Sem plano, Lajeado cresce, mas compromete a qualidade de vida

Lajeado

Sem plano, Lajeado cresce, mas compromete a qualidade de vida

Lajeado cresce sem planejamento. O cenário se agrava no verão, quando os moradores são obrigados a conviver com o mau cheiro, o calor e a sensação de abafamento, principalmente na área central. Série de três reportagens aponta carências, ouve especialistas e sugere medidas para qualificar a gestão pública.

Sem plano, Lajeado cresce, mas compromete a qualidade de vida
Lajeado

O prazo para atualização dos Planos Diretores municipais determinado pelo Estatuto das Cidades encerrou em dezembro do ano passado. Passados 15 anos da aprovação da legislação, Lajeado ainda não modernizou o mecanismo que visa ordenar a ocupação urbana.

As consequências da falta de planejamento são notáveis. Problemas com o trânsito, a falta de arborização na região central e a ausência de tratamento de esgoto atrapalham a qualidade de vida da população e formam o resultado mais evidente da falta de discussões sobre a cidade.

No caso do saneamento básico, os números preocupam ainda mais. Estima-se que menos de 1% da população tenha seus dejetos tratados. O resultado é a transformação de arroios em verdadeiros esgotos ao céu aberto e a incessante poluição do Rio Taquari.

Morador do bairro São Cristóvão, o industriário Marcelo Taline, 35, convive a 30 anos com a vizinhança do Arroio do Engenho. Todos os dias, ele atravessa a ponte de madeira sobre o manancial que liga o bairro à BR-386.

“O mau cheiro sempre existiu, mas é mais forte no verão e foi se agravando ao longo dos anos”, afirma. Segundo Taline, apesar de já poluído, o curso d’água ainda abrigava peixes durante a sua infância.

Hoje, alega que a única forma de vida existente no manancial são os insetos que se proliferam na água suja e parcialmente canalizada. Diante da degradação, defende que o local seja tampado em toda a sua extensão. “Não resolve o problema da poluição, mas ao menos diminuiria o fedor e os mosquitos.”

O empresário Robson Heineck, 21, morou a vida toda às margens do arroio. Apesar de nunca ter visto o rio limpo, lembra de histórias do pai e da avó que pescavam e tomavam banho no local. Se antigamente o manancial era um atrativo a mais no verão, hoje representa um problema.

“É um cheiro insuportável que só diminui quando chove”, alega. Se reduzem o mau cheiro, as precipitações trazem um novo problema. Conforme Heineck, a grande quantidade de sujeira entope as galeria e causa inundações na vizinhança.

No fim do ano passado a poluição do arroio demonstrou o seu potencial destrutivo. Após dias seguidos de forte calor, centenas de peixes aparaceram mortos no lago do Parque do Engenho, local abastecido pelo curso d’água. O motivo da mortandade foi a falta de oxigênio.

Falta de tratamento: Símbolo da degradação ambiental, Arroio do Engenho exala mau cheiro e se torna ponto de proliferação de insetos

Falta de tratamento: Símbolo da degradação ambiental, Arroio do
Engenho exala mau cheiro e se torna ponto de proliferação de insetos

Solução difícil

Para o coordenador do Programa Viva o Taquari Vivo, Gilberto Soares a falta de recursos praticamente inviabiliza a despoluição do manancial. Além disso, afirma, exigiria a desocupação de uma grande área hoje habitada.

Conforme Soares, o principal trabalho a ser realizado em curto prazo é de redução da carga de dejetos depositados no Arroio do Engenho. “A natureza tem uma capacidade incrível de se recuperar e bastaria que as pessoas começassem a agir diferente.”

De acordo com o coordenador do Viva o Taquari Vivo, a alta atração de pessoas em uma área de 92 mil metros quadrados potencializa os impactos ambientais. Aponta que o cheiro que exala das galerias e dos subterrâneos do município são um sinal da gravidade do problema.

“É uma situação que não existia quando cheguei aqui. Hoje, Lajeado está ferida e este é o principal sintoma”, lamenta. Para Soares, o cenário faz com que parte da população já comece a buscar outras cidades do entorno para viver.

“Eu não gostaria de ter que me mudar para Cruzeiro do Sul, Arroio do Meio ou Santa Clara do Sul para ter qualidade de vida”, alerta. Para ele, o resultado mais preocupante é a distorção que a falta de mananciais preservados podem causar às próximas gerações.

Calor - Terça-feira

Calor – Terça-feira

Cobrança à Corsan

O município preferiu não dar declarações sobre planejamento urbano e o plano diretor. De acordo com a administração, qualquer avaliação sobre o tema seria precipitada nos primeiros cinco dias de governo. Ainda assim, o Executivo ressalta a necessidade de debater amplamente o tema com a população.

Em entrevista concedida na última semana de dezembro, o prefeito Marcelo Caumo afirmou ter entrado em contato com a Corsan para abordar a questão do saneamento. “Queremos uma solução e um plano para fazer o tratamento do esgoto.”

