Legado de Gino Ferri inspira amigos e comove município

Encantado

Legado de Gino Ferri inspira amigos e comove município

Escritor e historiador morreu na madrugada de ontem com 93 anos. Amigos e familiares recordam momentos ao lado do encantadense. Testemunhos realçam o carisma, conhecimento e a simplicidade de Ferri

Legado de Gino Ferri inspira amigos e comove município
Encantado

A cerimônia de despedida de Gino Ferri lotou a câmara de vereadores. O escritor e historiador morreu na madrugada de ontem no Hospital Bruno Born, em Lajeado, e foi sepultado no Cemitério São Pedro. Ele deixa dois filhos, seis netos, cinco bisnetos, centenas de admiradores e um legado de conhecimento, carisma e simplicidade.

“Ele era uma pessoa totalmente idônea, de uma caráter irreparável. Sempre lutou muito pela cultura e história, nos deixando belas recordações”, afirma uma das netas, Cláudia Ferri, 35.

O prefeito em exercício de Encantado, José Calvi, decretou luto oficial de três dias.

Seu Gino, como era chamado, completaria 94 anos no dia 18 de novembro. Data que seria comemorada com todo o louvor, já que, além da paixão por Encantado (declarada no livro Sua Terra, Sua Gente) e pela mulher Wanda, Ferri também amava a vida.

“Quando eu falava para ele descansar depois do almoço sempre me dizia: Vou deixar para descansar quando morrer”, conta a neta. Há cerca de um mês, Ferri havia sido diagnosticado com câncer de colo, e precisou ser internado no HBB. Apesar de estar sem chances de tratamento, acreditava na possibilidade de viver por mais alguns anos. Os últimos dias foram de expectativa para terminar três obras literárias. Os textos ficaram incompletos.

Autor de outras 27 publicações, planejava contar a história dos pais, Luiz Ferri e Ergila Bigliardi Ferri. Era o 11º filho do casal. A genealogia da família Ferri também estava entre os projetos a serem concluídos. Assim como o livro Páginas Avulsas.

“Revirei o computador dele nesta semana e encontrei algumas dessas histórias. Acho que sairiam boas coisas dali, como sempre”, afirma o filho mais velho de Gino, Cláudio Ferri, 66. Ele acompanhou o pai em cada momento da vida. Morador de Lajeado, nunca perdeu o sentimento de infância. “Um dos melhores pais do mundo. Nunca levantou o tom de voz ou a mão, sempre buscava me orientar. Se fizéssemos algo, era pra fazer bem feito. Agora ele vai descansar.”

A vida de Gino Ferri

Natural de Encantado, Gino Ferri foi criado pelos pais no centro, na hoje chamada Travessa Luís Ferri. Quando jovem, deixou o município para cursar Ciências Jurídicas e Sociais, na Universidade de Passo Fundo (UPF). Em janeiro de 1949, na Igreja Matriz de Encantado, Ferri selou matrimônio com seu grande amor, Wanda Natalina Scarello.

Com ela, teve dois filhos: Cláudio e Eunice. Quando o primogênito completou 10 anos, a família fez a primeira mudança, saindo de Encantado para Iraí, no norte gaúcho. Ferri trabalhava como auditor fiscal da Receita Estadual e precisava trocar de moradia. Quatro anos após, o destino foi Estrela; e seis anos depois, Lajeado. Mesmo ocupado com outras atividades, conseguiu lançar seus primeiros livros, Os Monges de Pinheirinho (1974); Manual Remissivo do ICM (1975), e 80 Anos de Vida Eclesial (1976).

No fim da década de 1980, antes de se aposentar do Estado, Ferri também começou a lecionar na Faculdade de Ciências Econômicas do Alto Taquari (Faceat), da qual foi diretor. Nessa época, a escritora lajeadense Ana Cecília Togni, 65, pôde conhecer mais de perto o escritor, que viria a se tornar um grande amigo.

“Já nos conhecíamos de festas familiares, porque minha mãe era prima-irmã da mulher dele. Mas ai, quando foi diretor da faculdade, me convidou para ser professora da instituição.” Ana relembra que estava confusa com o convite. “Ele então me disse: o cavalo não passa encilhado duas vezes. Quando ele passa, devemos montar. Foi o que eu fiz, e deu certo. Lecionei por mais de 32 anos, no que hoje é a Univates.”

Gino Ferri ocupava a cadeira de número 7 da Alivat. Ele também fez parte da primeira diretoria da entidade, inaugurada em 2005

Gino Ferri ocupava a cadeira de número 7 da Alivat. Ele também fez parte da primeira diretoria da entidade, inaugurada em 2005

A aposentadoria ativa e o amor à literatura

No mesmo período, o escritor retornou à cidade natal e fez uma nova casa no mesmo terreno onde morava com os pais na infância. A neta Cláudia lembra que os primos brigavam para definir quem passaria as férias na casa dos avós. “Passávamos os fins de semana lá, e sempre era muito bom. Os mais velhos e os mais novos sempre discutiam para poder ficar perto deles”, conta.

