Suicídio: um problema de saúde pública

Vale do Taquari

Suicídio: um problema de saúde pública

No Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, a ampanha Setembro Amarelo, da Organização Mundial de Saúde, alerta para o mal que afeta milhares de famílias gaúchas. Antigos líderes da lista de 20 cidades com maior incidência de casos, Lajeado e Venâncio Aires reduziram índices após aderir ao programa.

Suicídio: um problema de saúde pública
Vale do Taquari

Aos 47 anos, Eleonora expressa no olhar fixo os traços de uma sobrevivente. Após uma infância normal no interior de Lajeado, onde brincava com bonecas feitas de palha de milho, se mudou para a cidade aos 12 anos. Aos 14, já estava trabalhando. Depois casou e teve quatro filhos.

As frases compassadas e gestos lentos são reflexo da quantidade de medicamentos que precisa tomar. Inicia os dias com Fluoxetina. À noite, usa uma sequência de drogas controladas: Lithium, Diazepan, Cloropromazina e Rispiridona.

O tratamento iniciou em 2006, após um surto psicótico. Segundo ela, os sintomas iniciaram faz dez anos e dificultaram os relacionamento interpessoais. Na época, Eleonor trabalhava em uma fábrica de calçados. Depois do trabalho, a rotina incluía outra jornada, de afazeres domésticos. O descanso vinha somente após às 23h.

A rotina cansativa não durou muito. O marido saiu do antigo emprego, iniciou negócio próprio e convidou a mulher para trabalhar com ele. “Eu ficava em uma sala fechada, sem contato com outras pessoas.”

Depois de seis meses, Eleonora adoeceu. Foi o sinal de que a depressão chegara em definitivo. “Eu só chorava o dia todo. Era uma pessoa muito triste”, alega. O auge da doença se estabeleceu em 2006.

Ninguém da família imaginava que ela chegaria a atentar contra a própria vida. Mesmo assim, os sinais da depressão deixaram todos em alerta. A tentativa ocorreu e foi evitada pelo marido.

Entre os motivos alegados por Eleonora, estavam problemas conjugais dos filhos, que estavam em vias de separações. “Eles conhecem pessoas novas, mas a gente se apega às noras.”

Eleonor procurou ajuda no Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Hoje tem três encontros por semana com a equipe de apoio entre psicólogos e psiquiatras. Para combater a depressão, caminha pelos parques, se dedica a culinária e ouve músicas no rádio.

Apesar de aprender a apreciar estes momentos, ainda depende de medicação para manter uma vida normal e vive sob a vigilância da família. “Meu sonho é curar de vez.”

Dados da OMS revelam que o suicídio está entre as 10 principais causas de óbito no mundo. Os mais atingidos são homens acima de 60 anos. No Brasil, o Rio Grande do Sul lidera. Das vinte cidades com maior índice, 11 são gaúchas.

Eleonor tatuou a frase  ‘amor eterno’. Uma referência à família que a ajudou

Eleonor tatuou a frase ‘amor eterno’. Uma referência à família que a ajudou

Relacionamentos

Julia Alves, 22, emagreceu 15 quilos em seis meses após o fim de um relacionamento. Com baixa auto-estima, em 2013 não conseguia sair do quarto do ex-namorado e recusava qualquer tipo de atividade que trouxesse contentamento ou prazer.

As coisas que mais gostava de fazer, como comer e sair com os amigos, tinham ficado para trás. “Não podia me olhar no espelho”, aponta. Os sinais da depressão eram visíveis e se tornaram insuportáveis, até que atentou contra a própria

Júlia acordou no hospital, 30 horas depois da tentativa. Ao lado, estava uma amiga. Ainda sob efeito de medicação, reconheceu o erro. Hoje, mantém vigília sobre os próprios pensamentos.

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Especialista aconselha programas

De acordo com psicólogo e coordenador do Centro de Promoção a Vida e Prevenção ao Suicídio do Hospital Mãe de Deus, Ricardo Nogueira a implementação dos programas governamentais ajuda a identificar e tratar possíveis suicidas.

Para ele, tais iniciativas são fundamentais para evitar tragédias. “Sempre que fazemos um programa de prevenção há uma redução. Mas para isso tem que ter uma decisão política dos governos.”

Nogueira ressalta que o suicídio não não é uma decisão pessoal. Segundo o psicólogo, é um problema de saúde coletiva devido ao número cada vez maior de pessoas atingidas. “O tabu existiu para o câncer, para aids, mas o debate hoje é natural. O mesmo precisa ocorrer com o suicídio.”

Em 21 anos, o Estado registrou 25 mil casos. Em média, mil pessoas tiram a própria vida por ano. “Precisamos falar sobre isso, de forma clara”, avalia. Para Nogueira, o suicídio não é um problema individual, e sim uma patologia, relacionado a doenças genéticas, depressão e alcoolismo.

O psicólogo também aponta outros motivos para os casos, como a drogadição, transtornos do humor, bipolaridade, ansiedade e esquizofrenia. Afirma que é preciso detectar o problema o quanto antes. Na classificação de risco, quem tem casos na família tem maior probabilidade e precisa ficar alerta. “Silenciar é aumentar os índices que vemos aí.”

Conforme Nogueira, em 2008 Porto Alegre tinha 120 mil mortes por ano devido ao suicídio. Após a instalação do programa de prevenção, reduziu para 97. “Ainda é um índice alto, mas reduziu bastante”, aponta. Fenômeno semelhante ocorreu em Caxias do Sul, onde o índice de 60 mortes por anos foi reduzido para 40.

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