Aposentados perdem chance de ganhar mais

Vale do Taquari

Aposentados perdem chance de ganhar mais

Aposentados que voltaram a trabalhar com carteira assinada receberam uma notícia nada agradável nessa quarta-feira. Com a decisão do STF de recusar a desaposentação, o dinheiro pago à Previdência volta para os cofres públicos, sem recálculo no benefício.

Aposentados perdem chance de ganhar mais
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oktober-2024

O ex-caminhoneiro Aneci Zerves se aposentou em 2001, mas o tempo parado não durou muito. Quatro anos depois, em 2005, ele voltou ao mercado de trabalho em uma nova função. Zerves deixou a boleia de lado e começou a trabalhar como supervisor de supermercado. Nestes 16 anos, ele contribui todos os meses à Previdência Social, mas, de acordo com a decisão do Superior Tribunal Federal (STF) desta semana, não deve recuperar esse dinheiro.

Na quarta-feira, 26, os ministros da Corte reprovaram por sete votos a quatro o direito dos aposentados ganharem um novo benefício, a chamada desaposentação. Entre as justificativas dos magistrados, está a impossibilidade econômica para o governo pagar o benefício.

Além disso, os magistrados afirmaram que a falta de uma legislação específica sobre o tema os impede de tomar uma posição. Os sete ministros contrariaram o parecer de Marco Aurélio Melo, que se posicionou favorável ao benefício.

A decisão foi proferida no julgamento dos mais de 180 mil processos de aposentados que, assim como Zerves, voltaram ao mercado de trabalho depois da primeira aposentadoria. O ex-caminhoneiro critica a postura do STF. “Não se preocupam se nós estamos trabalhando e pagando os encargos.”

Zerves foi um dos beneficiados do antigo regime, e conseguiu se aposentar aos 51 anos, no regime especial em função do tipo de trabalho. Hoje, aos 68 anos, começa a trabalhar oito horas por dia de segunda a sábado. Na época da primeira aposentadoria, ainda moravam com ele os dois filhos e a mulher. Hoje, mesmo com os filhos casados, frisa a importância da renda extra para as finanças da família. “Faz muita diferença. A gente ainda precisa ajudar o filho, então, é sempre muito importante.”

Sem desconsiderar a importância do salário, Zerves garante que ele não é o principal incentivo para ainda estar trabalhando. “Eu não me sentia bem parado. Até não posso reclamar, porque me aposentei bem, mas não era suficiente.” Para garantir um vencimento razoável, precisou pagar duas vezes. “Eu fiz um plano de previdência privada, e por isso consegui receber um pouco a mais.”

Diferente do supervisor de mercado, a cozinheira Claudete Tieze, se aposentou após 30 anos de contribuição, recebendo um salário mínimo. Para ajudar a filha estudante, ela continuou trabalhando meio turno no mesmo local. “Um dos principais motivos é ajudá-la.”

Nos últimos sete anos, Claudete pagou a Previdência Social todos os meses, mas esse dinheiro nunca representou melhora salarial para ela. “Nem pensei nisso até agora, porque não vai aumentar minha aposentadoria.”

Mesmo com as dificuldades financeiras, Claudete tenta economizar para o futuro. “Faço uma poupancinha sempre para caso tenha uma emergência. Nem que seja R$ 100 ou R$ 200, sempre guardo algum dinheiro.”

Mesmo aposentados, Luís Carlos Henz, 63; Rudinei Cima, 53; e Aneci Zerves, 68; continuam trabalhando com carteira assinada. Apesar de contribuir mensalmente com a Previdência, eles não podem acrescer esse tempo de serviço em uma nova aposentadoria.

Mesmo aposentados, Luís Carlos Henz, 63; Rudinei Cima, 53; e Aneci Zerves, 68; continuam trabalhando com carteira assinada. Apesar de contribuir mensalmente com a Previdência, eles não podem acrescer esse tempo de serviço em uma nova aposentadoria.

Sindicato critica decisão

O julgamento do STF foi muito mal recebido entre os representantes da categoria. O presidente da Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do Estado (Fetapergs), José Pedro Kuhn, criticou a posição dos juízes. “Ficamos muito entristecidos, porque contribuímos e não vamos recuperar.”

Kuhn mostrou frustração com o trabalho realizado ao longo dos anos para que o benefício fosse aprovado. “Nós fizemos um trabalho de longo tempo, inclusive nos reunimos com autoridades para aprovar o benefício. Infelizmente os nossos ministros foram influenciados pela mídia e pelo governo que dizem que a Previdência está deficitária.”