Apesar de aposentado, Ferri nunca deixou de ser curioso, e sempre buscava saber mais sobre as origens da região e de Encantado. Aos poucos, passou a se dedicar mais à elaboração de pesquisas e obras literárias, como Encantado Pitoresco (1985); Encantado I: Sua História, Sua Gente (1985); Muçum – Princesa das Pontes (1988) e Rondinha (1988). Dois anos depois, apresentou um de seus livros mais marcantes: História do Rio Taquari-Antas, em que versou algumas rimas “Rio Taquari! Observando a beleza de tuas paisagens, admirei tuas várzeas multicolores, ouvi o cantar sonoro de tuas ondas, o rugir de tuas cachoeiras borbulhantes e o marulho gigante de tuas enchentes!”

Obra a qual Ana foi convidada a atualizar, em 2002, pelo Comitê da Bacia Hidrográfica Taquari Antas. “Conversei com ele e optamos por fazer uma nova obra, intitulada A História da Bacia Hidrográfica Taquari Antas.” A parceria não se limitava somente à escrita, mas também nas reflexões. “Quando convivemos com pessoas que gostam das mesmas coisas, sempre aprendemos”, afirma Ana.

Informalmente, ela, Ferri e outros escritores da região começaram a seu reunir para discutir literatura. O número de escritores aumentou, e em 2005, o grupo optou por abrir a Academia Literária do Vale do Taquari (Alivat). O encantadense participou da primeira diretoria e ocupava a cadeira número 7, tendo como patrono o conterrâneo Agenor Peretti. “Ele amava Encantado. Desde jovem foi ligado à arte, fez teatro, promoveu o cinema ambulante. Sempre foi uma pessoa ligada à cultura. É uma grande perda para o Vale do Taquari”, comenta a escritora.

Gemellagio

Em 1994, Gino Ferri foi o responsável pela realização do primeiro Gemellagio do estado. Encantado e a cidade de Valdástico, na Itália, tornaram-se irmãs após um movimento dele. “Nos anos 90, uma pessoa da região encontrou em Valdástico as lápides das famílias que deram início a Encantado.”

A parceria foi firmada em 23 de julho de 1994, promovendo o intercâmbio social, intelectual e econômico entre as duas cidades. Em uma viagem ao país europeu, Ferri ganhou uma escultura, que deu origem a de seus maiores patrimônios: o Memorial Gino Ferri.

Memorial

Inaugurado em novembro de 2005, o memorial está instalado ao lado da casa do escritor. O local conta com vários objetos dele, entre presentes, álbuns e livros. “Faltava espaço dentro de casa, então ele começou a repassar para lá.” O memorial deverá ser mantido pelos descendentes.

A maior perda

Em abril de 2015, Ferri sofreu com a morte da mulher. Wanda enfrentou o mal de Alzheimer por 16 anos. Doença combatida, também, com a ajuda do escritor, que cuidou dela até os últimos dias de vida. Em um livro dedicado à Wanda, o escritor contou a história do casal, e falou sobre o amor que sentia por ela. “Ao lado da Wanda, compreendi que a vida pode ser fascinante quando vivida por duas pessoas que se amam de verdade”, declarou.

Currículo

Historiador, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UPF, ex-diretor da Faceat, membro Academia Literária do Vale do Taquari (Alivat), membro da Academia de Letras dos Municípios do Rio Grande do Sul, patrono do Memorial Gino Ferri e Cidadão Honorário de Valdástico.

O escritor é autor de 27 obras. Três, produzidas nos últimos anos, ficaram incompletas e seguem sob a tutela da família

O escritor é autor de 27 obras. Três, produzidas nos últimos anos, ficaram incompletas e seguem sob a tutela da família

Obras concluídas

• Os Monges de Pinheirinho (1974)
• Manual Remissivo do ICM (1975)
• 80 anos de Vida Eclesial (1976)
• Encantado Pitoresco (1985)
• Encantado I: Sua História, Sua Gente (1985)
• Muçum – Princesa das Pontes (1988)
• Rondinha (1988)
• História do Rio Taquari-Antas (1991)
• História do Rio Taquari para Crianças (1995)
• História do Hospital Santa Terezinha (1995)
• 100 anos de História da Paróquia São Pedro (1996)
• Gemellágio – Encantado-Valdástico (1996)
• Por que Encantado a favor de São Paulo? (1998)
• Roca Sales – cidade da amizade (1998)
• Poemas em Prosa e Verso (1999)
• A História de Encantado em Fotografias (2001)
• Reminiscências – Meus 80 anos (2002)
• Histórias do Gino (2006)
• Encantado II: Sua História, Sua Gente (2007)
• Viagens (em CD) (2008)
• Wanda – Recordações (2009)
• As Quatro Revoluções do Rio Grande do Sul (2009)
• Frei Jacinto – Capuchinho (2010)
• História da Bacia do Rio Taquari-Antas (2012)
• Reminiscências – meus 90 anos (2012)
• Agenor Peretti – um gênio encantadense (2014)
• Encantado Centenário (2015).

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