Expansão urbana amplia áreas de cheia

Vale do Taquari

Expansão urbana amplia áreas de cheia

Previsões iniciais não apontavam enchente, mas a chuva não deu trégua e o nível do Rio Taquari atingiu 21,8 metros na noite de ontem, e Defesa Civil estima cota de 25 metros para hoje. Pesquisador alerta para empreendimentos que afetam o escoamento

Expansão urbana amplia áreas de cheia
Vale do Taquari
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A ocorrência de inundações não é novidade para os ribeirinhos. Mas a cada enchente surgem novos pontos de alagamentos nas principais cidades da região, resultando em prejuízos para moradores de áreas seguras, ou levando transtorno para bairros que até então eram imunes a problemas maiores causados pelas chuvas. Pesquisador da Univates chama a atenção para possível influência de novas obras próximas de rios urbanos. No fenômeno desta semana, não foi diferente. Além dos tradicionais pontos de alagamento, moradores de Lajeado reclamam de novas inundações após os 200mmm de chuva registrados desde sábado. Entre esses, trechos da av. Beira Rio, no bairro Conservas, da av. Parque do Imigrante, no Alto do Parque, e em algumas áreas no Bom Pastor, Santo Antônio e Jardim do Cedro. (Confira aqui as imagens dos três dias de chuvas)

Para o professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Sistemas Ambientais Sustentáveis (PPGSAS) da Univates, Guilherme Garcia de Oliveira, tais fatos são mais perceptíveis em regiões próximas a pequenos arroios ou rios urbanos. “Empreendimentos promovidos pela sociedade podem e devem afetar o escoamento, aumentando a periodicidade dos alagamentos ou ampliando a área a ser atingida pelas águas”, sustenta.

No entanto, Oliveira cita que a região do Rio Taquari se localiza em uma bacia hidrográfica predominantemente rural ou coberta por vegetação, onde, segundo o pesquisador, a tendência é de que o fenômeno seja influenciado pelas características naturais da bacia, como o relevo, a geologia, os solos e a hidrografia.

“Isto é, não tem relação com as atividades do homem. Esta inundação, por exemplo, foi de magnitude média, não atingindo muitos pontos que já foram afetados em inundações anteriores”, salienta, observando novamente para áreas próximas de cursos d’água menores, onde o fenômeno ocorreu em proporções maiores em função da alta concentração de nuvens convectivas. “Mas não se pode indicar que seja em virtude de ações do homem, ou por mudanças do clima.”

Apesar da falta de convicção demonstrada por meterologistas e equipes da Defesa Civil no início da semana, o pesquisador observa que inundações ou enxurradas sempre apresentaram essa tendência cíclica ou sazonal, tendo como período do ano mais recorrente o inverno e a primavera.

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“Diques e barragens seriam ineficientes”

Faz anos a administração municipal ventila a possibilidade de investir na construção de diques ou barragens nas margens do Rio Taquari, com intuito de amenizar os efeitos das intensas precipitações verificadas – praticamente – todos os anos na região. Sobre isso, o pesquisador alerta para a ineficência da medida na bacia hidrográfica do Vale.

“Não há o que se fazer em termos de medidas estruturais. Estudo recente mostra que as medidas estruturais mais comuns, como diques e barragens de armazenamento, não seriam eficientes para o caso da bacia do Taquari-Antas, tendo em vista o relevo acidentado e a alta declividade do rio.”

Oliveira observa para pequenas medidas semelhantes àquelas realizadas em grandes cidades, tais como o aumento do diâmetro das tubulações, a criação de reservatórios subterrâneos ou piscinões, o uso de pavimentos permeáveis, entre outras. “São medidas a serem tomadas quando o problema for os alagamentos provocados pela ineficiência do sistema de drenagem urbana, em pequenos córregos ou arroios”, reafirma.

PrintEspaço urbano e monitoramento

Além disso, o pesquisador reitera a necessidade de uma reorganização do espaço urbano, e de remanejar a população das áreas de risco para locais seguros, evitando por meio de novas diretrizes urbanas a ocupação dessas áreas de risco, mesmo que isso resulte em “conflitos imobiliários”. “Outras medidas a serem ampliadas se referem ao monitoramento hidrológico e o sistema de alerta e de comunicação à população, para redução dos prejuízos.”

Para o pesquisador, a estrutura de monitoramento não é a ideal. Cita que existem rios sem estações fluviométricas e porções da bacia com distribuição baixa de pluviômetros. Além disso, afirma ser necessário que os governos – federal e estadual – garantam verbas para a manutenção dos equipamentos. “Existe um custo operacional elevado para manter em atividade. Muitas estações foram desativadas, inviabilizando atividades de pesquisa por falta de continuidade de dados.”

Rotina alterada

Após trabalhar das 6h30minàaté as 15h na cozinha de um restaurante, Maria das Lurdes, 55, não pôde voltar para casa. Ao fim do expediente, a moradora do bairro Conservas se deslocou até o ginásio do São Cristóvão onde estão guardados os pertences das 19 famílias atingidas pela cheia do Rio Taquari.

