O industriário José Luft, 62, sempre morou no Navegantes e estudou na escola que existiu no mesmo endereço entre 1964 e 1965. Na época, o complexo era composto por um pavilhão de madeira, onde ficavam as salas de aula, e um segundo prédio com secretaria e cozinha.
“Foi abandonado pelas autoridades”, aponta. Para ele, a ideia de transformar o espaço em uma creche impediria a depredação do patrimônio público.
Hoje, a única escola para esse público do bairro fica em área alagável. Vizinhos da Heitor Peretti lembram afirmam que a água também chega ao local, mas com menos frequência. “É uma vez a cada 30 anos”, afirma um senhor que mora desde 1981 no bairro.
Pai de três filhos alfabetizados no colégio, assistiu à redução no número de alunos que resultou na decisão de fechar a instituição, no fim de 2015. Lamenta a destruição do espaço de ensino por onde passou boa parte dos amigos e vizinhos. “Como pode isso acontecer em um lugar público e ninguém fazer nada?”
Moradora do bairro desde a infância, Iraci de Castro, 46, foi aluna do colégio e tem duas filhas que estudaram na escola até o ano passado. Lembra das primeiras reuniões com representantes do governo do Estado em que o fechamento da instituição foi debatido.
“Eles não mostraram o mínimo interesse em manter funcionando”, relata. Segundo Iraci, a pré-escola foi encerrada faz cerca de dois anos. Para ela, a decisão resultou no esvaziamento da instituição, pois as famílias optaram por matricular os filhos em escolas com jardim de infância.
Para ela, a maior tristeza é perceber que o bairro não terá mais o colégio e ver o local ser destruído. Abandono e invasão
Em janeiro deste ano, três famílias invadiram o prédio da escola e o transformaram em moradia. Na época, alegaram se tratar de um ato de desespero diante da impossibilidade de pagar o aluguel. Moradoras do bairro, entraram na instituição ao perceber o abandono.
A história das famílias foi publicada na edição do A Hora do dia 18 de fevereiro. Na época, os invasores alertavam sobre a possibilidade de depredações e alegavam impedir a entrada de usuários de drogas ou pessoas estranhas.
Como haviam crianças no local, o Conselho Tutelar contatou com a Assistência Social do município. A assistente social Valéria de Castro Caldas ficou responsável por cuidar do caso. “Fomos lá, conversamos com eles, mas a competência para tomar alguma providência era do Estado.”
Após aguardar em vão por uma manifestação do governo gaúcho, o município decidiu agir e oferecer um aluguel social para tirar as famílias daquela situação de vulnerabilidade. “Oferecemos alguns meses para que pudessem retomar a vida e deixar a condição de invasores.”
Apesar de solucionar temporariamente os problemas das famílias, a assistente social considera equivocada a atitude de invadir o espaço. Alega que elas poderiam tem procurado o órgão e relatado a situação para evitar a transgressão das leis.
“Foi um caso excepcional, que não pode se tornar um precedente”, aponta. Conforme Valéria, a saída das famílias foi comunicada para a 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), junto com o aviso sobre a vulnerabilidade do local. O temor era por novas invasões ou a depredação do prédio.
Conforme uma jovem que mora a cerca de 300 metros do colégio, as famílias que viveram no local não incomodavam os vizinhos e mantinham uma organização mínima. Segundo ela, após a saída, o local foi saqueado por outras pessoas.
“Levaram portas, fios, estruturas de metal, além de quase todas as telhas”, lembra. Alega que os moradores também começaram a ficar com medo de passar pelo endereço à noite. Com o abandono do Estado, a educação deu lugar à destruição.
Proposta travada
De acordo com a secretária de Educação de Encantado, Roseli Soares, a intenção do município era conseguir a doação do prédio por parte do Estado para transferir a escola de Educação Infantil Navegantes, localizada no mesmo bairro.
Segundo ela, o principal motivo da transferência é a vulnerabilidade da creche atual às cheias do Rio Taquari. As enchentes chegam a cobrir o telhado do prédio.
Apesar da Heitor Peretti também estar vulnerável às enchentes, alega que a água demora mais para alcançar o colégio, além de chegar a, no máximo, um metro e meio de altura no local. “Daria mais tempo para organizar a retirada dos móveis, eletrodomésticos e demais materiais.”
Em fevereiro, o Estado propôs um termo de cedência. A intenção é permitir a utilização do local, mas sem passar o patrimônio para o município. Como a estrutura necessitaria de reformas e a lei impede a administração municipal de gastar recursos com propriedades de terceiros, o acordo não foi adiante.
Diante da depredação, Roseli afirma ser impossível aproveitar o espaço. Para ela, o vandalismo não ocorreu por negligência do município ou da 3ª CRE, pois ambas as partes manifestaram o interesse em repassar o prédio ao município. Porém, alega que a proposta ficou travada no Piratini.
Venda do patrimônio
No ano passado, deputados gaúchos se manifestaram favoráveis à venda de prédios abandonados pelo Estado para evitar medidas de contenção de despesas capazes de afetar o serviço público. Entre os parlamentares defensores da proposta, estavam Ênio Bacci (PDT) e Tiago Simon (PMDB).
A discussão ocorreu em julho do ano passado, durante os debates sobre o aumento do ICMS. Para que a venda dos bens seja aprovada, é necessária a elaboração de um projeto de lei por parte do Executivo e posterior votação na Assembleia Legislativa.
Em dezembro do ano passado, o governo gaúcho avaliou a possibilidade de colocar em leilão cerca de 200 imóveis desocupados, com a previsão de arrecadar cerca de R$ 100 milhões. Ao todo, o Estado possui 11.246 imóveis. Eles serão avaliados com auxílio do Banrisul para definir quais serão leiloados, locados, doados ou ocupados para um serviço público.
Estado acredita em parceria
Apesar do estado atual do colégio, a coordenadora da 3ª CRE, Greicy Weschenfelder, crê em nova negociação com a administração municipal após as eleições de outubro. Segundo ela, as conversas com a atual gestão para transformar o local em uma creche travaram por motivos burocráticos.
“Neste momento os prazos da Justiça Eleitoral impedem a cedência”, relata. Segundo ela, assim que o nova administração assumir o governo, o Estado voltará com as tratativas, visando liberar a área para o município.
Conforme Greicy, a invasão das famílias e os atos de vandalismo também atrapalharam o projeto. Afirma que a 3ª CRE verificou com o Piratini a possibilidade de alocar um vigilante para cuidar do prédio. “O Estado não dispõe de recursos para isso.”
Apesar da destruição da estrutura, considera vantajoso para o município assumir a área devido ao amplo terreno e à localização privilegiada. Segundo ela, a situação se repete em outros patrimônios desativados pelo Estado.