Natal sem fartura,  mas de acolhida  e recomeços

Lajeado

Natal sem fartura, mas de acolhida e recomeços

Moradores que já estiveram em situação de rua partilham a ceia de Natal com amigos do dia a dia

Natal sem fartura,  mas de acolhida  e recomeços
oktober-2024

Emerson Luiz Ruffato, 43, não passa o Natal com a família faz oito anos. Natural de Caxias do Sul, saiu da cidade por conta do alcoolismo e das brigas com os familiares.
Viveu nas ruas até ser acolhido pelo Abrigo São Chico, em Lajeado. Com assistência psicossocial, superou o vício e agora, recuperado, pretende passar uma feliz noite de Natal entre os amigos do abrigo. “Depois que perdi meu pai, no ano passado, não tá bom. Não tem aquela alegria de antigamente, festa, amigo-secreto, comemoração. Espero que este ano seja melhor.”

O mecânico, que hoje vive de trabalhos temporários, é um dos ex-moradores de rua beneficiados com a programação natalina organizada por voluntários.
Na quarta-feira, a Paróquia São Cristóvão preparou uma missa aos abrigados e levou o coral para alegrar a festa. Depois, todos partilharam a ceia.

O clima também será de alegria neste sábado durante o almoço. “Pensamos em estar aqui na véspera de Natal porque passamos o ano juntos e, se somos a família deles, é aqui que devemos estar”, explica a psicóloga Paula Vettorello Silveira.
Segundo ela, o momento é de reflexão. “Eles pensam muito nesta época sobre a própria vida e repensam objetivos. Falam sobre o ano que está vindo e, principalmente, sobre o futuro que, mesmo incerto, já está cheio de planos.”

“Me sinto em casa”

A rua 15 de novembro, 403, no bairro Florestal, é o endereço de Ruffato faz cinco meses. “É para onde eu volto no fim do dia, tomo meu chimarrão e vou dormir. Tenho amigos aqui.”
Agora eles fazem parte da família e ajudam a superar a dependência química. “Já estou em abstinência faz seis meses.”
O abrigo representa um lar. “Eles nos chamam de pai ou mãe. Dizem que a casa é deles. É onde eles encontraram uma família e isso é marcante”, acrescenta o diretor, Luiz Carvalho.

Histórias como a do mecânico se repetem. Muitos chegam ao local com situação mental comprometida, dependência em drogas ou álcool. “Nosso papel é fazer a acolhida e tentar sanar as necessidades do momento”, comenta a assistente social, Luana Pereira Kortz.
A partir das conversas com os residentes, identificam os problemas. “Se pudesse ter filhos, era aqui que gostaria de morar. Espero passar este Natal bem. Mesmo se não vou ver minha família neste ano, vou estar aqui. É melhor, pois me sinto em casa.”

A garantia de um lar

A Casa de Acolhida, na rua Júlio de Castilhos, também dá alento a quem não mantém contato com a família, e sobrevive sem um teto próprio. Há poucos dias, houve ameaça de o local fechar as portas, por falta de renovação do contrato de aluguel, dos monitores e vigilantes. Mas o problema foi solucionado na terça-feira passada, o que garantiu que várias pessoas possam ter um local para passar o Natal e Ano- Novo.

É o caso de um homem de 42 anos. Natural de Cambará do Sul, morava em Erechim numa casa alugada. Devido às dívidas bancárias, não conseguiu se manter. “Recebo auxílio-doença e metade vai para um empréstimo. Pagando o aluguel não sobrava nada”, relata.
Abandonou o local e seguiu para Lajeado por indicação de um conhecido. “Me disse que aqui era bom.” Ele chegou na cidade na segunda-feira passada, e logo procurou um lugar para ficar. “Não queria passar a noite na rua.” Quando ainda era dependente de drogas e álcool, chegou a passar noites ao relento. “Não tem o que comer, com quem ficar.” Hoje, conseguiu um teto. Sente-se bem em poder aproveitar cada momento sóbrio.

Natal mais feliz

Mesmo após ter perdido a mãe e o pai, e não manter relacionamento com o restante da família, o homem natural de Cambará do Sul acredita que terá um Natal feliz. Pretende compartilhar a ceia, neste sábado, junto com os amigos que fez na cidade. Mesmo que seja arroz com feijão, será muito bem-vindo. “Ainda não sei se vai ter alguma coisa especial, mas pelo menos sabemos que teremos uns aos outros. Formamos uma família.”

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O amigo, de 57 anos e natural de Venâncio Aires, também acredita num momento de união e amizade. Após a morte da mulher, em 2010, chegou a morar um tempo com uma das filhas em Roca Sales. Mas a convivência não foi boa e ele se mudou para Lajeado. O caminho de 33 quilômetros foi feito a pé. O cansaço o obrigou a dormir em uma parada de ônibus. Mas o sofrimento não o fez desistir.

Em Lajeado, visita alguns amigos durante o dia, faz alguns bicos e frequenta reuniões no Centro Especializado de Assistência Social (Creas). “Já pediram para mim ir lá, passar o Natal com eles, em casa. Mas não quero. Me sinto melhor aqui.”
Ambos acreditam que, se precisassem passar este momento na rua, talvez voltassem a ter contato com os vícios. “Mas eu sei que pegar um litro de cachaça não vai resolver nada. Só vai piorar minha situação”, resume o mais novo.
Para o próximo ano, eles desejam que o serviço seja mantido e pelas próprias pernas consigam trilhar um caminho diferente. “Esperamos que tudo melhore.”

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