A influência do sobrenome na escolha dos candidatos

Vale do Taquari

A influência do sobrenome na escolha dos candidatos

O conceito de “dinastia” remete à perpetuação de famílias no poder e no comando de impérios e nações. No Vale do Taquari, guardadas proporções, é comum a sucessão de parentes à frente de prefeituras ou nas câmaras legislativas. Incentivo dos pais e ligação natural com a política são as principais motivações dos novos agentes públicos

A influência do sobrenome na escolha dos candidatos
Vale do Taquari

“Nossa família foi se tornando uma referência de forma natural. Sempre estivemos todos envolvidos nas demandas do município, dos clubes e demais entidades. Também estávamos à frente do movimento que decretou a emancipação do município.”

O breve relato do novo prefeito eleito de Travesseiro, Genésio Hofstetter (PSB), resume a predominância da família na cidade de 2,3 mil habitantes, instalada a poucos quilômetros da BR-386. Emancipada em 1992, a comunidade local já teve sete pleitos. Desses, quatro foram vencidos pelo eleito nesse domingo.

Além dele, os irmãos Anivo, Hari e Lari se alternam entre cadeiras no Legislativo, funções públicas e candidaturas à majoritária. Por duas vezes, dois deles foram adversários nas urnas em campanhas para escolha do gestor municipal. Em outra, prefeito, vice e presidente da câmara eram cargos ocupados pelos filhos de Maria Amanda.

As peripécias verificadas em Travesseiro viraram notícia nacional. O jornal Folha de São Paulo, em agosto de 2000, publicou sobre a “dinastia” Hofstetter na cidade. O texto destacava a rivalidade familiar. “A gente deu até entrevista para o Jô Soares”, comenta Lari.

Assim como os Hofstetter, outras famílias tradicionais na região se tornam protagonistas na política. Em Lajeado, destaque para os Schumacher, os Portz, e os Schefer. A primeira, com a eleição da vice-prefeita, Glaucia, filha do ex-prefeito por três mandatos, Cláudio. As demais comemoram as ascenções dos filhos – Mariela e Marcos – no lugar dos pais – Delmar e Antônio – para o legislativo.

Além deles, outros sobrenomes voltaram – ou se mantiveram – no cenário político. A vereadora eleita em Lajeado, Neca Dalmoro (PDT), por exemplo, é filha de Selvino Marcolino Dalmoro, ex-presidente da câmara lajeadense, que morreu durante o exercício do cargo, em 29 de janeiro de 1986.

Em Estrela, o prefeito reeleito, Carlos Rafael Mallmann (PMDB), também tem a política no DNA da família. O pai dele, Gabriel Mallmann, foi duas vezes eleito como gestor do município, de 1973 a 1977, e de 1983 e 1989.

Irmãos Hofstetter já ocuparam vagas na câmara. Na edição desse domingo, Genésio venceu a corrida à prefeitura do município de 2,3 mil habitantes

Irmãos Hofstetter já ocuparam vagas na câmara. Na edição desse domingo, Genésio venceu a corrida à prefeitura do município de 2,3 mil habitantes

Semelhança com cenário nacional

A participação de parentes na política é verificada em âmbito estadual – Tarso e Luciana Genro, Nelson e Nelson Marchezan Júnior, Sérgio e Kelly Moraes, Francisco e Sérgio Turra, José e Tiago Simon – e também federal – Tancredo e Aécio Neves, Antônio Carlos e Antônio Carlos Magalhães Júnior, família Sarney, Collor, entre outras.

Para o cientista político e pesquisador, Flávio Silveira, as chamadas “dinastias políticas” sempre existiram. “Pessoas ou famílias que tenham certo capital político, ou seja, que são reconhecidas na atividade política, e que tenham prestígio, emprestam aos familiares esse prestígio para perpetuar a presença do grupo familiar na cena política.”

Para ele, é uma maneira de apropriação indevida do espaço político. “A política deveria ser a representação das vontades dos diferentes grupos da sociedade,e a apropriação familiar desse espaço acaba restringindo isso”, opina, salientando que o ideal é a escolha por representantes “efetivos dos diferentes grupos sociais”.

“A família ajudou a emancipar o município”

Hofstetter é sinônimo de política em Travesseiro. Genésio – o “Neco –, Hari, Lari e Anivo são irmãos conhecidos dos eleitores e responsáveis pela emancipação política. Neco foi o primeiro prefeito, em 1992. Ele estava no PPB e disputou o pleito contra Anivo, então no PMDB. “Ganhei com uma diferença próxima de 130 votos”, lembra Neco.

