Incertezas desafiam    gestores empossados

Vale do Taquari

Incertezas desafiam gestores empossados

O momento do país representa um desafio para o comando das prefeituras nos próximos quatro anos. As administrações enfrentarão restrições financeiras e a descrença da população com a classe política.

Incertezas desafiam    gestores empossados
Vale do Taquari

Eleito para comandar a maior cidade do Vale do Taquari, o prefeito de Lajeado Marcelo Caumo foi o primeiro a tomar posse na região, em cerimônia realizada na sexta-feira, 30. A solenidade dos demais mandatários ocorre entre este sábado, 31, e o domingo, 1º de janeiro. Ao comandarem cidades com realidades distintas, os novos chefes dos Executivos terão desafios semelhantes.

Sócio-fundador do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (Igam), o advogado especialista em Direito Público, André Leandro Barbi Souza, alerta para o aumento das responsabilidades dos próximos gestores. Para ele, a redução de verbas e a dificuldade de obter novas receitas obrigarão a um maior cuidado com as despesas.

Segundo Souza, os gestores devem estabelecer quatro eixos principais de ação para uma administração eficiente. O primeiro é desenvolver um trabalho com o quadro de servidores por meio do diálogo. “Não existe gestão sem pessoas e se essa relação for conturbada pode gerar graves problemas.”

Conforme o advogado, também é preciso adaptar a legislação dos municípios. Segundo ele, a maioria da cidade tem leis formadas entre as décadas de 1960 e 1990. Para Souza, fazer uma varredura nos códigos de postura e tributários e alterar o que está defasado evita burocracias desnecessárias.

Outro ponto fundamental diante do cenário é uma readequação das estruturas de governo, de forma a reduzir o tamanho da máquina pública e melhorar a eficiência dos serviços prestados. Nesse quesito, destaca a necessidade de fazer uma avaliação correta sobre a utilidade de cada órgão público.

“Não dá para reduzir secretarias de qualquer forma, sem ver a qualidade e o resultado dessa redução”, alega. Para o advogado, os novos prefeitos deveriam esperar entre três e quatro meses antes de fazer os cortes. Dessa forma, garantiriam uma leitura correta sobre o tema.

O quarto eixo apontado pelo especialista é o investimento em tecnologia. Segundo Souza, as prefeituras ainda estão muito longe das ferramentas tecnológicas capazes de gerar diagnósticos e melhorar os processos da gestão.

“O prefeito tem que ter no seu computador e no seu celular tudo o que está acontecendo, sejam os índices da educação, horas extras pagas ou as receitas que entraram na semana”, aponta. Lembra que as ferramentas para isso estão disponíveis, algumas de forma gratuita.

“Hoje, tem um sistema para a folha de pagamento, outro para a contabilidade, outro para a dívida ativa e nenhum deles dialoga”, alerta. Conforme o advogado, diante da queda nas arrecadações, a eliminação de gargalos e do desperdício é fundamental para a retomada dos investimentos.

Cerimônia de Posse: Marcelo Caumo assumiu o cargo de prefeito de Lajeado em solenidade realizada nessa sexta-feirta, 30, no Teatro da Univates

Cerimônia de Posse: Marcelo Caumo assumiu o cargo de prefeito de Lajeado em solenidade realizada nessa sexta-feirta, 30, no Teatro da Univates

Planos inexistentes

Doutora em Sociologia pela UFRGS e professora do curso de Gestão Pública da Unisc, Cláudia Tirelli ressalta a pouca atenção dada aos planos de governo. Segundo ela, embora a existência de planejamento não resolva por si só os problemas públicos, a ausência indica indiferença com a qualidade de vida dos cidadãos.

“Dessa forma, ficam restritos a cortes de secretarias e de Ccs”, afirma. Para a socióloga, a retórica que compara a administração pública com uma empresa privada não faz sentido por se tratar de instituições com diferentes naturezas e objetivos.

“O objetivo do Estado não é a obtenção do lucro e as suas ações devem se pautar pela garantia do bem-estar de todos os cidadãos”, assinala. Entre as funções do ente público, destaca as políticas redistributivas que amenizam os desequilíbrios sociais e espaciais provocados pelo mercado.

Cita como exemplo o Programa Luz para Todos, que levou eletricidade a áreas rurais empobrecidas. “Qual empresa privada gastaria milhões para levar energia elétrica a essas pequenas propriedades? Nenhuma, pois isso não é rentável.”

Para ela, outra questão que evidencia a necessidade do Estado é o aumento da violência letal no Brasil. O Atlas da Violência 2016, produzido pelo Ipea, mostra que o país atingiu seu ápice no número de homicídios, 29,1 a cada cem mil habitantes.

