Enchente desabriga mais  de 20 famílias no Vale

Vale do Taquari

Enchente desabriga mais de 20 famílias no Vale

O acúmulo de água em diversos pontos da região forçou a remoção de famílias ribeirinhas. A Defesa Civil segue em alerta para a sequência de chuva hoje e amanhã. Também avalia possíveis falhas no modelo de prevenção e monitoramento das cheias.

Enchente desabriga mais  de 20 famílias no Vale
Vale do Taquari

Maria Mercedes dos Santos mora faz 40 anos na rua Francisco Oscar Karnal, centro de Lajeado. Ontem, por volta das 14h15min, enquanto auxiliava familiares na retirada da mobília da casa, pouco antes da água chegar ao pátio, viu que o carro Vectra, ano 2001 e ainda com muitas prestações a pagar, estava parcialmente submerso. Por sorte, amigos lhe avisaram e o pior foi evitado. (Confira aqui as imagens dos dois dias de chuvas)

Junto com a família, Maria se abrigou na casa de outros parentes. Essa será a última enchente que ela enfrentará na região central popularmente chamada de “Cantão do Sapo”. “Graças a Deus, eu não vou mais passar por isso. Estou de mudança nos próximos dias”, comemora.

Mas nem todos querem sair. Sandra Bockius cresceu naquela região e, embora tenha morado boa parte da vida em Caxias do Sul, voltou a Lajeado faz pouco mais de dez anos. Ela não pensa em deixar o Cantão do Sapo. “Já enfrentei mais de dez enchentes desde que voltei. Mas é um lugar bom de morar. Perto do centro, e perto dos médicos da minha mãe, que já é idosa e sempre viveu aqui.”

Ontem, por precaução, Sandra se abrigou na casa de uma irmã, no bairro Jardim do Cedro, um dos mais altos da cidade. “Vamos sair para evitar problemas. Pois só se o nível do Rio Taquari chegar a 23 metros a água entra na minha casa”, detalha. Naquele momento, a medição no porto de Estrela mostrava um leito com 20,67m. “Tenho experiência. Quando chove assim, vai alagar.”

Segundo o coordenador da Defesa Civil de Lajeado, Gerson Barckert, pelo menos 21 famílias foram transferidas ontem daquela região. Dessas, 17 foram para o ginásio do São Cristóvão e as restantes para casas de amigos e familiares. “Foi uma enchente um pouco atípica, pois as metragens da madrugada estavam normalizando, e de repente subiram.”

Entre as 17 removidas para o bairro São Cristóvão, estava a família de Leonir Miguel Monteiro, 50 anos. Ele contou com auxílio de um caminhão fretado pela prefeitura para levar todos os pertences antes da água chegar ao imóvel. “É a segunda vez só neste ano. Mas fazer o quê. Tive que deixar o serviço correndo para salvar minhas coisinhas”, lamenta.

Monteiro levou, no porta-malas do veículo, o cachorro Romeu e o papagaio Pica-Pau. Ambos foram levados para o ginásio do São Cristóvão, onde outras dezenas de animais já estavam abrigados. Todos serão chipados e monitorados por uma equipe do Centro de Controle de Zoonoses e Vetores (CCZV). Já a alimentação segue sob responsabilidade dos proprietários, e a Defesa Civil solicita doação de casinhas e também ração.

“Seguimos monitorando”

Barckert não soube avaliar as razões dessa enchente repentina, e faz um novo alerta: “Seguiremos monitorando, e pedimos atenção de todos. Pois a inundação pode se repetir.” Ontem, segundo o coordenador, foram utilizados cinco caminhões fretados, um outro oferecido por voluntário e alguns cedidos também pela própria prefeitura.

Além da rua Francisco Oscar Karnal, a Defesa Civil registrou bloqueios em pelo menos outras seis vias: av. Décio Martins Costa e rua Rodolfo Hexsel, ambas no bairro Hidráulica; na rua Carlos Spohr Filho, bairro Moinhos; Arnoldo Uhry, no Jardim do Cedro; Pedro Petry, no bairro Universitário; e a Leopoldo Hexsel, no São Cristóvão.

50 milímetros em Lajeado

De acordo com a chefe do Centro de Informações Hidrometeorológicas (CIH) da Univates, Fabiane Gerhard, entre 15h de segunda-feira e às 17h de ontem, choveu 50mm em Lajeado. Dois dias antes, já chovera 155mm. A média prevista para o mês de outubro era de 160.

“A previsão é de que nesta quarta-feira a instabilidade persista, podendo resultar em chuva. Temporais não estão afastados”, informa a coordenadora do CIH.

