Após a alta histórica, a cotação do litro de leite pago ao produtor despencou em setembro. Em alguns casos, a queda chega a R$ 0,40, enquanto os custos se mantiveram estáveis. Quem persiste na atividade está desanimado. É o caso da família Zwirtes, de Linha São Luís, Estrela.
Após 30 anos ininterruptos dedicados à produção leiteira, Elaine, 50, e José, 57, buscam uma solução para mais uma crise. “É um trabalho sofrido, sem folgas ou férias e tão pouco valorizado. Está difícil continuar, mas não temos alternativa, só sabemos fazer isso”, desabafa Elaine.
Entre agosto e setembro, o valor pago por litro caiu R$ 1,69 para R$ 1,29. “Deixamos de receber R$ 16 mil. Como incentivar nossos filhos a continuar sem ter o mínimo de estabilidade?”, questiona Elaine.
A importação de leite do Uruguai é apontada como a principal causa do recuo no preço. De acordo com o Sindilat, o Brasil importou 153,38 milhões de quilos de produtos lácteos nos primeiros oito meses de 2016, um aumento de quase 80% em relação a 2015. Deveriam limitar e estipular um preço mínimo justo pelo leite produzido, com base nos nossos custos de produção, que alcançam R$ 1,38 por litro, cobra Zwirtes.
Na propriedade de Diego Dieckel, em Teutônia, a produção aumentou em 20 mil litros nos últimos dois meses. Enquanto isso, o valor pago caiu R$ 0,32 em setembro. “Priorizamos a gestão. Só assim para se manter na atividade”, resume. Outra alternativa é diversificar. Além do leite, a família cria suínos (350 por lote) e aves (12 mil por lote).
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Queda de R$ 1 milhão
Conforme dados do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Teutônia e Westfália, em setembro, deixou de circular na economia local o montante de R$ 1 milhão, devido à queda no valor pago. Nos últimos dias, duas reuniões entre produtores, direção da cooperativa Languiru, Fetag e sindicatos discutiram alternativas à crise e formas de evitar uma nova onda de desistências.
Abriram as cancelas da importação e quem paga a conta é o produtor, critica a presidente do STR, Liane Brackmann. Ela reforça a necessidade de ampliar as campanhas de marketing para retomar a credibilidade do produto regional, prejudicado após sucessivas fraudes, incentivar o consumo de lácteos entre os jovens, definir uma política de preço mínimo, limitar as importações e prorrogar as dívidas.
Segundo Liane, caso o cenário persista, ao menos cem produtores devem migrar para outras atividades. “Vamos ter famílias vendendo patrimônio ou abatendo o rebanho para quitar as dívidas. Até quando o consumidor terá leite barato a gente não sabe. Nosso agricultor está cansado de ser explorado.”
Cobra mais transparência da indústria e pede a divulgação dos custos de produção.
“Muitos desistirão”
Para Lauro Baum, presidente do STR de Lajeado, é inviável manter a atividade. “Temos um mês de preços bons e depois o valor despenca. Depois do alívio, veio a frustração”, destaca. Cita que o produtor foi incentivado a aumentar a oferta, investir em pasto, ração e melhorias na infraestrutura e agora amarga prejuízo, sem vislumbrar um saldo positivo nos próximos meses. “Quase impossível acreditar que há dois meses o valor do litro chegou a R$ 1,60 e agora caiu para R$ 1,15. Sem falar do descontrole na importação. O consumidor não está preocupado com procedência e qualidade, e sim com o preço.”
Segundo estimativa da Fetag, nos últimos três anos, 25 mil famílias deixaram de produzir leite em todo estado. No país, a cada 11 minutos, um produtor desiste. A situação preocupa a presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cíntia Agostini. “Favorece a migração para áreas urbanas, gera uma disputa por vagas de emprego, cada vez mais escassas. Diminui a renda e aumenta a desigualdade.”