“A questão da segurança pública não se resolve apenas com a construção de mais presídios, nem é um problema que afeta somente grupos sociais periféricos”, lembra. Conforme a socióloga, a lógica de lucratividade do mercado não pode ser aplicada nos serviços públicos, sob pena de deixar a população mais vulnerável desassistida.

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Descrédito preocupante

De acordo com Cláudia, a descrença da população brasileira com a classe política e as instituições trouxe graves efeitos negativos. Segundo ela, eliminou espaço para as mediações e para o estabelecimento de contratualidades que assegurem a vida em sociedade, remetendo a um estágio de barbárie civilizatória.

“Sem a mediação da política, recrudescem os sentimentos de ódio aos diferentes”, alerta. Para a socióloga, a luta contra a corrupção, o mote de toda a crítica ao governo Dilma, já foi utilizada outras vezes como bandeira para desestabilizar governos e promover rupturas institucionais no Brasil.

“Não estou defendendo a conivência com os usos indevidos da máquina e do dinheiro público, mas penso que precisamos refletir sobre o que se esconde por trás desse manto, quais interesses estão colocados e a quem beneficiam.”

Para ela, os efeitos desse cenário são muito danosos para a jovem democracia brasileira e permitem que grupos conservadores ganhem força, restringindo direitos da maioria em benefício dos próprios projetos e interesses.

“O que nos assusta é a redução da capacidade de investimento.”

A Hora – Qual a primeira ação a ser tomada no momento de entrar no gabinete após a posse?

Marcelo Caumo – Nós vamos entrar no domingo com a equipe de governo, até para conhecer o território e levar alguns objetos pessoais ao local de trabalho. Nesse primeiro dia, nossa principal atividade será cumprimentar todos os servidores, algo que não fizemos no momento de transição até para não interferir na gestão que encerra. Vamos passar uma breve mensagem aos servidores, sobre a importância deles para Lajeado, e divulgar algumas medidas. As primeiras semanas serão de diagnóstico do que precisa melhorar e do que merece continuidade.

Como foi o processo de transição e a relação com a gestão que está saindo?

Caumo – Montamos uma equipe de transição, assim como o atual governo. Ambas tiveram uma relação bem profunda. Conforme os secretários foram sendo escolhidos, as equipes combinaram um diálogo com os titulares do atual governo. Tudo isso fluiu de forma muito tranquila. A relação com o Luís Fernando é cordial e pretendemos manter a mesma cordialidade durante nossos atos de governo. Mesmo que a gestão dele tenha encerrado, muita coisa que fica dependerá do atual prefeito, seja uma prestação de contas ou a necessidade de uma assinatura em algum processo.

Vocês já têm o diagnóstico das finanças municipais?

Caumo – Conversei na quarta-feira com o contador do município. A equipe concursada é toda muito qualificada. O orçamento previsto para 2016 não se realiza, mas o grau de endividamento da folha é algo perfeitamente administrável. O que nos assusta é a redução da capacidade de investimento com recursos próprios. Até 2012, todos os investimentos eram com dinheiro do município. É um desafio retomar essa capacidade. Apostamos no enxugamento de Cargos em Comissão (CCs), secretarias, análises e fiscalização dos contratos.

A redução de Ccs e secretarias tem sido o discurso principal da maioria dos novos prefeitos. Essas medidas são suficientes? Esses cortes podem afetar o serviço público e as demandas de uma população em franco crescimento?

Caumo – Precisamos encontrar o ponto de equilíbrio. Vamos iniciar o governo com uma equipe muito enxuta. A lei passou com 120 cargos e acredito que vamos começar o ano com 30. Antes de entrar com todos, vamos fazer o diagnóstico, ver quais pontos carecem de mais atenção e com isso vamos ocupando os demais cargos. Mas essa redução é apenas uma ação. Não pretendemos parar nessa ação. A gestão e a negociação dos contratos é outra medida que dá um impacto favorável na retomada dos investimentos.

Qual foi a principal dificuldade para montar o secretariado?

Caumo – O primeiro passo foi entender o resultado das eleições. A comunidade indicou a renovação total das equipes. Na campanha falávamos sobre o equilíbrio entre o técnico e o político, mas na montagem demos muito mais prioridade aos técnicos. Acho que o respaldo que recebemos nas ruas mostra que vamos iniciar acertando. O maior desafio foi fazer toda uma estrutura entender a importância de colocar pessoas novas. Mas foi coerente com o nosso discurso de campanha.

O PP é um partido tradicional de Lajeado, com nomes históricos que ficaram de fora da próxima gestão. Como o partido reagiu a essa composição de governo?

Caumo – Tivemos a tranquilidade de saber que era a decisão certa. Houve uma tentativa de argumentação e sempre vamos manter o diálogo. Mas a escolha foi planejada e tínhamos convicção que esse era o caminho. O fato de termos logo enfrentado esse problema foi importante. Hoje temos uma equipe animada e interessada em levar adiante esse projeto.

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