Relacionamentos virtuais: expectativas a distância

Fala Doutor

Relacionamentos virtuais: expectativas a distância

Sites e aplicativos para conhecer pessoas ajudam tímidos e facilitam a conexão entre pessoas LGBT. Mas a relação on-line deve ter diálogo e sinceridade

Relacionamentos virtuais: expectativas a distância
Vale do Taquari

Com o avanço da internet, as maneiras de buscar o “par perfeito” mudaram e se adaptaram às novas tecnologias. Aplicativos como o Tinder, que promove o encontro entre duas pessoas baseado na proximidade, tem dez milhões de usuários em todo o mundo.

Segundo a psicóloga Rebeca Katz, os aplicativos e sites de relacionamento propiciam distância ao par. “Eles não se conhecem de verdade.” A maioria inicia a relação escolhendo a pessoa a partir de uma foto. “Significa que são obrigados a optar por alguém somente pelas características físicas.”

Nas imagens, é comum estarem produzidas e utilizarem os ângulos que mais as favorecem. “Ninguém coloca uma foto sua depois de acordar.” Segundo Rebeca, pode acontecer de as expectativas não serem supridas e é importante estar disposto a lidar com isso.

As ferramentas on-line propiciam às pessoas não se conhecerem verdadeiramente. “Pode-se criar hipóteses de como é a pessoa, mas nada além disso.” Mas há quem queira se envolver sem aprofundar a relação. Outros colocam todas as expectativas de encontrar alguém nas conexões feitas por meio dos aplicativos e sites.

A psicóloga diz que os relacionamentos amorosos atuais estão reproduzindo um comportamento contemporâneo de ansiedade. “Levar a vida a mil por hora reflete em todos os âmbitos.” Mas basta deixar os extremismos de lado para possivelmente ter uma boa experiência com os aplicativos, acredita. “Com cautela, a investida vai da expectativa de cada um.”

A Hora – Existem vantagens no uso de aplicativos e sites de relacionamentos?

Rebeca Katz – Pensando em alguns pontos, o uso desses aplicativos é bastante válido. Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT), por exemplo, podem ter dificuldade em encontrar parceiros, principalmente em cidades pequenas. Correm o risco de se interessar por alguém e isso não ser recíproco. Além disso, em alguns casos, as pessoas abordadas podem se sentir ofendidas e serem agressivas.

Porque o homem abordar uma mulher é socialmente aceito. O contrário está se tornando mais aceito. Mas pessoas do mesmo sexo se relacionarem não é. Então, esse indivíduo LGBT pondera muito antes de se colocar em uma situação de risco. Também penso nas pessoas que são rejeitadas e por conta disso ouvem piadas dos amigos. Com o aplicativo, elas têm uma forma de flertar sem se sentirem constrangidas.

O aplicativo e site podem auxiliar no momento do flerte?

Rebeca – O jogo da conquista é tentador. O aplicativo serve bastante para esse momento. Para quem gosta disso, é preciso se propor, se abrir às possibilidades. Quando alguém que quer isso encontra alguém que não quer, pode criar um entrave. É necessário saber lidar com isso.

Os aplicativos e sites facilitam na questão de lidar com a rejeição?

Rebeca – O próprio sistema faz com as pessoas não lidem com a rejeição: basta passar para o lado, excluir, não responder. É uma forma absurda de escolher alguém. O que está sendo dito nessas entrelinhas? Do outro lado, a pessoa ser rejeitada é uma situação muito mais fácil do que se ocorresse pessoalmente, por exemplo. Não há problema em fazer isso, mas se a cada vez que o outro demora a responder no chat a pessoa entra em crise, pode ter algo errado.

Saber lidar com isso tem muito a ver com a autoestima. Mas as pessoas podem ser afetadas de maneira muito forte, mesmo por uma relação por meio de um aplicativo.

O quanto a clareza e o diálogo são importantes em relacionamentos por meio de aplicativos e sites?

Rebeca – A “armadilha” ocorre quando uma pessoa está disposta a uma coisa, e a outra não. Elas não estão em sintonia, e não estão prontas para se darem conta do que podem fazer uma com a outra. Quando começam a utilizar aplicativos de relacionamento, se está focado em seus próprios interesses.

O diálogo é importante. Você não tem como saber qual é a expectativa do outro. Por isso, começar conversando é bom. As pessoas dispostas a terem somente uma noite de sexo conseguem logo expor isso, enquanto as que querem algo sério têm receio de dizer. O medo da rejeição é tamanho a ponto de mentirem para si.

Esse impasse é autodestrutivo. Parece que a autoestima está sempre por um fio. É preciso se perguntar o motivo de a expectativa estar tão alta. O porquê de projetar tanto em um aplicativo de celular esperando que aquilo de alguma maneira “salve” sua vida amorosa. A dica para encarar com tranquilidade é ver alguém que considera interessante se propor a conhecê-la e ser claro sobre seus sentimentos.

Quando o uso do celular é contínuo por um dos lados de um relacionamento pode criar algum atrito a ponto de terminá-lo?

Rebeca – Nesses casos, as pessoas podem estar culpando muito o aparelho. Se a relação não suporta isso, então o problema não é o celular. Agora, se a pessoa está comprometida com você e mesmo assim em busca de pessoas novas por meio de aplicativos ou sites, então não precisa que termine com você. Você mesmo pode fazer isso. E essa é uma queixa muito comum hoje.

Eu chamaria de uma necessidade promíscua. Não no sentido de estar com várias pessoas, mas de ter a necessidade de não saber o que quer. Os relacionamentos hoje estão refletindo a forma como a vida é levada. As pessoas estão cada vez mais intolerantes, com frustrações nas questões cotidianas. Estão atrapalhadas para descobrir o que querem e por quanto tempo.

A tecnologia propicia aquela ideia do “escondido é mais gostoso”. Porque a pessoa está com o celular e pode fazer isso do lado do parceiro, não precisa necessariamente ir a uma festa, por exemplo. Mas se a pessoa que está no celular, onde só se vê uma foto dela, ficou mais interessante que a pessoa que está do lado, pode ter algo errado. Nesses casos, é comum que a busca seja por algo mais simples e efêmero.

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