Professor da Unisc, o cientista político João Pedro Schmidt afirma que a descrença com o sistema político ocorre de forma crescente ao longo dos anos. Autor do livro Juventude e política no Brasil: a socialização política dos jovens na virada do milênio, ressalta que o fenômeno pode ser percebido de forma mais clara em países cujo voto é facultativo.
Ressalta o pleito que elegeu o ex-presidente americano Ronald Reagan, em 1980. Naquela ocasião, as abstenções chegaram a 70% do eleitorado. “Se elegeu com o voto de 16% da população habilitada.”
Para Schmidt, tal situação dificilmente ocorrerá no Brasil devido à obrigatoriedade do voto. Mesmo assim, ressalta a existência de uma vontade popular de se afastar o mundo da política, com seus acordos, conchavos, distribuição de cargos e altos salários.
“Cada vez mais, os candidatos se defrontarão com eleitores indispostos com as eleições”, acredita. Conforme o professor, esse fenômeno encontrou eco na redução do tempo de campanha deste ano. Porém, considera que o encurtamento dos debates não é saudável sob o ponto de vista democrático.
“Com mais tempo, é mais fácil de perceber as diferenças entre as propostas de cada candidato”, avalia. Segundo ele, a diferenciação é ainda mais difícil diante do que chama de “pasteurização” ideológica das propostas apresentadas, com temas comuns e abstratos, como falar em Saúde, Educação e Segurança Pública, mas sem apresentar propostas.
De acordo com o cientista político, todos os candidatos se apresentam como progressistas e favoráveis à inclusão social e maior igualdade. “Já não é mais possível identificar posicionamentos ideológicos.”
Na opinião de Schmidt, o fato de haver eleições a cada dois anos transformou os pleitos em rotina, o que acaba cansando o eleitorado. Por isso, propostas que restringem a atuação dos candidatos e reduzem o tempo da campanha agradam a população.
Esperança ainda move eleitor
O cientista político acredita que as eleições nas cidades ainda conseguem mobilizar mais os eleitores na comparação com as gerais. Segundo ele, na maioria dos municípios, existe uma prevalência da dinâmica local em detrimento da conjuntura nacional, favorecendo alianças entre partidos que são rivais nas demais esferas.
“É mais fácil o eleitor se distanciar do Legislativo estadual e federal do que do municipal”, aponta. Conforme Schmidt, é o momento em que o agente político mais se apresenta e muitos candidatos vão até as casas dos eleitores.
Mesmo com o descrédito no sistema político por parte da população, o professor afirma que a esperança de melhorias ainda move o eleitor na esfera municipal. Com isso, os discursos de mudança se fortalecem.
“Como quase todos os partidos brasileiros se situam no centro e poucos nos extremos da direita ou esquerda, o discurso de mudar se tornou a única forma de dialogar com a expectativa de melhoria das pessoas”, relata. Dessa forma, quem é governo aposta no discurso de continuar mudando e a oposição promete alterar as coisas conforme o desejo do eleitor.
Sistema engessado
Diante do atual sistema político, Paulo Ziukolski, presidente da CNM, não acredita em alterações no cenário municipal. Segundo ele, os candidatos ao pleito municipal recebem apoio de deputados estaduais e federais durante a campanha, formando um contexto de cumplicidade.
“São exatamente os mesmos parlamentares que votaram esse conjunto de normas que enterrou os municípios”, alerta. Conforme Ziukolski, os novos prefeitos levarão um ou dois anos para perceber a gravidade da situação.
“Mesmo assim, ele ainda vai acreditar que o Congresso pode melhorar, que o parlamentar do seu partido pode ajudar, o que é ilusão”, relata. Alerta que muitos candidatos estão baseando suas campanhas em promessas impossíveis de cumprir diante da falta de recursos.
“Não dá nem pra dizer que vai fazer gestão, quanto mais obras ou melhorias nos serviços aos cidadãos”, sentencia.
Para Paulo Pinto, a saída para os gestores é aumentar os recursos relativos aos impostos municipais.
Conforme o presidente da Famurs, as administrações que dependerem apenas dos recursos da União e do Estado podem ter dificuldade até para quitar as folhas de pagamento. Aos próximos gestores, a recomendação é de cautela com os gastos e criatividade para incrementar a arrecadação.