O presidente da Fetapergs afirma que o pagamento não causaria impacto nas finanças públicas. Uma pesquisa, diz o sindicalista, mostrou que a arrecadação por meio do trabalho dos aposentados é suficiente para pagar a desaposentação e ainda sobra.

Novas ações

Mesmo com a recusa do Supremo, as brigas judiciais não acabam. O presidente da Fetapergs anuncia novas ações para cobrar os valores pagos pelos contribuinte. “Agora vamos entrar na Justiça para pedir o estorno desses investimentos que arrecadamos para Previdência, esse é dinheiro é nosso.”

Na quinta-feira, 28, a presidente do STF, Cármen Lúcia, preferiu protelar a decisão sobre a restituição dos valores aos contribuintes que receberam a desaposentação. A magistrada optou por decidir a respeito da matéria apenas depois da publicação da sentença, o que deve ocorrer somente em 2017.

Seguindo o parecer da Corte, a Advocacia Geral da União (AGU) decidiu esperar o acórdão para avaliar o pedido de ressarcimento ao INSS de quem já recebeu o benefício.

Para o advogado Paulo André Solano, ministros ignoraram os autos do processo durante o julgamento.

Para o advogado Paulo André Solano, ministros ignoraram os autos do processo durante o julgamento.

Pouco a fazer

Especialista em Direito Previdenciário, o advogado Paulo André Solano, também criticou a posição do STF. Na avaliação dele, os magistrados fugiram dos autos e tomaram postura política. “Não foi um julgamento técnico e nem pelo direito dos segurados. Em vários votos, ficou expressa uma preocupação com a realidade econômica do país, pensamento que foge aos autos do processo.”

Para Solano, os ministros ignoraram uma pesquisa solicitada por eles. “O estudo teve resultado positivo à desaposentação, apontando que haveria recurso suficiente para subsidiar os novos benefícios e ainda com excedente.”

De acordo com ele, os contribuintes têm poucas alternativas para recuperar o dinheiro pago ao INSS até agora. “Com o julgamento essa temática se esgotou, a esfera que pode se abrir é a legislativa, mas essa possibilidade é praticamente nula.”

Dois projetos de lei já foram apresentados no Congresso para regulamentar a desaposentação. Um deles foi protocolado em 1996 e, mesmo aprovado pela Câmara, permanece parado no Senado.

“E mais uma vez, os mais pobres são crucificados.”

Paim considera retrocesso

Tendo como base eleitoral os aposentados, o senador gaúcho Paulo Paim (PT) é o autor do projeto ainda em espera de definição faz mais de 20 anos. Crítico da postura do Supremo, ele garante que apresentará uma proposta para que os valores pagos pelos aposentados sejam restituídos.

A Hora – Como avalia a decisão do STF?

Paulo Paim – Eu lamentei. Para servidores públicos se mantém o direito. Queríamos estender para o trabalhador do Regime Geral da Previdência. E mais uma vez, os mais pobres são crucificados. Mediante a decisão que eles tomaram, eu tenho um projeto no Congresso, que apresentei em 1996, vamos tentar trabalhar para ver se o Senado aprova. Outro caminho é apresentar outro projeto para que, pelo menos, quem já ganhou na Justiça não tenha de devolver nem tenha o benefício reduzido, já que é um direito adquirido incorporado ao trabalho.

Acredita na viabilidade de aprovar essas propostas, mesmo com o governo tendo maioria?

Paim – O STF disse que cabe ao Congresso regulamentar a matéria, enquanto não transformar em lei não tem como julgar, segundo eles. Então o Senado que assuma agora sua responsabilidade e aprove esse projeto que já tramita na casa. Toda vez que se apresenta um projeto é por entender que a causa é justa. Se vai aprovar ou não, depende de cada um. Se for pelo governo ter maioria, e todos sempre tiveram, não apresentamos projeto nenhum.

Na sua avaliação, por que o STF tomou uma decisão que contraria a postura do Tribunal Superior do Trabalho?

Paim – É a velha história da decisão política. Se já existe para o servidor, por que não existir também para o trabalhador? Foi uma medida política, alegando que a União não pode pagar. Ora, não pode pagar, mas é um direito, tanto que todas as instâncias anteriores tinham dado ganho de causa, inclusive o STJ por unanimidade.

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