Oito anos depois, o inusitado. Neco e Anivo formaram uma mesma chapa para concorrer a prefeito em 2000. O adversário, dessa vez, foi o outro irmão, Lari, que representava o PT, recém-criado no município. Assim como na primeira vez, a vitória foi do pepebista. “Mas eu, por ser do PT, sempre fui o melhor”, rebate Lari, vítima de brincadeiras dos outros três irmãos pelo fato de ser o único petista da família. “Ninguém está autorizado a dizer que não sou do PT”, reitera.

No ano seguinte, em 2001, o predomínio dos Hofstetter se acentuou. Além do prefeito e do vice, a família estava representada na câmara de vereadores, presidida por Hari. “Tranquei alguns projetos deles”, brinca ele, que já foi eleito por três vezes parlamentar em Travesseiro. “

A rivalidade ideológica é normal nas reuniões de família. Mas o respeito prevalece, garantem todos. Além dos irmãos – que já atuaram como vereadores em Arroio do Meio –, uma irmã também já concorreu ao cargo de vereadora em Capitão. “Somos todos amigos. Mas em uma coisa eu posso garantir que sou melhor do que eles: sou o único gremista”, finaliza Neco, hoje no PSB, e que contou – pela primeira – com apoio dos três irmãos na campanha que o reelegeu.

Um dos filhos do vereador mais votado nas eleições de 2012, Marcos Schefer, 43, foi o único dos oito irmãos a se interessar por política

Um dos filhos do vereador mais votado nas eleições de 2012, Marcos Schefer, 43, foi o único dos oito irmãos a se interessar por política

“Fui o único filho a me interessar na política”

Segundo filho mais velho do vereador Antônio Schefer, Marcos Schefer, 43, herdou centenas de votos do pai. “Não tenho nenhuma crítica ao trabalho dele como vereador. Quero seguir fiscalizando da mesma forma que ele, sem impor nada”, observa

Segundo ele, nenhum dos outros oito irmãos aceitou o desafio de dar sequência ao trabalho de Antônio, hoje com 68 anos, e vereador eleito desde 1988. “Eu decidi entrar nessa área faz pouco mais de um ano, quando decidimos que o pai não iria mais se candidatar.”

Sobre o atual momento dos agentes, ele acredita que pode reverter a desconfiança das sociedade com a classe. “Na verdade não é a política que é maldosa. São as pessoas que a fazem ser assim. Ela tem os dois lados, e eu vou seguir ao lado do meu pai.”

Sobre o filho, Antônio demonstra tranquilidade em relação ao trabalho como parlamentar. Para ele, Marcos está pronto para enfrentar os desafios – e riscos – da vida pública.

Na primeira disputa política, Mariela foi a segunda mais votada em Lajeado. Atribui o resultado expressivo ao pai.

Na primeira disputa política, Mariela foi a segunda mais votada em Lajeado. Atribui o resultado expressivo ao pai.

“Com 12 anos, sentava na primeira fila do plenário”

Mariela Portz foi eleita com a segunda melhor votação entre quase 150 postulantes a vereança em Lajeado. Filha de Delmar Portz, um dos ícones do PSDB, ela diz estar ciente da responsabilidade de suceder o trabalho de sete legislaturas do pai.

Ela diz que sempre gostou de política. Desde pequena, acompanhava os comícios do pai nas campanhas e também as atuações dele nas sessões legislativas. “Eu meio que cresci ali dentro. Sempre acompanhando a sessão. As vezes era só eu, com 12 ou 13 anos, sentada na primeira fileira, olhando tudo que acontecia.”

Por vezes, a rispidez das discussões assustava. “Eu não sabia distinguir o que era discussão e o que era briga. Às vezes eu aplaudia, ou ficava braba com os colegas do meu pai, pois achava que estavam xingando ele. Mas depois todos saíam para jantar”, relembra.

O pai, Delmar, foi sete vezes eleito vereador em Lajeado. Concorreu e venceu em 1988, 1992, 1996, 2000, 2004, 2008 e 2012. “Em 2016 foi a vez da minha filha”, brinca. Apesar da admiração, a filha planeja algumas ações diferentes. “Penso em mais interação social, usando meios de comunicação disponíveis. Algo que meu pai não fazia muito”, salienta.

Já o experiente tucano demonstra tranquilidade em relação aos confrontos inerentes aos políticos, assim como às críticas e ofensas comuns aos agentes públicos no atual cenário nacional. “Ela está muito bem preparada para isso. Não me preocupo. Tenho certeza que ela está pronta para se impor, tanto nos debates, como no relacionamento com os colegas da câmara”, aposta. “Ela não vai titubear”, conclui.

Filhos de Cláudio Schumacher, Glauco concorreu a vereador, mas não se elegeu. Glaucia será a vice-prefeita de 2017/20

Filhos de Cláudio Schumacher, Glauco concorreu a vereador, mas não se elegeu. Glaucia será a vice-prefeita de 2017/20

“Vamos cobrar sequência nos estudos”

Jonatan Bronstrup será o prefeito mais novo da história de Teutônia. Assumirá com 29 anos em janeiro de 2017. O pai, Ricardo, assumiu a prefeitura pela primeira vez em 1997, aos 31 anos. E é essa juventude a maior preocupação dos familiares. “Uma das únicas imposições dos meus pais é para eu persistir nos estudos. Política não é profissão, é preciso segurança profissional na vida”, afirma Jonathan.