Maria enfrenta a mesma rotina faz mais de 11 anos e tenta se manter tranquila, apesar das dificuldades para executar as tarefas do dia a dia. “Muda tudo, seja o momento de fazer o café, tomar banho, cozinhar ou dormir.”

Diante do lar improvisado, a cozinheira agradece por não ter perdido pertences na enxurrada. “A equipe da prefeitura conseguiu tirar tudo antes da água chegar”, afirma. Segundo ela, outras famílias alocadas no ginásio sofrem mais com as enchentes na cidade.

Morador do bairro Praia, Guilherme Dias, 18, veio na terça-feira para o abrigo. Após uma folga para retirar os pertences da casa onde mora com o pai, a mãe, um sobrinho e duas irmãs, toma café enquanto se prepara para mais um dia de trabalho na linha de produção de uma indústria avícola.

“Nasci e me criei no bairro, então estou acostumado a não ter nada muito caro para não perder durante as enchentes”, afirma. Segundo ele, a família precisou sair de casa mais de 20 vezes, mas nos últimos anos os estragos diminuíram graças a maior antecedência dos avisos da Defesa Civil.

“A gente pensa em sair para um lugar melhor, mas não temos condições”, lamenta. Se a mudança para abrigos em dias de chuva forte se tornou parte da rotina da família de Dias, para o pedreiro Joelson Carvalho do Nascimento, 30, é uma novidade inesperada.

Natural de Teutônia, ele se mudou faz pouco mais de um mês para o bairro Praia. “Me falaram que pegava água, mas não pensei que seria tanto”, ressalta. Além de ser obrigado a sair de casa, Nascimento contabiliza o prejuízo pelos dias sem trabalhar.

“Recebemos conforme a produção, e com chuva a construção civil para”, aponta. O pedreiro elogia o trabalho da Defesa Civil no auxílio às famílias. Segundo ele, os moradores foram avisados com a antecedência necessária para retirar móveis e eletrônicos.

Para Diandra Machado da Silva, 24, o atendimento poderia ter sido adiantado. Segundo a dona de casa, moradora do bairro Conserva, foram necessárias cinco ligações para a Defesa Civil até a chegada de algum agente. “Sempre que o rio chega perto dos 22 metros alcança a minha casa, mas eles não se convencem.”

Diandra está no abrigo acompanhada da mãe, irmãos, cunhados e dois filhos, de 9 e 2 anos. Ela diz ter perdido a conta de quantas vezes teve que retirar os pertences de casa por causa das enchentes. A repetição faz com que conheça quase todas as pessoas alocadas no ginásio. “São quase sempre as mesmas pessoas e todos se ajudam.”

Contemplada com um dos apartamentos do Minha Casa Minha Vida no bairro Santo Antônio, espera pela entrega da obra para não enfrentar novos problemas com as enxurradas e critica o atraso da entrega das chaves. Segundo ela, as promessas se repetem desde janeiro.

Natural de Teutônia, Joelson do Nascimento se mudou faz um mês para Lajeado e enfrentou a cheia pela primeira vez

Natural de Teutônia, Joelson do Nascimento se mudou faz um mês para Lajeado e enfrentou a cheia pela primeira vez

Novas remoções

Na tarde de ontem, mais famílias eram retiradas do local conhecido como “Cantão do Sapo”. Morador do bairro faz 25 anos, o caminhoneiro Siomar Pires ajudava os vizinhos a retirar os pertences. “Pelo menos uma vez por ano a enchente bate e a comunidade se ajuda.”

Segundo ele, sempre que ocorrem chuvas fortes com pequenos intervalos, o rio alcança as casas e obriga a movimentação da comunidade. “Já vi a água subir mesmo com sol, porque depende do volume nas cabeceiras.”

Roteiro dos ônibus

A alta das águas nas ruas de Lajeado ainda causa alterações em algumas linhas de ônibus. De acordo com Débora Giebmeier, responsável pela logística da empresa Scherer, os itinerários que vão para Santa Clara do Sul não conseguem ingressar na rua Carlos Spohr Filho, fechada para o trânsito.

“Os ônibus precisam subir pela João Abbott e entrar pela avenida Sete de Setembro”, explica. Segundo ela, a mudança causa um atraso de cerca de dez minutos entre o ponto inicial e o final. Nos horários de pico, a diferença aumenta ainda mais.

“A principal causa é o aumento no fluxo de veículos, pois é necessário passar pelo centro”, aponta. Conforme Débora, os clientes estão acostumados com as cheias, e costumam ligar para a empresa perguntando sobre as alterações nos itinerários. Nas paradas onde o embarque fica impossibilitado, a Scherer coloca fiscais para orientar os usuários.

Até o o fechamento da edição, os itinerários da empresa Ereno Dörr não sofreram alterações.

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