O dia mais triste da história do futebol

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O dia mais triste da história do futebol

A reportagem do A Hora acompanhou a chegada de 50 atletas, funcionários e dirigentes da Chapecoense, mortos em acidente aéreo na Colômbia, na semana passada. Familiares e comunidade choram a volta dos agora declarados campeões da Copa Sul-Americana, e cidade busca forças para reconstruir a equipe de futebol que conquistou o carinho de todo o mundo

O dia mais triste da história do futebol
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“Thank you. Merci. Danke. Eskerrik. Grazie. Köszönöm. Gracias. Salamat. Obrigado.” Tais palavras estão em um grande banner instalado em meio à av. Getúlio Vargas, sob o símbolo da Associação Chapecoense de Futebol. A mensagem retribui toda a solidariedade manifestada no mundo inteiro. Chapecó parece não pertencer mais só ao estado de Santa Catarina.

A avenida é a principal via urbana do centro comercial da cidade universitária de pouco mais de 210 mil habitantes. É lá que jovens chapecoenses se encontram aos fins de semana. No canteiro central, os bancos viram ponto de encontro de casais e amigos. Nas calçadas, bares ficam abertos até tarde da noite. Mas tudo foi diferente na chuvosa madrugada de 3 de dezembro.

Um relógio digital aponta 1h35min. Adolescentes, crianças, adultos e idosos, homens e mulheres vestem a camiseta verde e branca da Chape e iniciam uma romaria até a Arena Condá, localizada a três quadras da avenida, e onde centenas de outros torcedores estão acampados desde a morte dos 71 passageiros do voo 2933 da LaMia, quatro dias antes.

A chuva é fraca até o amanhecer. Há uma triste expectativa em toda a cidade. Para as primeiras horas, está prevista a chegada dos 50 caixões com os corpos de atletas, dirigentes e funcionários da Chape. “O mais querido deles era o Bruno Rangel. A criançada adorava e imitava ele. A gente conhecia ele da rua, do mercado”, emociona-se a recepcionista de um hotel, Flávia Antunes.

O Aeroporto Municipal Serafim Enoss Bertaso acorda repleto de jornalistas de diversos estados e países. Por volta das 7h, a chuva aperta. Já próximo à pista, a expectativa inicial é pela chegada do presidente da República, Michel Temer. Seu voo estava previsto para aterrizar às 6h30min. Mas, assim como as duas aeronaves “Hércules” da Força Armada Brasileira (FAB) carregadas com os caixões, a viagem presidencial atrasa.

A esperança da Chape são as crianças e os mais de 10 mil novos sócios em menos de uma semana. Ontem à tarde, Conmebol sagrou clube campeão

A esperança da Chape são as crianças e os mais de 10 mil novos sócios em menos de uma semana. Ontem à tarde, Conmebol sagrou clube campeão

Os jornalistas se movimentam em busca de sinais de internet e satélite para manter as transmissões ao vivo para o Brail e o exterior. A partir das 8h15min, começam a chegar as aeronoves. Dois aviões da FAB trazem ministros do Trabalho e do Esporte, além de representantes da Colômbia e da CBF. Às 8h53min, Temer desembarca do AirBusA319, batizado de “Santos Dumont”.

Houve intensa movimentação dos repórteres nesse momento. Mas tudo mudou às 9h15min, quando aterrisou o primeiro Hércules da FAB. O silêncio só era disfarçado pelo ruidoso barulho das turbinas. Meia hora depois, a segunda aeronave com os corpos pousou. Era o fim de uma angustiante espera, e o início de uma dor ainda maior.

Silêncio e garoa

O silêncio tomou conta dos mais de 40 jornalistas. Ao lado, familiares se desesperavam com a chegada dos parentes mortos. Chovia ainda mais forte. Um a um, os 50 caixões foram retirados das duas aeronaves. Soldados do Exército formaram uma fileira em frente a todos os presentes e, sobre um tapete vermelho, os esquifes eram carregados diante de todos.

