Uma mulher para  contrariar a regra

Vale do Taquari

Uma mulher para contrariar a regra

Cátea Rolante é a única mulher a conduzir a administração em um dos 38 municípios do Vale. Presença feminina nos Legislativos é inferior a 20%. Cenário reflete aspectos históricos e culturais de uma sociedade marcada por traços patriarcais

Uma mulher para  contrariar a regra
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A diversidade não faz parte da composição do campo político do Vale do Taquari. A partir de 2017, das 38 prefeituras, apenas uma terá administração feminina. Nas câmaras de vereadores, das 358 vagas, menos de 17,31% são preenchidas por mulheres. Em nenhum município, elas correspondem a mais de 50% da composição dos Legislativos.

A disparidade de gênero na composição das prefeituras e câmaras, nas eleições municipais, é notória em todo país. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam que apenas 637 mulheres foram eleitas para o Executivo. No RS, foram 31.

Na região, dos 38 municípios, apenas Doutor Ricardo elegeu uma mulher, Cátea Rolante (PMDB). Ela será a primeira prefeita da história do município e da parte alta do Vale. Na região, dos 84 candidatos, apenas quatro eram mulheres. Em 2012, apenas uma foi eleita, Carmem Goerck (PP), em Mato Leitão. Neste ano, ela tentou reeleição, mas não se elegeu.

A baixa participação feminina no campo político retrata uma sociedade marcada por traços patriarcais e machistas. Segundo a pesquisadora e coordenadora do programa de pós-graduação em Ciências Políticas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Rosângela Schulz, essas são características predominantes da elite brasileira e, por isso, dão esse formato à composição das esferas de poder e excluem as minorias.

Isso também é reflexo do contexto histórico. A participação das mulheres no processo de tomada de decisão é tardia. “Esse direito foi adquirido depois de muita luta. Primeiro mobilizaram-se para votar e, depois, para ser votadas.” Segundo ela, apesar dos avanços, o campo político foi pensado e ainda é estruturado como um espaço masculino.

Conforme Rosângela, aspectos institucionais, econômicos e sociais impedem a mulher de ingressar no campo político. A pesquisadora destaca que a Lei de Cotas, que obriga partidos a ter 30% de mulheres entre os candidatos na proporcional, é falha. “Esse modelo não garante que elas serão eleitas. Apenas uma reforma política séria poderá garantir paridade de gênero.”

Para ela, não há expectativa de mudanças a curto prazo porque isso colocaria em risco um sistema político construído para manutenção de cargos por longo tempo. “Temos um Congresso Nacional misógino. Vejo com muita dificuldade que votem pela adoção de uma lista fechada com paridade entre homens e mulheres, porque eles querem manter seu mandato.” Segundo a especialista, a Lei de Cotas vigora por não ter efeito real.

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(SEM LEGENDA)

Paridade

A Argentina tem cotas de gênero para compor o parlamento. O modelo no formato de lista fechada garante mais 30% das vagas para mulheres. Segundo a especialista, o sistema está passando por modificações e garantirá paridade de 50% . No Brasil, o sistema proporcional garante um percentual de 9,9% de mulheres na Câmara dos Deputados.

Lei de cotas

A Lei de Cotas foi implantada no Brasil em 1995. No início, exigia que 25% das vagas dos partidos fossem preenchidas por mulheres. Poucos anos depois, passou para 30%. De acordo com Rosângela, as siglas têm dificuldade para preencher as vagas e muitos colocam “laranjas”. “São candidatas que estão ocupando um papel figurativo.”

Barreiras

Para a especialista, a mulher precisa romper barreiras maiores do que os homens. “Ela precisa vencer sozinha. Em 2010, quando Dilma foi eleita, se pensava que a participação iria se fortalecer, mas isso não ocorreu. O próprio impeachment teve caráter de gênero. Isso demonstrou que a participação feminina está muito distante.”

Outra cobrança feita é em relação à conduta. Conforme Rosângela, existe o argumento que impõe cobranças quanto ao perfil da mulher. “Ela precisa ser honesta, não pode ser corrupta, tem que ser idônea. É necessário ser especial. Agora, o homem pode ser qualquer um?”

infografico mortes transito“A mulher precisa buscar o espaço dela”

Catea Rolante tem 48 anos e, desde os 12, tem envolvimento político. Natural de Arvorezinha, afirma que é necessário ser forte e ter no sangue o desejo de participar. A prefeita eleita reside em Doutor Ricardo desde 1988 e participou da comissão de emancipação do município.

Em 1996, durante a primeira eleição, foi a mulher mais votada e eleita vereadora. Depois, foi primeira-dama por oito anos. Nesse período, também foi secretária de Assistência Social. Permanece no cargo desde 2012 e fica na gestão até o fim do ano.

Segundo ela, a sua autenticidade, engajamento, coragem e poder de decisão foram aspectos observados pelo partido para indicá-la a concorrer ao cargo.

A Hora – Durante a vida política, sua capacidade de decisão foi questionada pelo fato de ser mulher?

Cátea – Na secretaria de Assistência Social, sempre tive liberdade e poder de decisão. Nunca tive confronto nessas situações. Minha maior dificuldade perante gênero é em relação aos números. Acredito que os homens têm mais facilidade em falar em números. As mulheres fazem uma avaliação, por vezes, emotiva, mas conseguem analisar contextos gerais e isso não compromete suas escolhas.

Por que o partido definiu seu nome como candidata?

Cátea – Foi meu poder de decisão. Creio que essa foi a aposta do partido. Minha forma de trabalhar também foi um aspecto levado em consideração. Não me importo com títulos, mas com o trabalho. Sou autêntica. Sempre fui a mesma desde o dia em que cheguei no município. Acredito que essa postura mostrou firmeza para as pessoas, por isso, fui indicada.

Será a única prefeita do Vale do Taquari. Como avalia a pouca participação feminina na política?

Cátea – Falta apoio da família e esse respaldo é fundamental. Os partidos têm olhar centrado para o homem ocupar cargos políticos. A mulher não é percebida pelas instituições partidárias devido ao acanhamento e ao receio em tomar atitudes. Por isso, é fundamental o apoio da família para garantir segurança. Os partidos precisam dar oportunidade para mulher.

Como considera que essa situação pode mudar? Como mais mulheres podem ser estimuladas a fazer parte dos espaços de poder?

Cátea – A política é algo forte e impactante. Você tem uma visão da política quando se coloca à disposição, elabora um plano de governo, faz aquela caminhada bacana e percebe os problemas e as dificuldades da população. Mas é necessário ser forte porque não se resume a isso. Nos últimos dias de campanha, ela traz uma realidade diferente: maldosa, entre outros aspectos. A mulher, às vezes, tem um certo medo desse lado perverso. Mas isso precisa ser trabalhado. Apesar do envolvimento social da mulher ter crescido muito nos últimos anos, ela precisa se engajar mais, para fazer a diferença. A mulher precisa buscar o espaço dela, mas para isso ela tem que querer. O lado emocional inibe a participação, em especial, o impacto que pode trazer para sua família.

O que Doutor Ricardo pode esperar da primeira mulher no comando?

Cátea – O município pode esperar uma pessoa que vai olhar a população com carinho e atenção. Os serviços serão qualificados e daremos prioridade para qualidade de vida, em especial em áreas como saúde, educação e assistência social. Precisamos desenvolver um trabalho para que as pessoas fiquem felizes. Vamos buscar inovações para incentivar áreas como indústria e comércio. Precisamos olhar o presente e o futuro de Doutor Ricardo, sempre observando o bem-estar da comunidade.

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