Johnson. Apesar da reconhecida superlotação em Lajeado e da atuação de grupos criminosos organizados na região, o juiz Johnson afirma que a penitenciária do município está sob controle e tem infraestrutura razoável graças à atuação de entidades como a Alsepro e o Conselho Carcerário.

De acordo com o juiz, os presos de Lajeado têm ligações tênues com as facções. Assim, o modo de operar dessas organizações não faz parte do cotidiano da casa prisional. “Anos atrás conseguimos transferir três líderes, os chamados prefeitos.”

Apesar do controle institucional sobre o presídio, a superlotação ainda preocupa. Conforme o magistrado, há celas com 20 detentos, quando o máximo seria seis. Segundo ele, hoje se tornaria impossível medidas de revisão de pena para reduzir a população carcerária.

“Diante do perfil dos presos, liberar causaria um estado de insegurança pública, pois são pessoas que vão reincidir no crime”, alega. Segundo ele, a condenação de criminosos perigosos é fruto do trabalho qualificado das forças de segurança da cidade, mesmo diante das dificuldades de efetivo.

PrintRessocialização difícil

A principal consequência da superlotação é a dificuldade de ressocializar os presidiários. O espaço físico das cadeias dificulta o trabalho no regime fechado e inviabiliza outras iniciativas de treinamento e estudo.

Conforme a legislação, apenas os presos do semiaberto têm obrigação de manter um trabalho. De acordo com o juiz Johnson, é necessária uma carta de emprego, cuja fiscalização fica a cargo da Susepe. “Muitos acabam em empregos informais e nada atrativos. Com isso, voltam para o crime.”

Conforme o magistrado, apesar do clamor social pela tolerância zero na escala criminal, o aumento da repressão representaria mais danos do que benefícios à sociedade. Lembra que a pena de prisão não intimida quem optou pelo mundo do crime.

“Se a prisão é vista pela sociedade como punição, para eles é uma forma de se manter em segurança e ganhar dinheiro comandando ações de dentro da cadeia”, alerta. Para o juiz, apesar da população pedir a morte de bandidos como solução da criminalidade, a lógica produziria ainda mais violência.

“Engana-se quem pensa que nessa guerra do tráfico as mortes são simplistas. Elas sempre fortalecem um dos grupos em disputa e geram novas ondas de assassinatos”, reforça. Segundo ele, esse cenário se explica pela falta de outras perspectivas para a população vulnerável.

Lembra que em um país com gritante desigualdade social, as facções oferecem a chance de poder e lucro, os quais quem tem pouca formação não conseguiria em trabalhos formais disponíveis.

“Ao invés de ganhar um salário mínimo, ou um pouco mais, muitos desses jovens recebem R$ 2 mil por semana com o tráfico.”

Para o juiz, a única forma de garantir a recuperação de pessoas envolvidas no crime é com oportunidades de educação e trabalho de qualidade, proposta que será executada com as ocupantes do Presídio Feminino de Lajeado.

Bons Exemplos

A penitenciária feminina virou referência em todo o país por ter sido custeada sem dinheiro do governo do Estado. Além do ineditismo da obra, realizada com recursos da comunidade com a contribuição do Executivo de Lajeado, o modelo adotado é uma aposta na ressocialização.

A intenção é assegurar a qualificação das detentas para serviços na área da tecnologia da informação. Conforme Johnson, a inspiração vem de experiências do estado de São Paulo, onde internas trabalham com a fabricação de chips.

Outro exemplo regional é o presídio de Arroio do Meio. De acordo com o administrador substituto e chefe da segurança da penitenciária, Rogério da Silva Tatsch, 90% dos detentos trabalham no local. Considerado de segurança mínima, o presídio recebe pessoas consideradas de baixa periculosidade e sem relação com facções.

“Criminosos mais perigosos acabam indo para Lajeado, Porto Alegre ou Venâncio Aires, o que facilita o nosso trabalho”, ressalta. Segundo ele, a característica comum entre o Presídio Feminino de Lajeado e o de Arroio do Meio é o apoio da comunidade.

“Aqui, o conselho apoia com melhorias, compra de materiais, ferramentas e na manutenção da horta mantida pelos presos”, lembra. Com essas medidas, alega, a penitenciária garante índices de recuperação muito acima da média gaúcha.

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