Desgaste e oportunismo
Para a cientista política Celi Regina Pinto, o momento turbulento da política nacional é semelhante ao vivido na Itália após a operação que inspirou a Lava-Jato. “Os agentes políticos brasileiros estão em uma busca desesperada por um Berlusconi.”
Celi faz referência ao ex-primeiro ministro italiano Sílvio Berlusconi, figura controversa que assumiu o país europeu em meio à onda de descrédito político motivada pelas denúncias de corrupção. “Se você destrói todo o sistema partidário, aparecem os oportunistas.”
Para a cientista, o Brasil corre o risco de enfrentar um novo fenômeno Collor. “Temos uma memória recente de um candidato que surgiu como o salvador da pátria em um cenário de turbulência”, aponta. De acordo com Celi, diante desse contexto fica impossível prever qual será a realidade enfrentada pelos municípios nos próximos quatro anos.
Segundo ela, a grande questão a ser respondida pelos cientistas políticos é se o PSDB deixará o governo Temer sangrar até 2018, com todas as consequências que esse desgaste trará para os municípios, ou se decidirá derrubar o atual governo apostando em uma eleição indireta no Congresso já no próximo ano. “Tudo isso influenciará a realidade dos governos municipais.”
“Os partidos perderam os projetos políticos”
Céli Regina Pinto é graduada em História, mestre em Ciência Política pela UFRGS e doutora na área de Governo pela universidade de Essex, na Inglaterra. Realiza pesquisas na área de Teoria Política com ênfase em teoria da democracia.
A Hora – Como você avalia o pleito municipal diante do cenário político nacional e estadual?
Celi Regina Pinto – O momento é de completa desorganização do sistema político partidário. Esse sistema ruiu e os candidatos aos cargos eletivos parecem que estão na lua. A principal característica da campanha é o esforço dos concorrentes de todos os partidos em se descolar da realidade do estado e do país. Porque o RS vive uma crise profunda e o processo de impeachment foi muito desgastante.
Esse descolamento pode ser percebido por meio das coligações entre legendas que são adversárias nas outras esferas?
Celi – Isso sempre ocorreu. No país temos dois processos políticos distintos. Tem as eleições gerais, para presidente, governadores, senadores e deputados, e tem o pleito municipal. Nas capitais e cidades maiores, ainda se preserva uma relação com o cenário macro. Mas nas menores, a política está muito voltada para as questões do município. Esses acordos entre partidos antagônicos em nível nacional são comuns em todas as eleições municipais, até porque os interesses são locais.
Essa relação demonstra a distância entre a atuação dos partidos e as suas ideologias?
Celi – Certamente. Os partidos perderam os projetos políticos. Ou os escondem. Com isso, tem se a impressão de que todos os candidatos dizem a mesma coisa. Falar em uma cidade grande, como Porto Alegre, que o transporte urbano é fundamental, não é suficiente. Isso porque quem tem uma perspectiva neoliberal da economia avalia de uma forma o serviço de transporte. Já os que acreditam em um ponto de vista desenvolvimentista e estatista de governo, tem outra percepção. Mas essas perspectivas não aparecem, porque os partidos estão frágeis e os candidatos as escondem.
Como ficam as promessas em um cenário de dificuldade econômica?
Celi – Nenhum candidato vai dizer que não tem como fazer nada nos próximos quatro anos por falta de dinheiro. Então dizem que vão melhorar a educação, o transporte e a saúde. São conceitos vagos. Todos eles devem fazer isso e são pagos para tal. Mas a possibilidade de fazer o que eles dizem está cada vez mais distante.
Outro discurso muito repetido nesta campanha é o da mudança. Porém, poucos dizem o que mudar e de que forma farão isso. Como isso se explica?
Celi – Desde as famosas jornadas de 2013 as pessoas pedem por mudanças. Mas a mudança não tem qualificações boas ou ruins. Eu posso querer mudar o mundo livre para o mundo escravocrata. Posso aumentar a jornada de trabalho de oito para 12 horas por dia. Essa ideia da mudança é muito vazia. Afinal, quem defende mudança quer mudar o quê?

