A fé nos orixás

Comportamento

A fé nos orixás

As doutrinas de raiz africana são minoria no país e sofrem com a intolerância religiosa. As práticas nos terreiros e a crença nas divindades são tradições e ajudam a construir a história do RS

A fé nos orixás
Vale do Taquari

Em uma região com predominância de imigrantes europeus, adeptos das religiões afro-brasileiras somam menos de 3% da população. No Vale do Taquari, não chegam a 1%. Ainda assim, os locais dedicados ao culto dos orixás recebe até fiéis de outras crenças. Fora dos terreiros, poucos assumem recorrer às religiões afro em momentos de dificuldade, por medo de sofrerem com comentários maldosos de vizinhos, amigos ou familiares.

Entre os representantes das religiões afro-brasileiras em Lajeado, está o pai Júlio de Xangô. Ele comanda uma casa onde a vertente predominante é a Nação Cabinda. O pai de santo conta que, apesar de ser crime, o preconceito contra religiões afro-brasileiras persiste. Muitas das pessoas que frequentam a casa de Xangô fingem não o conhecer fora dali. O receio é de que as pessoas descubram a relação com a Cabinda. “É um comportamento curioso porque o sacerdote sabe de toda a vida da pessoa e, mesmo assim, não pode nem cumprimentá-la.”

Nas regiões com predominância de descendentes de imigrantes germânicos e italianos, avalia Xangô, há uma tendência de rejeição à cultura afro-brasileira devido aos hábitos e costumes europeus.

Nesse contexto, o pai de santo faz uma ressalva. “Não é o caso de Lajeado. Aqui há uma maior diversidade de crenças.” Para ele, terminar com o preconceito depende de uma criação diferente e mais liberal. A internet também ajuda a quebrar paradigmas. “O preconceito mora na falta de conhecimento.”

O perfil dos frequentadores da casa de Xangô é diverso, diz o religioso. “Entre meus filhos de santo, tenho cirurgiões, advogados e trabalhadores de fábrica. A religião não escolhe classe social.” Muitos vão ao local influenciados por familiares e amigos. Geralmente, a pessoa tem algum conhecimento de religiões africanas.

A representação da imagem dos orixás da Cabinda são pedras, forma encontrada pelos escravos para esconder a religião dos senhores da senzala

A representação da imagem dos orixás da Cabinda são pedras, forma encontrada pelos escravos para esconder a religião dos senhores da senzala

Vocação

Sentado em meio a esculturas de orixás, Xangô deixa claro que essas não passam de enfeites para decorar o ambiente. A verdadeira representação imagética dos orixás são as pedras. Essa foi a forma encontrada pelos escravos de praticar a religião sem serem massacrados pelos donos das senzalas, frisa.

Aos 35 anos, Xangô lembra com clareza de quando se interessou pelas religiões afro-brasileiras. Ainda criança, aos 5 anos, pulava a janela para ir a um terreiro próximo à casa da família, em Estrela. “Eu assistia ao ritual de Umbanda fascinado, pensando que um dia faria parte daquilo.” Conheceu a Cabinda por uma mãe de santo. A identificação com a crença foi imediata e com 18 anos se tornou sacerdote. “Eu tinha uma vocação para ser pai de santo.”

A família sempre deu liberdade para escolher seu caminho. Por isso, não houve atrito quando Xangô comunicou sua predisposição religiosa. “Todos convivem bem, o respeito é mútuo.”

Relação de pai e filhos

Xangô tem cerca de 20 filhos de santo. São pessoas que frequentam regularmente sua casa e estão sendo iniciadas na Cabinda. “Os filhos são os que estão no aprendizado para seguir na religião.”

São diferente dos clientes, que visitam a casa, mas não têm compromisso em participar de todas as cerimônias. Esses marcam hora, recebem o serviço e vão para casa.

Os filhos de santo têm motivações diferentes para seguir na Cabinda. “Alguns querem suavizar a rotina, conseguir um emprego melhor, recuperar relações amorosas.” Todos nascem com um orixá determinado, diz Xangô. Em outras religiões, é conhecido como anjo da guarda. A religião africana dá voz e força para essa entidade guiar a vida e a deixa mais fácil. “Sabe aquela vozinha que fala com você às vezes? É o seu anjo da guarda.”

O trabalho na casa de religião é intenso, de segunda a segunda. E o pai de santo também tira férias. Nesse momento, o papel dos filhos de santo é essencial. Eles cuidam da casa e podem fazer alguns trabalhos necessários. Mas o “olho religioso” do sacerdote precisa estar sempre presente, diz Xangô.

Restrições necessárias

Entre as restrições da religião da Cabinda, a bebida alcoólica é uma das maiores. Fora os clientes, nem pai e nem filhos podem consumir álcool antes das obrigações. Há comidas que servem de oferenda a orixás e entidade e não podem ser ingeridas. Entre os pratos, estão o carreteiro de linguiça, galinhada, arroz com couve e arroz com leite. “Pessoas comuns podem comer, mas os sacerdotes e os filhos de santo não”, esclarece Xangô.

Depois das obrigações do dia, as pessoas que participaram não podem beber e ter relações sexuais. Depois de tempo determinado pelo sacerdote, podem voltar à rotina normal. Para fazer uma iniciação em algumas religiões africanas, por exemplo, fica-se até 16 dias em abstinência.

História

A Cabinda cultua os orixás (divindades) encontrados principalmente no RS e em Santa Catarina. A religião se originou entre os povos da Costa da Guiné e da Nigéria, e resultou nos segmentos da Cabinda, Jêje, Ijexá, Oyó e Nagô.

Segundo Xangô, a principal diferença entre a Cabinda e a Umbanda, por exemplo, está na originalidade. Na primeira, as canções para os orixás são em língua africana, a extinta Yoruba. Quando a Cabinda veio para o Brasil, ela não se misturou com outras religiões locais, enquanto a Umbanda se mistificou com o catolicismo. “Por isso, há maior identificação das pessoas”, opina o pai de santo. Entre as poucas adaptações feitas no Brasil, está a quantidade de orixás cultuados. “Originalmente, as tribos cultuavam somente um enquanto hoje são mais de dez.”

Apesar de se concentrar na Região Sul, Xangô conta ter irmãos de santo em todo o mundo. A popularização ocorre por meio dos filhos de santo, que fazem sua preparação enquanto vivem na região e, quando se mudam, levam a religião consigo.

O dia 21 de janeiro foi oficializado em 2007 como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data relembra a morte da Iyalorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum, na Bahia, vítima de intolerância.

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