Consultor aborda relações institucionais

Vale do Taquari

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Palestrante aponta queda de braço entre Executivo, Judiciário e Ministério Público

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Vale do Taquari
oktober-2024

A relação entre órgãos de fiscalização e gestores municipais deve ficar mais tensa nos próximos quatro anos. Com a interferência cada vez maior do Judiciário e do Ministério Público (MP) na administração pública, os prefeitos devem encarar sérias dificuldades para cumprir as obrigações impostas pelo governo federal. Quem aponta esse caminho é o advogado especialista em Finanças Públicas e diretor da Consultoria Direito Público, Glademir Chiele.

Nessa quinta-feira, 15, Chiele palestrou para os prefeitos da região durante a assembleia da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat). Durante cerca de uma hora, ele falou do maior rigor na fiscalização e cobrança para cumprir os compromissos. Em contrapartida, o cenário a partir de 2017 deve ser de arrocho nas contas e escassez nos repasses dos governos federal e estadual.

O cenário que se desenha para os novos gestores municipais é de uma fiscalização mais intensa, maiores obrigações e menos recursos para cumprir as obrigações. Durante a palestra, Chiele alertou os prefeitos da região sobre os riscos da judicialização da administração pública. Para ele, o Judiciário tem extrapolado suas responsabilidades legais e interferido diretamente na gestão municipal.

Mesmo com essa interferência, Chiele foi taxativo ao afirmar que “os prefeitos não precisam fazer tudo que o MP e Judiciário manda.” O advogado lembrou de casos em que o MP tentou embargar licitações e projetos do Executivo, mas acabou derrotado.

Menos recursos, mais obrigações

O principal desafio dos prefeitos será cumprir as obrigações impostas por lei. Como os municípios são os entes que ficam com o menor bolo da arrecadação de impostos, e têm pouca ingerência sobre impostos, os cofres ficam cada vez mais vazios. Aliado a isso, com crise econômica do país, os repasses da União para os municípios tendem a reduzir nos próximos anos.

Para o atual presidente da Amvat, prefeito de Westfália, Sérgio Marasca, os prefeitos precisarão aprender a “fazer mais com menos.” Marasca defende um novo pacto federativo, capaz de dividir melhor os recursos captados por meio de impostos estaduais e federais. Hoje a União fica com 54%, estados, com 24%, e municípios, com 18% do total arrecadado.

“Ou os municípios reformam suas estruturas e modificam o serviço ao tamanho do orçamento, ou terão uma situação de agravamento nas contas.”

A Hora – Na palestra, o senhor falou sobre a interferência do Judiciário e do Ministério Público (MP) nas gestões municipais. Essa queda de braço tende a aumentar nos próximos anos?

Glademir Chiele – É um problema que está se avolumando ao longo dos anos na medida em que as questões ligadas à administração pública – execução do orçamento, atividades cotidianas das prefeituras – estão sendo, praticamente todas, judicializadas. Nós temos o exemplo da área da saúde, na qual a compra de uma caixinha de medicamentos passa pelo Judiciário. Existe também aqueles medicamentos e procedimentos que o município não tem condições fornecer porque não é nem mesmo da competência dele, mas a Justiça obriga o cumprimento. O que está acontecendo é que a judicialização dessas matérias tornará esse tipo de conflito cada vez maior, o que é desnecessário. Porque a população elege um representante do Executivo e do Legislativo justamente para gerir a coisa pública. Um prefeito não tem o desejo de descumprir a Constituição ou vontade de não prestar o serviço público, isso não existe. Estados, municípios e União abriram um leque tão grande de serviço público, criaram tantas frentes de programas e projetos, que não conseguem mais dar conta. Não há mais orçamento que consiga suprir essa necessidade cada vez maior que se cria. Esse aumento de programas e projetos por um lado é uma maravilha, pois teremos um Estado mais atuante. Por outro lado, tem que ter dinheiro e o aumento de impostos se torna praticamente inviável, porque temos uma das maiores cargas tributárias do mundo. Temos que racionalizar o uso do dinheiro e da prestação de serviço. Ou os municípios reformam suas estruturas, e adequam o serviço ao tamanho do orçamento, ou terão uma situação de agravamento.

Existe uma dificuldade quando o senhor fala em adequação municipal, porque os municípios podem criar poucas formas de ampliar a receita e suas obrigações são determinadas pela União. Como os prefeitos conseguirão equilibrar o cumprimento do que diz a lei ao orçamento enxuto?

Chiele – Os municípios, e o próprio estado, têm que trabalhar as reformas em suas estruturas. O que se faz normalmente, se criam serviços, empresas públicas, fundações e autarquias para poder prestar um determinado serviço. Esse envolvimento do poder público com projetos pode ser racionalizado. O que temos são muitos projetos com pouco dinheiro, então os programas não funcionam porque não têm recursos e o atendimento à população é prejudicado. A Constituição trata da prestação de serviços de forma genérica, quem determina como vai fazer são os entes federados. São eles que definem se vão criar 30 programas, ou um só bem-feito, com dinheiro. A criação de muitos programas, com estruturas próprias, acaba resultando na ponta do sistema com um resultado pífio. Muitas vezes é mais interessante ao invés de ter dez postos de saúde ter dois que funcionem bem e possam atender 24 horas. O que acontece hoje no país é uma pulverização de recursos para todos tipos de programas, projetos, benefícios, e eles não têm sustentação financeira.

Qual será o grande gargalo de gastos obrigatórios que devem dificultar a gestão dos prefeitos nos próximos anos?

Chiele – São inúmeros, o foco da atividade pública está muito disseminado. Todas as ações dos municípios têm se ampliado ano após ano, sem a sustentação financeira. A partir do próximo mandato, inclusive como resultado da Lava-Jato, o processo de fiscalização do país aumentará, assim como a necessidade de eficiência no gasto público também. Não basta apenas gastar dinheiro com projetos sociais, tem que usar os recursos de forma racional, equilibrada e sobretudo de forma eficiente. Não se busca lucro com a administração pública, o lucro é o bom serviço público. Se os gestores não se derem conta que é preciso trabalhar o dinheiro buscando maior efetividade nas ações do poder público, teremos um agravamento da crise, a ponto de as prefeituras atrasarem salários e terem que extinguir projetos. O município tem que se adequar a seu orçamento, para ter a segurança de que os projetos sejam realizados, para que o município não entre em colapso com uma pequena turbulência do mercado. Não é mais possível trabalhar acima dos limites.

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