Segundo Caumo, o tema aflige, pois entrar em cada uma das residências e implementar a estação de tratamento é um processo caro, demorado e difícil. “Se conseguirmos colocar as estações de tratamento no desague do Engenho e do Saraquá, seria um procedimento emergencial, mas mais eficaz.”

Mesmo sem saber sobre a viabilidade de um projeto como esse, o prefeito acredita que a medida ajudaria a salvar um rio que está morrendo.

Discute-se mobilidade urbana, saneamento, trânsito, mas se esquece do Plano Diretor, que é guarda-chuva central

Discute-se mobilidade urbana, saneamento, trânsito, mas se esquece do Plano Diretor, que é guarda-chuva central” – Ênio Perin

“Se faz plano de saneamento, mas não se executa”

A Hora – O crescimento desordenado faz parte da tônica das cidades do país e o ponto mais perceptível é a ausência de saneamento. Quais os motivos para essa situação?

Ênio Perin – Tem uma premissa em todo o país, que é a ausência de planejamento, seja na esfera municipal, estadual ou federal. O planejamento é algo permanente e passa necessariamente pela democratização do próprio processo, ou seja, da participação da população no planejamento. O que faz diferença é estabelecer uma metodologia correta para que o plano inclua toda a sociedade. Se analisarmos as questões infraestruturais, todos os município do RS têm uma carência de saneamento.

Como reverter a falta de tratamento de esgoto na região?

Perin – A questão ambiental do Vale do Taquari é um desafio. A taxa de saneamento é mínima e isso vai demandar muito investimento público. De onde virá esse recurso é um problema. O Estado terá de fazer uma grande captação, caso contrário, não sairemos desse atoleiro. A defasagem é pior no RS do que no restante do país e será necessária uma política estadual de saneamento, até porque a companhia responsável é estadual. Temos no Brasil um legalismo de faz de conta. Se faz plano de saneamento, mas não se executa um metro de esgoto. Se faz a tubulação, mas não o tratamento. É preciso uma solução.

De que forma se deve estabelecer um planejamento urbano que consiga resolver problemas como esse?

Perin – Se pesquisarmos quais as cidades que apresentam os melhores indicadores, são aquelas com um sistema de planejamento institucionalizado. O município faz a diferença quando começa a prospectar o seu futuro com olhar para o território, a economia e o desenvolvimento social de forma permanente e com total participação da população. Precisa ter o ente público, a universidade e os empresário. Normalmente esses atores estão separados, por isso, não promovem o desenvolvimento harmônico. Assim, se trabalha muito em cima de programas e projetos objetivos sem nunca ter uma visão total da teia urbana. Discute-se mobilidade, saneamento, trânsito, mas se esquece do Plano Diretor, que é o guarda-chuva central.

Municípios médios e alguns pequenos passaram a enfrentar problemas de trânsito antes restritos aos grandes centros. Existe solução para esse cenário?

Perin – Nas cidades desenvolvidas do mundo e as melhores do Brasil, temos uma hierarquização de vias. É preciso uma para o transporte coletivo, outra onde o pedestre caminhe com conforto. É preciso fazer um plano de mobilidade urbana, mas baseado nas hierarquias das vias estabelecidas no Plano Diretor. É necessário uma metodologia para democratizar o debate com a população e fazer esse planejamento. Também tem que avaliar sistematicamente os resultados do plano e se ele está sendo cumprindo corretamente.

Imobilidade - Quarta-feira

Imobilidade – Quarta-feira

É possível construir um desenvolvimento sustentável em um período de crise?

Perin – A Espanha é um exemplo de desenvolvimento em uma economia deprimida. Eles cresceram primeiro devido a uma indústria nacional familiar muito forte. As multinacionais têm influência, mas não dominam a economia do país, por isso, não dão as ordens. Outro ponto é que as regiões deprimidas pela crise foram recuperadas com a instalação de parques tecnológicos. Passou também pelo urbanismo envolvendo todos os níveis da sociedade. Dessa forma saíram de uma crise aguda para um sistema de planejamento eficiente. Isso só foi possível com consciência cidadã, cultura e forte trabalho na economia doméstica. Em Lajeado temos um caldo cultural para desenvolver um planejamento cidadão, pois a economia familiar é a principal força econômica.

Como as cidades podem crescer e ao mesmo tempo preservar o patrimônio histórico arquitetônico?

Perin – Em Nova York, o centro de Manhattan tem as fachadas históricas preservadas. Então problema não é a verticalização das cidades ou o adensamento urbano. Tem que ter regras de uso e ocupação e de preservação. Mas é preciso sustentabilidade econômica. Não pode transformar a cidade em museus de prédios públicos. Em Manhattan, os prédios históricos são moradias com interiores absolutamente modernos. Curitiba tem no centro um shopping construído em um prédio do início do século XX que serviu como quartel. Eles preservaram toda a parte central e as fachadas e acoplaram o shopping. É um espetáculo arquitetônico. Quem olha aquilo continua vendo a Curitiba dos anos 1920, com toda a modernidade contemporânea. Não podemos ir aos extremos.

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