*Elis conheceu o ex-marido ainda adolescente e não demorou a casar. A partir de então, o marido começou a mostrar os primeiros sinais de violência que culminariam em agressões anos mais tarde. O primeiro indício do comportamento agressivo foi proibir a mulher de trabalhar. “Ele não queria que eu estudasse, ou trabalhasse fora. Além disso, era muito ciumento, não gostava que desse atenção nem às visitas.”
Apesar dos problemas, Elis garante que a relação ainda era boa até o nascimento da primeira filha do casal, quando ela tinha 27 anos. “Ele começou a ficar muito agressivo e possessivo, o clima da casa ficou muito pesado por causa da menina”, relata lembrando das brigas diárias. “Ele chegava do trabalho e não queria ficar com a filha, reclamava que estava cansado e começava a me xingar.”
As agressões verbais quase sempre eram ligadas ao gênero de Elis. O momento extremo dessa relação conturbada foi em 1997, quando os dois estavam em um bar. Por ciúmes, o marido começou uma discussão que culminou em um soco no rosto. A agressão aconteceu nove anos antes da instituição da Lei Maria da Penha.
Orientada pelas testemunhas, ela registrou ocorrência, mas o agressor não recebeu punição efetiva. “O delegado disse apenas que se algo acontecesse comigo dentro de casa ele seria responsabilizado”, lembra. A falta de uma legislação específica era um dos impeditivos para medidas mais fortes contra o marido.
Dificuldade para sair do ciclo de violência
A situação vivida por Elis é frequente na região. Assim como em muitas outras histórias, ela também demorou para sair da relação abusiva. “A gente terminava e voltava, ele dizia que ia mudar e eu dava outra chance”, relata. Entre idas e vindas, foram 18 anos com o agressor, sofrendo, principalmente, violência psicológica. “Agressão física foi apenas uma, o comum mesmo era agressão verbal, que sequer era prevista em lei na época.”
O passar dos anos e a repetição da situação levaram Elis a colocar um fim no ciclo de violência. Isso aconteceu quando a segunda filha tinha 3 anos. Ela havia se mudado para Lajeado, deixando Porto Alegre para trás. A mudança de cidade não modificou o comportamento do marido, e aos 40 anos, ela colocou um basta à relação.
Recomeço na boleia
Quem encontra a recém-formada assistente social pode não acreditar nas idas e vindas de sua vida. Ao falar do passado, Elis se mostra tranquila e satisfeita com o que conquistou após o fim do relacionamento. O primeiro passo foi voltar ao mercado de trabalho, e logo ela conseguiu unir uma paixão. “Eu sempre fui apaixonada por dirigir, e foi a primeira coisa que procurei como emprego.” O primeiro trabalho foi como motorista de transporte escolar.
Outra atitude foi voltar aos estudos. “Eu já tinha até desistido de faculdade”, ressalta. Agora formada, ela pretende ajudar mulheres que passam por situações parecidas. “Estou em busca do registro, e quero trabalhar com mulheres vítimas da violência.”
[bloco 1]
Para autoridades, lei tem funcionado
Para a titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Lajeado, Márcia Bernini, a Lei Maria da Penha foi fundamental para inibir os agressores. “Antigamente, não contávamos com mecanismo de coerção contra o homem que agredia sua mulher”, lembra.
A visão da delegada aponta para uma mudança na sociedade. Se em meados das décadas de 1960 e 70 a extinta revista Cruzeiro considerava natural perguntar aos entrevistados se “homens devem bater em mulher”, a situação hoje é diferente. “Violência doméstica é considerado um problema social. E isso é uma grande conquista da lei”, afirma Márcia.
De acordo com a delegada, os crimes cometidos contra as mulheres estão relacionados. “As mulheres são muito humilhadas na circunstância que envolve a violência doméstica. Dificilmente a injúria e a ameaça não estão presentes quando ela é também agredida fisicamente.”
Coordenando o recém-criado Centro de Referência à Mulher de Lajeado, Danielle Pimentel Pinto compartilha da avaliação da delegada. “A cada ano, a lei tem maior referência no combate à violência contra a mulher. Os homens reconhecem que ela funciona e leva o agressor para a cadeia.”
Mesmo assim, afirma ainda haver falta de conhecimento pleno sobre a lei. “Muitas das mulheres já ouviram falar, mas muitas não reconhecem as formas de violências que constam na legislação.” O principal desconhecimento ainda é sobre a legislação a respeito da violência verbal e financeira, ambas com punições previstas pelo Código Penal.
Além de mais divulgação, Danielle também destaca a necessidade de qualificar o atendimento nas delegacias e centros de apoio às mulheres vítimas de violência.
Violência no Vale do Taquari
2012 2013 2014 2015 Total
Ameaça 1.412 1.352 1.369 910 5.043
Lesão corporal 470 319 380 220 1.389
Estupro 36 31 26 9 102
Feminicídio 3 6 4 12 25