Vândalos destroem colégio fechado pelo Estado em 2015

Encantado

Vândalos destroem colégio fechado pelo Estado em 2015

A escola Heitor Alexandre Peretti, no bairro Navegantes, é o retrato do descaso com o patrimônio público. Desativada no fim do ano passado, foi invadida por famílias carentes e depois depredada, dando fim ao projeto do município de transformar o local em creche.

Vândalos destroem colégio fechado pelo Estado em 2015
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O industriário José Luft, 62, sempre morou no Navegantes e estudou na escola que existiu no mesmo endereço entre 1964 e 1965. Na época, o complexo era composto por um pavilhão de madeira, onde ficavam as salas de aula, e um segundo prédio com secretaria e cozinha.

“Foi abandonado pelas autoridades”, aponta. Para ele, a ideia de transformar o espaço em uma creche impediria a depredação do patrimônio público.

Hoje, a única escola para esse público do bairro fica em área alagável. Vizinhos da Heitor Peretti lembram afirmam que a água também chega ao local, mas com menos frequência. “É uma vez a cada 30 anos”, afirma um senhor que mora desde 1981 no bairro.

Pai de três filhos alfabetizados no colégio, assistiu à redução no número de alunos que resultou na decisão de fechar a instituição, no fim de 2015. Lamenta a destruição do espaço de ensino por onde passou boa parte dos amigos e vizinhos. “Como pode isso acontecer em um lugar público e ninguém fazer nada?”

Moradora do bairro desde a infância, Iraci de Castro, 46, foi aluna do colégio e tem duas filhas que estudaram na escola até o ano passado. Lembra das primeiras reuniões com representantes do governo do Estado em que o fechamento da instituição foi debatido.

“Eles não mostraram o mínimo interesse em manter funcionando”, relata. Segundo Iraci, a pré-escola foi encerrada faz cerca de dois anos. Para ela, a decisão resultou no esvaziamento da instituição, pois as famílias optaram por matricular os filhos em escolas com jardim de infância.

Para ela, a maior tristeza é perceber que o bairro não terá mais o colégio e ver o local ser destruído. Abandono e invasão

Em janeiro deste ano, três famílias invadiram o prédio da escola e o transformaram em moradia. Na época, alegaram se tratar de um ato de desespero diante da impossibilidade de pagar o aluguel. Moradoras do bairro, entraram na instituição ao perceber o abandono.

A história das famílias foi publicada na edição do A Hora do dia 18 de fevereiro. Na época, os invasores alertavam sobre a possibilidade de depredações e alegavam impedir a entrada de usuários de drogas ou pessoas estranhas.

Como haviam crianças no local, o Conselho Tutelar contatou com a Assistência Social do município. A assistente social Valéria de Castro Caldas ficou responsável por cuidar do caso. “Fomos lá, conversamos com eles, mas a competência para tomar alguma providência era do Estado.”

Após aguardar em vão por uma manifestação do governo gaúcho, o município decidiu agir e oferecer um aluguel social para tirar as famílias daquela situação de vulnerabilidade. “Oferecemos alguns meses para que pudessem retomar a vida e deixar a condição de invasores.”

Apesar de solucionar temporariamente os problemas das famílias, a assistente social considera equivocada a atitude de invadir o espaço. Alega que elas poderiam tem procurado o órgão e relatado a situação para evitar a transgressão das leis.

“Foi um caso excepcional, que não pode se tornar um precedente”, aponta. Conforme Valéria, a saída das famílias foi comunicada para a 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), junto com o aviso sobre a vulnerabilidade do local. O temor era por novas invasões ou a depredação do prédio.

Conforme uma jovem que mora a cerca de 300 metros do colégio, as famílias que viveram no local não incomodavam os vizinhos e mantinham uma organização mínima. Segundo ela, após a saída, o local foi saqueado por outras pessoas.

“Levaram portas, fios, estruturas de metal, além de quase todas as telhas”, lembra. Alega que os moradores também começaram a ficar com medo de passar pelo endereço à noite. Com o abandono do Estado, a educação deu lugar à destruição.

Carcaças de eletrodomésticos e móveis espalhados no pátio conotam abandono

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Proposta travada

De acordo com a secretária de Educação de Encantado, Roseli Soares, a intenção do município era conseguir a doação do prédio por parte do Estado para transferir a escola de Educação Infantil Navegantes, localizada no mesmo bairro.

Segundo ela, o principal motivo da transferência é a vulnerabilidade da creche atual às cheias do Rio Taquari. As enchentes chegam a cobrir o telhado do prédio.

Apesar da Heitor Peretti também estar vulnerável às enchentes, alega que a água demora mais para alcançar o colégio, além de chegar a, no máximo, um metro e meio de altura no local. “Daria mais tempo para organizar a retirada dos móveis, eletrodomésticos e demais materiais.”

Em fevereiro, o Estado propôs um termo de cedência. A intenção é permitir a utilização do local, mas sem passar o patrimônio para o município. Como a estrutura necessitaria de reformas e a lei impede a administração municipal de gastar recursos com propriedades de terceiros, o acordo não foi adiante.

Diante da depredação, Roseli afirma ser impossível aproveitar o espaço. Para ela, o vandalismo não ocorreu por negligência do município ou da 3ª CRE, pois ambas as partes manifestaram o interesse em repassar o prédio ao município. Porém, alega que a proposta ficou travada no Piratini.

Venda do patrimônio

No ano passado, deputados gaúchos se manifestaram favoráveis à venda de prédios abandonados pelo Estado para evitar medidas de contenção de despesas capazes de afetar o serviço público. Entre os parlamentares defensores da proposta, estavam Ênio Bacci (PDT) e Tiago Simon (PMDB).

A discussão ocorreu em julho do ano passado, durante os debates sobre o aumento do ICMS. Para que a venda dos bens seja aprovada, é necessária a elaboração de um projeto de lei por parte do Executivo e posterior votação na Assembleia Legislativa.

Em dezembro do ano passado, o governo gaúcho avaliou a possibilidade de colocar em leilão cerca de 200 imóveis desocupados, com a previsão de arrecadar cerca de R$ 100 milhões. Ao todo, o Estado possui 11.246 imóveis. Eles serão avaliados com auxílio do Banrisul para definir quais serão leiloados, locados, doados ou ocupados para um serviço público.

Conforme a 3ª CRE, o Estado retomará o diálogo com o município após as eleições

Conforme a 3ª CRE, o Estado retomará o diálogo com o município após as eleições

Estado acredita em parceria

Apesar do estado atual do colégio, a coordenadora da 3ª CRE, Greicy Weschenfelder, crê em nova negociação com a administração municipal após as eleições de outubro. Segundo ela, as conversas com a atual gestão para transformar o local em uma creche travaram por motivos burocráticos.

“Neste momento os prazos da Justiça Eleitoral impedem a cedência”, relata. Segundo ela, assim que o nova administração assumir o governo, o Estado voltará com as tratativas, visando liberar a área para o município.

Conforme Greicy, a invasão das famílias e os atos de vandalismo também atrapalharam o projeto. Afirma que a 3ª CRE verificou com o Piratini a possibilidade de alocar um vigilante para cuidar do prédio. “O Estado não dispõe de recursos para isso.”

Apesar da destruição da estrutura, considera vantajoso para o município assumir a área devido ao amplo terreno e à localização privilegiada. Segundo ela, a situação se repete em outros patrimônios desativados pelo Estado.

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