Até o fechamento desta edição, as equipes de Defesa Civil estimavam em 22 metros o nível máximo do Rio Taquari, no porto de Estrela. Por volta das 19h de ontem, em Encantado, o rio começou a baixar, atingindo 40,18 metros, cerca de nove acima do normal. Após a estabilização na região alta, a estimativa é que o nível suba por seis horas no porto.

Na escadaria de Estrela, uma embarcação ancorou de forma improvisada

Na escadaria de Estrela, uma embarcação ancorou de forma improvisada

Cenário diferente em Estrela

Uma família precisou sair de casa. São moradores do bairro Boa União. Na cidade, foram pelo menos nove vias bloqueadas. As principais são as ruas Albino Francisco Horn, Olinda Mallmann, João Lino Braun, e as estradas Nicolau T. Hoss e da Cascata.

Além disso, a Defesa Civil monitora a escadaria, onde houve deslocamento de terra do barranco. Ainda, durante a manhã, uma embarcação precisou deixar a área portuária em função da força da correnteza, e uma ancoragem improvisada foi feita junto ao ponto turístico da cidade.

Colinas, Imigrante e Westfália

O principal acesso asfáltico a Colinas ficou interrompido durante toda a terça-feira. Como de costume, um trecho da ERS-129 de aproximadamente 500 metros – entre a entrada da cidade e a casa de festas Moreto – ficou totalmente submerso pela água do Rio Taquari, que transbordou sobre plantações de milho e várzeas próximas à estrada.

Diante do bloqueio, motoristas foram obrigados a utilizar uma estrada de chão como acesso secundário, passando pela Linha Roncador. Servidores da prefeitura sinalizaram a ERS-129, que ficou interditada também em um trecho de quase um quilômetro, anterior ao ponto do alagamento.

Já em Imigrante, o governo municipal pretende decretar situação de emergência. Só ontem, a forte chuva provocou série de deslizamentos de terra, principalmente na subida para a localidade de Boa Vista 37, próximo à Linha Imhoff. Além da lama, pedras e árvores bloquearam o trecho, impedindo a passagem de veículos para a cidade vizinha de Boa Vista de Sul.

Em Westfália, o Corpo de Bombeiros Voluntários de Teutônia foi chamado para remover uma pedra que despencou sobre a RSC-453 (a Rota do Sol), no quilômetro 62 da rodovia estadual. O trânsito, segundo a Polícia Rodoviária Estadual (PRE), ficou interrompido por algumas horas, mas foi liberado ainda no meio da tarde.

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(SEM LEGENDA)

Arroio do Meio

A Defesa Civil do município interditou o acesso à rua Dom Pedro II. De acordo com o coordenador, Antenor Francisco dos Santos, não foram necessárias remoções de moradores ribeirinhos da cidade.

 

 

 

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(SEM LEGENDA)

Imigrante

A estrada que interliga o centro de Imigrante à Boa Vista 37, por meio de Linha Imhoff, foi interditada em virtude de deslizamentos. Em um dos trechos, está bloqueada por paredões de pedra, que não puderam ser retirados ontem em razão da instabilidade.

Não há previsão para a abertura da estrada. A recomendação aos moradores locais e de Linha Imhoff é de permanecer em alerta, devido à probabilidade de novos desmoronamentos.

As estradas das localidades de Linha Rechts, Ernesto Alves, e Arroio da Seca Baixa, que estavam interditadas, foram abertas ontem pela equipe da Secretaria de Obras e Mobilidade Urbana.

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(SEM LEGENDA)

Cruzeiro do Sul

As cheias atingiram a cidade ainda na segunda-feira. Em Linha São Miguel, a ERS-130 ficou obstruída a cerca de dez quilômetros da comunidade de Mariante. Proprietário de um mercado, Tiago Schneider afirma que o fluxo de caminhões que utilizam a via de acesso é intenso.

Conforme Schneider, a maior enchente enfrentada foi em 2001, quando as mais de cem famílias ficaram ilhadas e muitas tiveram de ser removidas. De acordo com morador Dorval de Souza, 50, quem precisa ir a Mariante deve tomar o caminho por Venâncio Aires, o que aumenta em 50 quilômetros a distância.

As fortes chuvas danificaram ainda mais a RS-130, em trecho de chão batido. Crateras obrigaram motoristas a dirigir com cautela. “Quando dá enchente, quase ninguém tem barquinho e, se alguém adoecer, morre. Ficamos ilhados.”

O monitoramento da Defesa Civil continua. Conforme o secretário de Obras, João Renato Mallmann, o alerta é para se o Rio Taquari ultrapassar os 22 metros. Localidades como Esperança Baixa, Linha Bom Fim e Maravalha poderão ficar com acessos submersos. Caso o Arroio Sampaio continue a subir, será necessária a remoção de algumas famílias.