Tainá Petrini, de Progresso, vota pela primeira vez neste domingo. Apesar da ansiedade, mostra descrença com o modelo político
“Quando chega um candidato sério, o pessoal não dá valor.” – Tainá Petrini, eleitora de Progresso
Ansiosa por votar pela primeira vez, a secretária Tainá Petrini afirma que as eleições são o momento mais importante para a sociedade.
Moradora de Progresso, lista como as principais prioridades para os políticos eleitos o transporte escolar e a agricultura. “São dois segmentos que estão esquecidos na cidade.” Outros fatores que podem ser melhorados são educação e saúde, frisa.
Relata que a população está desanimada e desacreditada com os políticos. “Quando chega um candidato sério, o pessoal não dá mais valor.” Na opinião dela, o momento conturbado na política gera reações diferentes nas pessoas. Para ela, a visão geral da sociedade é que todos os políticos tem algum envolvimento com atos ilícitos..
“Se eu não precisasse votar, não iria.” – Ari Alberto Tieze, eleitor de Marques de Souza
A decepção com a classe política faz o servidor público Ari Alberto Tieze, 62, ir a contra gosto votar nestas eleições. “Se eu não precisasse votar, não iria.” Para ele, o voto deveria ser facultativo, assim, ajudaria a acabar com as falsas promessas dos políticos. “Muitos prometem uma coisa e na hora de votar e colocar em prática, fazem outra.” Para ele, os candidatos que forem eleitos em Marques de Souza devem priorizar primeiro saúde e depois educação. Tieze salienta que a segurança é um tema que deveria ser prioritário em todas as cidades do RS. “Você vai trabalhar, para sustentar a família, mas não sabe se volta mais para casa.” O servido público considera o momento atual da política brasileira como muito difícil e grave. Para ele, a população deve analisar bem antes de escolher o candidato, pois não é o momento de eleger pessoas aventureiras para comandar as cidades. “Não podemos eleger candidatos regulares ou ruins, temos que optar por pessoas boas ou muito boas, só assim poderemos começar a mudar a classe política.”

(SEM LEGENDA)
“Poderemos aos poucos mudar o nosso país.” – José Iranildo Vedoy da Silva, eleitor de Lajeado
Incomodado com as falsas promessas, o aposentado José Iranildo Vedoy da Silva, 52, lista como prioridades do próximo gestor público em Lajeado educação, saúde, e segurança. “Quero ver a galera cumprir o que pôs no papel, cansei de ler coisas bonitas e não ver na prática”, cita.
Silva relata que votará para ajudar a melhorar a cidade onde reside. “Quero uma cidade boa para meus filhos e netos.”
Para ele, a sociedade é um retrato da política nacional. Ele acredita que se o povo quiser uma sociedade melhor, sem corrupção, tem que começar elegendo políticos honestos nas cidades. “É uma corrente, se fizermos nosso trabalho bem-feito nestas eleições, poderemos aos poucos mudar o nosso país.”
“Eu voto por mais atendimento médico” – Guilhermino Soares da Silva, eleitor de Arroio do Meio
Para conseguir trabalho, Guilhermino Soares da Silva, 59, se mudou para Arroio do Meio há 30 anos. Nesse período, o morador do bairro São José atuou nos setores calçadistas, alimentício e na construção civil.
Há cinco anos, Silva começou a ter problemas com circulatórios nos pés. Ao realizar uma série de exames, foi diagnosticado com trombose. As idas aos hospitais se tornaram frequentes. “Tem meses que fico menos de dez dias em casa. O resto é tudo internado.”
Silva classifica como eficaz o sistema de saúde oferecido na cidade, mas acredita que há possibilidades de melhorar. “Os médicos e enfermeiras são muito atenciosos. Só poderia haver mais horários para atendimento”, ressalva.
Durante a campanha eleitoral, ele ouviu os candidatos à prefeitura lançarem propostas para ampliar o atendimento médico nos postos de saúde. As consultas iriam ocorrer ao meio-dia e após o horário comercial. Silva apoia a ideia.
O período de campanha eleitoral em Arroio do Meio é classificado como “tranquilo” por Silva. “Vejo na TV as brigas que deram em outras cidades. Aqui (Arroio do Meio) não teve nada disso. A população se respeita independente do partido”, avalia.
O morador se sente feliz em poder votar pelo futuro da cidade.