Lucidez e independência aos 103 anos

Cruzeiro do Sul

Lucidez e independência aos 103 anos

Há dois meses em lar de idosos, Aurora Amélia demonstra habilidades incomuns

Lucidez e independência aos 103 anos
Vale do Taquari

Uma centenária desperta curiosidade no Repouso Bom Samaritano. Aos 103 anos, Aurora Amélia Schmitd gerencia suas próprias coisas, mantendo o quarto organizado. Ela escolhe as roupas que usa e vai sozinha ao banheiro, no meio da noite.

Mãe de sete filhos, tem 12 netos e sete bisnetos. Nasceu em 25 de junho 1913, quando o RS tinha ainda cerca de um milhão de habitantes. Governada por Borges de Medeiros, a população das grandes cidades passava para modernidade com uma herança administrativa colonial obsoleta.

Enquanto as cidades mais populosas do estado assistiam à expansão das redes de água e luz, a família Schmitd enfrentava as intempéries de uma vida rudimentar, sem água e energia elétrica. Aurora defrontava os maiores perigos para um recém-nascido, na localidade de Arroio Alegre, distante de hospitais ou médicos.

Com 10 anos de idade, ajudava os pais na roça. Ficava meio dia na escola e no outro período tratava os animais, plantava e colhia. “Era assim naquela época.” As brincadeiras giravam em torno do que se podia tirar da própria natureza. As bonecas eram de espigas de milho e os travesseiros e camas, de palha. A primeira grande mudança foi quando a família foi morar em Chapadão.

Coma voz fraca e pausada, Aurora compara as diferenças latentes no mundo com as mudanças do século. Algumas preocupações eram desnecessárias. As ferramentas usadas na lida camponesa ficavam no campo. Não era preciso levar os implementos para dentro de galpões e chavear.

Em meados no século XX, Borges de Medeiros estatizava portos e ferrovias, mas os caminhos no Vale do Taquari ainda eram de trilhas e piquetes para carroças, em meio à vegetação.

“Não tinha nada, nem geladeira, nem luz, nem automóvel. Andávamos por quilômetros para ir à aula. O professor dava aula para diversas idades, tudo na mesma sala. Crianças e adultos aprendiam ao mesmo tempo.”

Enquanto a seleção brasileira conquistava o primeiro título mundial, em 1958, a diversão da garotada era jogar no potreiro, com bola feita de meia e sabugo.

A família Schmidt trabalhava pela sobrevivência. Todos plantavam, todos usufruíam do plantio. O divertimento ficava por conta dos kerbs com vizinhos e parentes. Apesar do isolamento das grandes cidades, vivia com muita gente.

Um século depois, sentada em uma poltrona de napa, observa colegas desconhecidos. Com a chegada de dias mais quentes, se diz aliviada. “Gosto dos dias quentes de chuva”.

Hoje divide o quarto com outra idosa. Durante o dia, prefere ficar sentada próxima às janelas. Andar pelos corredores da casa de repouso ficou agora mais fácil. O colega Egon Kamphorst, 74, deu-lhe um andador. “É para não forçar a coluna”, diz. A amizade com o colega foi facilitada porque o dialeto alemão é facilmente entendido.

Aurora nunca aprendeu a falar português. Seus pais e professores só falavam alemão. Devido a problemas de visão, enxerga apenas com um olho, mas faz questão de folhear o A Hora. A leitura fica por conta das fotografias.

Vida saudável

A centenária sempre comeu de tudo. Não tinha alimentos que não gostasse. O ritmo que a vida impunha a deixava sempre em movimento. Trabalhou por quase quatro décadas sozinha, após a morte do marido. Nunca parou.

Tinha como hábito tomar muita água. Não costumava beber álcool. Nunca fumou. Aos 90 anos ainda morava sozinha e fazia todas as tarefas domésticas.

Hoje ela consegue se locomover com certa facilidade. O andador serve mesmo é para evitar que a coluna fraqueje. É a prova de que é possível envelhecer com saúde.

“A humanidade não evoluiu”

Aurora Amélia traz no rosto as marcas de uma vida inteira sob o sol. Vive desde 1973 sem o marido. Diz que aprendeu muito em relação à humanidade, que para ela regrediu em consciência coletiva. “Antigamente os vizinhos se ajudavam.”

Para ela, cada aniversário é um ano de vitória. “Estou cada vez pior, eu sei. Mas estou satisfeita. Quando ela chegar, ficarei de pé. A morte é uma questão de tempo, para todos nós.”

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