Como alternativa para manter a produção, cita os modelos associativos. O Vale do Taquari aumentou em 200% a produção nos últimos 20 anos. Em 2014, a atividade movimentou R$ 350 milhões, sem considerar a industrialização, distribuição e consumidor final.
Esta é a terceira crise do setor, após a falência da Cooperativa Rio-Grandense de Laticínios e Correlatos (Corlac) na década de 1980 e da Parmalat nos anos 90.
Audiências mobilizam líderes
Hoje uma comitiva viaja a Brasília com o objetivo de barrar a importação de leite. Será marcada uma audiência com o governador José Ivo Sartori nos próximos dias. Ele está na França conhecendo as instalações da multinacional Lactalis e negocia novos investimentos para o RS.
Amanhã um grupo de produtores, representantes dos sindicatos e indústrias do Vale voltam a se reunir em Teutônia. Eles querem mobilizar os prefeitos para aumentar a pressão contra o Mapa e o governo estadual.
Derivados mantêm alta
Enquanto o valor do litro de leite longa vida caiu em média 20% nos supermercados nos últimos dois meses, produtos como creme de leite, queijo, leite condensado e manteiga ficaram mais caros. Acumulam de alta de até 29% desde o início do ano, como é o caso do queijo em fatias.
De acordo com o presidente do Sindilat, Alexandre Guerra, os preços são explicados pela data da fabricação. Foram embalados quando a matéria-prima ainda estava com valores altos, destaca.
Com o aumento das importações, o valor pago recuou e os derivados devem registrar queda a partir das próximas semanas, quando os novos lotes chegarem ao consumidor.
“Nos puxaram o tapete”
Com 95% dos sócios produtores de leite, estoques abarrotados e um prejuízo de R$ 2 milhões em setembro, o presidente da Cooperativa Languiru de Teutônia, Dirceu Bayer, está preocupado. Enumera a fixação de cotas, profissionalizar a gestão e a abertura de linhas de crédito como alternativas para enfrentar a crise.
Como a Languiru analisa este cenário?
Dirceu Bayer – A crise recém chegou. O quadro é muito preocupante. O produtor se preparou em função do preço mais atrativo, investiu no momento de boa remuneração e num curto espaço de tempo a situação piora e ocorre justamente o contrário do que foi desenhado há alguns meses. Em momento algum na história, houve um aumento tão grande para todos os elos da cadeia e nunca houve uma mudança tão radical no preço, oferta e procura. Realizamos reuniões para analisar e discutir propostas para amenizar o problema. Estamos do lado do produtor e essa crise reflete diretamente na cooperativa. Não adianta nos degladiar, culpar as empresas. O problema é maior – é político. Não se admite que haja tanta importação de leite em pó como ocorreu, volume cerca de 85% maior do que nos oito meses de 2015.
Quais as alternativas para amenizar os prejuízos?
Bayer – Reduzir os custos, investir em gestão e orientação técnica para ajudar o produtor a se programar melhor para enfrentar momentos de instabilidade na cadeia. Precisamos reduzir a importação, fixar cotas. O governo deveria oferecer linhas de crédito, a um juro baixo para auxiliar as famílias a enfrentar a crise. A cobrança de impostos entre estados precisa ser reavaliada, assim como a instrução normativa que trata sobre a reidratação do leite em pó. Os estoques estão altos e não conseguimos vender devido a esse problema amaldiçoado das importações. Nos puxaram o tapete. Não adianta traçar uma política interna para aumentar a produtividade e qualidade se acontece esse tipo de situação. Faltam políticas de apoio. Vamos nos mobilizar e buscar apoio de todas as lideranças para reverter esse quadro desfavorável.
Considerações finais
Bayer – O cenário é bastante desanimador. Se as importações persistirem, não sabemos o que vai acontecer. O preço ainda vai cair no mês de outubro. Mesmo reduzindo o valor em R$ 0,30 no litro, ainda tivemos prejuízos.