Por vezes, houve aplausos. Alguns ensaiaram o cântico “Vamo, Vamo Chape”. Mas o clima era pesado demais. Um cinegrafista tentou filmar o choro de um pai de atleta abraçado ao neto agora órfão. Foi censurado por familiares e, também, por outros jornalistas.

Cada caixão tinha o nome do morto. Ao fundo, a banda marcial tocava a marcha fúnebre. Ao lerem os nomes, alguns parentes caíam no chão em desespero. Logo eram abraçados por voluntários da Cruz Vermelha.

Jornalistas locais também choravam muito. As transmissões para as rádios de Chapecó eram realizadas aos prantos. Sem constrangimento. “Se o velório de um amigo já machuca, já emociona, imagina então velar 50 pessoas queridas”, soluçava a repórter Jussara Mendes.

Após, os 50 caixões foram colocados em quatro caminhões, e partiram em direção à arena. No caminho, mulheres, homens, idosos e crianças aguardavam, sobre postes, paradas de ônibus, sacadas e no meio da rua, a passagem dos eternos heróis.

Mundo chora com velório coletivo

O velório ocorreu no gramado. Assim como no aeroporto, os caixões foram carregados um a um pelos soldados e colocados sob um toldo, onde estavam os familiares. Próximo a eles, figuras mundiais, como o presidente da Fifa, Gianni Infantino, o técnico do Brasil, Tite, o presidente da CBF, Marco Polo del Nero, e os ex-jogadores, Puyol e Seedorf.
Mas os aplausos foram efusivos mesmo para o cônsul da Colômbia. Aliás, sobraram elogios e agradecimentos ao povo colombiano, em retribuição ao carinho demonstrado – principalmente – pela torcida do Atlético Nacional, na quarta-feira passada. Haviam diversas faixas.

Cerca de 25 mil torcedores alternavam momentos de aplausos, choro e rezas

Cerca de 25 mil torcedores alternavam momentos de aplausos, choro e rezas

A chuva seguiu torrencial. E ninguém arredava pé. Do lado de fora, todos caminhavam em direção à arena, pouco se importando com o acúmulo de água nas ruas. Poucos, aliás, ficaram do lado de fora assistindo ao cerimonial pelos dois telões instalados. Mas alguns preferiram não entrar.

“A morte já é triste o suficiente. Não entendo por que estender o sofrimento. Eu não consigo velar meus jogadores no mesmo lugar onde fizemos uma grande festa na semana passada”, disse o torcedor, Ricardo Luís Dutra, parado diante do estádio, na mesma rua onde 50 carros funerários aguardavam. A entrada em campo dos 50 caixões foi dolorosa. Todos choravam. Familiares, torcedores, jornalistas, policiais. Só os soldados do Exército seguiam serenos. O fotógrafo gaúcho, Renato Padilha, cobria os jogos da Chape para agências desde agosto. Tinha forte amizade com o assessor de imprensa Cléberson Silva, morto no acidente. Chorando muito, ele lembrou o amigo.

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“Ele era um cara muito bacana. Em nosso último encontro, lembro que ele me deu um abraço um tanto incomum, logo após me ajudar diante de problemas com repórteres argentinos no jogo contra o San Lorenzo.” A mulher do jornalista morto, Sirli, também é assessora da Chape. Na última hora, não embarcou. “Agora, restou a ela cuidar do casal de filhos pequenos”, chora Padilha.

No fim, foram as crianças da escolinha da Chape que trouxeram a esperança necessária ao cerimonial. Muitas delas vestindo a camiseta do Atlético Nacional, assim como o prefeito, Luciano Buligon, que veio de Medellin no mesmo avião da FAB que trouxe uma parte dos 50 caixões.
Findada a cerimônia, as famílias partiram para mais um velório. Pelas ruas da cidade e rodovias próximas, carros funerários eram vistos se dirigindo para diferentes estados. Dessa vez, em um cortejo bem mais discreto.

 

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