Produtor clama  por intervenção  do governo

Vale do Taquari

Produtor clama por intervenção do governo

Cerca de 350 produtores e 30 entidades de classe participaram ontem do debate sobre a crise no setor leiteiro. Proposta pelo deputado Elton Weber (PSB), a audiência evidenciou as dificuldades do segmento e apontou medidas para amenizar os problemas. A principal preocupação é a redução de 40% no valor pago ao produtor, aliada à alta nos custos de produção.

Produtor clama  por intervenção  do governo
Vale do Taquari
oktober-2024

“Comecei a produzir em 2013, fiz financiamento e investi muito. Hoje, praticamente levamos as vacas para passear, porque não temos lucro. Queremos pelo menos sobreviver.” A fala de Fábio Secci, de Teutônia, resume o sentimento dos produtores de leite gaúchos.

Convidado para falar durante a audiência pública, Secci explicitou a inércia dos governos federal e estadual em relação ao setor. Sob aplausos, criticou os programas de sanidade animal. Segundo ele, os agricultores ficam com todas as responsabilidades e não recebem qualquer tipo de auxílio.

“Poderiam ao menos reduzir impostos, de forma que a produção se torne mais barata para que possamos competir de igual para igual no mercado internacional”, assinala. O posicionamento de Secci foi corroborado pelo deputado Edson Brum (PMDB). Mesmo integrando a base do governo do Estado, Brum teceu duras críticas à política adotada pelo Piratini.

Segundo ele, a organização da cadeia leiteira abrange questões sociais, de saúde pública e econômicas, mas ainda é negligenciada pelo Estado. Para ele, é um equívoco que propostas como a do Fundoleite fiquem sob responsabilidade da Secretaria da Agricultura, e sim da Secretaria de Desenvolvimento Rural.

“É lá que estão os pequenos agricultores, responsáveis por 98% da produção”, relata. Brum também criticou o Sindilat, que representa as indústrias do setor. Segundo o deputado, a importação de leite do Uruguai e da Argentina é realizada por associados do sindicato.

“A indústria não pode fazer essa sacanagem com nossos produtores”, aponta. Por fim, falou sobre a falta de transparência sobre os incentivos ficais oferecidos às empresas do segmento. Brum afirma que os produtores são enrolados por pessoas que colocam os interesses pessoais acima dos da cadeia como um todo.

Para o deputado Zé Nunes (PT), o leite deveria ser considerado atividade prioritária para o desenvolvimento do RS. Ele cobra a implementação de políticas específicas para o setor e defende o Instituto Gaúcho do Leite (IGL) e a aplicação dos recursos do Fundoleite.

“O IGL está sendo inviabilizado e conseguiram suspender o fundo devido a interesses que precisam ser desvendados”, alerta. Para ele, a crise do setor atende a interesses de agentes que lucram com a desorganização da cadeia.

Sentimento de traição

Presidente da Cooperativa Languiru, Dirceu Bayer falou sobre as angústias de produtores e cooperativas. Falou sobre as diversas audiências sobre o tema realizadas no Vale do Taquari e o sentimento de traição diante da falta de política agrícola no país.

“Como cooperativa, incentivamos nossos cooperados a terem mais produtividade e a fazerem investimentos e logo depois o preço do leite fica nessa situação”, ressalta. Segundo ele, o diagnóstico já foi apresentado e o setor espera por ações para continuar a contribuir com a economia.

Vergílio Périus, presidente da Ocergs, apontou a expansão da energia trifásica como uma das soluções para melhorar as condições dos produtores. “A exclusão de 80 mil pequenos produtores da cadeia se deve ao acesso apenas à rede monofásica. É um insumo básico.”

Para o presidente da Associação Gaúcha de Laticínios, Ernesto Enio Budke Krug, a audiência não seria necessária se a cadeia leiteira estivesse organizada. “Enquanto não tivermos essa percepção, nunca seremos totalmente atendidos.”

Segundo ele, desde 1970, todas as grandes crises do setor foram antecipadas por grandes importações e as reivindicações só ocorrem após o surgimento do problema. “Se não falarmos a mesma linguagem, não haverá solução.”

Desconforto

As críticas às políticas adotadas pelo governo deixaram o secretário estadual da Agricultura e Irrigação, Ernani Polo, visivelmente constrangido. Apesar do desconforto, afirmou entender a angústia do produtor de leite, mas foi evasivo quanto à possibilidade de mudanças para o setor.