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(SEM LEGENDA)

Ponte destruída

Reinaugurada pela administração municipal em julho deste ano, a ponte sobre o Arroio das Antas, na rua Ottília Beuren Rockenbach, bairro Conventos, em Lajeado, foi danificada com a enxurrada dessa segunda-feira.

Em outubro do ano passado, uma antiga estrutura que havia no local foi interditada após o desmoronamento de parte da cabeceira. A obra de reconstrução da estrutura custou aos cofres públicos R$ 49 mil. Ontem, o local estava interditado devido ao perigo.

A produtora rural Rosani Oberger mora de um lado da ponte e tem as terras da família do outro. Apesar de não plantar na propriedade, precisa fazer a travessia para acessar o terreno. “Não tem como cruzar o arroio sem ponte.”

Ela afirma que o Arroio das Antas é conhecido na comunidade por ser imprevisível, uma vez que recebe água de Alto Conventos, Nova Santa Cruz e outras localidades mais altas. “Quando chove nos morros, mesmo se não chover em Conventos, acaba enchendo.”

Conforme Rosani, quando a primeira ponte foi construída no local, um parente havia avisado sobre a necessidade de construir uma estrutura mais alta e mais larga para dar vasão às enxurradas. “As pessoas não acreditam porque o curso d’água parece pequeno.”

“Avançamos muito, principalmente com a entrada da Companhia de Pesquisas”

A Hora – Qual a avaliação da Defesa Civil sobre a cheia desta semana?

Major Ricardo Accioly Gerhard – A característica das chuvas dessa semana foram bem diferenciadas. Não choveu nas cabeceiras, e sim em uma região irrigada somente por arroios, causando, em um primeiro momento, enxurradas e alagamentos. Depois o volume de água se movimentou para a bacia do Taquari gerando inundações. O volume da água deve estabilizar por volta das 23h e não deve passar dos 22 metros.

Quais os municípios mais atingidos?

Gerhard – Tivemos na segunda-feira, alagamentos em Taquari, Bom Retiro do Sul, Estrela, Lajeado, Mato Leitão e fortes enxurradas em Brochier, Maratá e Imigrante. Em Imigrante tivemos quedas de barreiras. Ontem tivemos inundações. Em Lajeado foram removidas 19 famílias, mas acho que o pior já passou.

Desde 2014 existe uma série de projetos para tentar prever as inundações e antecipar a retirada das famílias. Quais os resultados desse trabalho?

Gerhard – Quando falamos em inundação, nos baseamos em Estrela e a partir daí fazemos os cálculos. Nós estamos tomando o cuidado de munir o Vale com equipamentos eletrônicos que anos ajudar e fazer a contra prova dos resultados. A CPRM que é uma empresa do Governo Federal, instalou equipamentos para dar informações mais precisas. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente pretende colocar um sistema de leitura eletrônica, mas ainda não saiu do papel. A nossa bacia não tem como fazer previsões com antecedência, por ser muito rápida. Diferente do Jacuí e do Caí, onde a previsão é mais fácil porque o rio sobe lentamente. Enquanto nesses mananciais o rio sobe dois centímetros por hora, o Taquari chega a 50 centímetros por hora no auge das cheias. Se conseguirmos dez horas de antecedência seria ótimo. Avançamos muito, principalmente com a entrada da CPRM.

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Sistema de monitoramento auxilia

A região possui, desde 2012, um sistema de monitoramento para informar a quantidade de chuva, o nível do Rio Taquari e de alguns de seus afluentes para facilitar a previsão de enchentes. O acompanhamento pode ser acessado no site netsenses.univates.br, que recebe leituras de sensores eletrônicos a cada 15 minutos.

A Univates encaminhou o projeto para o governo gaúcho em 2011. Naquele ano, a secretaria de Ciência e Tecnologia, destinou R$ 200 mil para das início à proposta. No ano seguinte foi realizada a instalação da rede de equipamentos automáticos de monitoramento e um conjunto de sensores de nível.

São pelo menos oito estações automáticas, com sensores conectados por meio de cabos e centrais de transmissão que fazem a leitura do nível do rio de acordo com a pressão da água. Ao todo, R$ 165 mil foram utilizados para a compra dos equipamentos.

Os aparelhos medem o nível do rio em Taquari, Mariante, Bom Retiro do Sul, Estrela, Marques de Souza, Encantado e na divisa entre Veranópolis e Bento Gonçalves.

Outros projetos também visam antecipar as cheias. Coordenado pela Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), um sistema com nove estações telemétricas permite a leitura constante do volume de chuvas e evolução do nível do Rio Taquari.

O controle dos equipamentos ocorre em uma central reguladora, em Porto Alegre. Em seguida, as informações são repassadas aos municípios. Profissionais da Defesa Civil, administrações municipais e bombeiros recebem os alertas pela internet.

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