Ricardo foi reeleito com mais de sete mil votos em 2000. Após o fim do mandato, ele finalizou a graduação em Direito pela Univates, cursada durante os quatro anos de gestão dele. Apesar das semelhanças, o ex-prefeito prefere observar para as diferenças entre pai e filho. “O Jonatan entra numa posição diferente. Eu não tinha nenhum conselheiro político na época, meu pai já era falecido. E meu filho também já foi quatro anos vereador. Eu fui direto para prefeito.”

Ainda com 28 anos – ele aniversaria em novembro – Jonatan reforça a importância do pai na carreira política. Cita que desde os nove anos de idade acompanha a vida pública de Ricardo, e garante ter participado ativamente de todas as campanhas, vitoriosas ou não. “Lembro bem de participar dos primeiros comícios”, diz.

Sobre a decisão de entrar na política, o mais jovem prefeito eleito em 2016 no Vale do Taquari lembra que foi um consenso entre pai, mãe, tios e irmãos. “Eu sou o mais velho, e aos 19 anos, decidimos que alguém assumiria a responsabilidade em nome da família e do nosso histórico politico aqui na cidade. Nada foi imposto”, garante o jovem que conquistou 829 votos na época.

Hoje, depois de enfrentar três eleições – uma para vereador e duas para prefeito –, Jonatan ainda mantém o sonho de se formar em odontologia, onde cursou até o penúltimo semestre. “Eu sei que a política não é para a vida toda. É importante ter uma segurança na área profissional, e falta apenas um ano para eu me formar. Na verdade, eu apenas adiei este meu outro sonho”, finaliza, sob o olhar admirado do pai.

Jonatan Bronstrup assume a gestão de Teutônia e já entra à história. É o prefeito mais novo da história da cidade

Jonatan Bronstrup assume a gestão de Teutônia e já entra à história. É o prefeito mais novo da história da cidade

“O exemplo é a honestidade”

Cláudio Schumacher foi três vezes prefeito e por duas oportunidades exerceu a vereança em Lajeado. Um dos ícones do PP no Vale do Taquari, ele ajudou dois filhos na campanha deste ano. Glauco, 45, concorreu a vereador pelo partido, ficando na suplência com mais de 500 votos. A filha, Gláucia, de 42, foi eleita vice-prefeita na chapa que elegeu Marcelo Caumo como futuro gestor.

Formado em economia e contabilidade, Cláudio garante não ter forçado os filhos a entrar na vida pública, mas garante estar pronto para ser um pai conselheiro também dentro da política. “Quero passar para eles que a grande causa precisa ser Lajeado, independente de partidos políticos. A coletividade precisa estar acima de tudo. E tudo são momentos. Uma hora é preciso ceder, em outra, ser duro. Aconselho a primeiro ouvir dez vezes, depois falar.”

O início dos filhos foi natural. Ambos sempre acompanharam a vida pública do pai. “Em 1988, na primeira campanha dele a prefeito, eu estava na oitava série e me lembro dos grandes comícios. Em 1996, já formada em jornalismo, eu auxiliei nos programas de rádio, quando eu mesmo o entrevistava”, relembra Gláucia, citando a “honestidade” como grande sendo o grande referencial do pai.

Nas demais campanhas lideradas por Cláudio – e também por Carmen Regina e Marcelo Caumo –, Glaucia, já formada em Direito, era a responsável pela assessoria jurídica das coligações. “Eu sempre estive envolvida. Neste ano, surgiu o convite pela convicção de que deveria haver uma mulher na chapa. Demorei cerca de três dias para aceitar essa provocação”, salienta.

Glauco entrou mais cedo na política. Conta detalhes do pleito de 1982, quando o pai concorreu a vice em uma chapa encabeçada por Erni Petry. “Eu tinha 11 anos e já ia junto. Na época, haviam grandes comícios no interior. Eram grandes distâncias. Uma aventura. Eu gostava de escutar o pai falando. Ele sempre foi muito bom na oratória.”

Sobre as antigas campanhas, Glauco faz questão de ressaltar as diferenças com o pleito de 2016. Para ele, este ano o período foi mais tranquilo. “Já passamos por situações de terror no passado. Andávamos em três carros, com oito seguranças e todos vestindo coletes à prova de balas. O pai nunca sofreu agressão física. Só ameaça de morte por telefone.” Por fim, Glauco, Cláudio e Gláucia garantem que novos familiares devem entrar na política nos próximos anos.

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