“Precisamos ter responsabilidade e é o que estamos procurando fazer, construindo as coisas junto com o setor”, alega. Segundo ele, o governo fortalecerá parcerias com sindicatos, cooperativas e indústrias para qualificar o processo de sanidade animal e há espaço para estabelecer contratos para os processos de compra e venda do leite.

Superintendente do Ministério da Agricultura no RS, Roberto Schroeder admitiu a falta de dinamismo do governo federal para desenvolver políticas públicas no setor. Para ele, não é possível exigir que os produtores trabalhem nas condições apresentadas.

Produtores de Westfália estenderam uma faixa em defesa da agricultura familiar que corresponde a 98% do setor

Produtores de Westfália estenderam uma faixa em defesa da agricultura familiar que corresponde a 98% do setor

Propostas encaminhadas

Ao fim da reunião, o deputado Weber assinalou uma série de encaminhamentos a serem propostos aos governos estadual e federal. As reivindicações foram lidas para o público, que levantou a mão em aprovação às propostas.

Entre as medidas previstas, estão a prorrogação dos débitos dos produtores com aquisição de insumos, a retomada da discussão sobre o Fundoleite, a taxação e reavaliação das importações e da desidratação do produto.

Além disso, os produtores também exigem garantia de preços mínimos, uma política para produção de insumos e o estabelecimento de contrato entre indústria e produtores.

Entenda o caso

Após atingir o pico de R$ 2, em julho, o preço pago ao produtor pelo litro do leite caiu para até R$ 0,88. Isso comprometeu a capacidade de pagamento nas propriedades rurais e a própria subsistência dos agricultores.

Entre os motivos para a crise, está o aumento de 80% nas importações de lácteos do Uruguai, a alta de 12,56% no custo médio de produção. Também são apontadas a retração de consumo, a hidratação de matéria-prima, as disparidades nas margens de lucro da cadeia produtiva e a falta de políticas públicas de proteção da produção.

Presidente da Fetag-RS, Carlos Joel da Silva afirma que 19,2 mil produtores abandonaram a atividade, entre 2015 e 2016, número que representa 18% do total. “O produtor não está chorando. Nós vamos quebrar a cadeia produtiva se continuarmos desse jeito.”

É preciso colocar produtos lácteos nos programas sociais do governo federal para ajudar a desafogar o problema.

É preciso colocar produtos lácteos nos programas sociais do governo federal para ajudar a desafogar o problema.

“Temos que valorizar o produto e o produtor gaúcho.”

A Hora – Quais serão os encaminhamentos e desdobramentos da audiência de hoje?

Elton Weber – Por meio da Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo, vamos encaminhar ao governo federal ações que dizem respeito à importação de produtos lácteos. Queremos uma participação efetiva do setor nas decisões sobre o que e quanto será importado, assim como o que se negocia no Mercosul. Muitas vezes temos produtos triangulados, originários de fora do Mercosul e que vêm para cá. Também vamos encaminhar a compra governamental. A Conab precisa fazer essa compra. Conversamos sobre isso há alguns meses, quando sentimos os primeiros sinais mais fortes da queda de preços. É preciso colocar produtos lácteos nos programas sociais do governo federal para ajudar a desafogar o problema.

As políticas estabelecidas pelo governo gaúcho para o setor foram muito criticadas durante o evento. Quais propostas serão apresentadas ao Piratini?

Weber – Foi muito falada a questão dos incentivos fiscais. Tem que ser reavaliado. Precisamos de critérios específicos e a garantia de que o incentivo beneficie a sociedade, nesse caso, o produtor de leite. Hoje, temos empresas com sede no RS que se aproveitam do benefício e trazem leite em pó do Uruguai. Isso não precisa de incentivo fiscal. Temos que valorizar o produto e o produtor gaúcho. Outra questão é a taxação do leite que vem de fora. Para vendermos nosso leite para São Paulo, pagamos 18% de ICMS. Hoje o leite que vem de outros estados é isento no RS.

Outra questão levantada por produtores e representantes sindicatos é o contrato de venda do leite. De que forma essa discussão precisa ser feita?

Weber – Os contratos entre produtores e indústrias precisam de regulamentação. Não dá para ter em determinado momento um preço lá em cima, fazendo com que o pessoal invista, e depois cair o preço a ponto de não conseguirem pagar os investimentos. É preciso equilíbrio. Hoje não existe um contrato específico como ocorre na avicultura e em outros contratos. Tem que ter critérios que garantam essa relação comercial. Até porque já tivemos problemas com indústrias que compraram leite e não pagaram.

 

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