A operação iniciou na manhã dessa quinta-feira. Cerca de 30 agentes do MP, da Vigilância Sanitária de Lajeado, da Brigada Militar (BM) e do Gaeco cumpriram mandados de busca e apreensão em duas residências particulares, um galpão e pelo menos oito estabelecimentos comerciais. Até o momento, ninguém foi preso.
O primeiro mandato foi cumprido em um galpão localizado na rua Pedro Ruschel Sobrinho, em Carneiros, em Lajeado. No local, usado como uma cabanha, investigadores recolheram série de produtos vencidos, que estavam armazenados próximos aos animais. Entre eles, energéticos, lasanhas e pizzas congeladas, carne, leite, sucos, vodka, caipiras prontas, peixe, embutidos, óleo de oliva, entre outros.
A cabanha pertence à família Vargas, responsável pela Urbanizadora Lenan. Segundo o promotor de Justiça, Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, os produtos eram descartados pela rede de supermercados Imec, por meio de contrato com a empresa Lenan. A mercadoria, conforme o acordo, deveria ser levada a um aterro sanitário privado na cidade de Serafina Corrêa.
“No entanto, verificamos que os produtos não eram levados para esse local adequado. Acompanhamos os descartes, com ajuda dessa grande rede de supermercados que nos municiou com informações, e conseguimos ver qual o caminho que os veículos da Lenan percorriam. Descobrimos que eles sequer saíam do município”, afirma Alcindo.
Segundo o promotor, além do galpão da cabanha, os produtos inadequados ao consumo eram armazenados nas residências dos irmãos Gilberto e Gilmar de Vargas. “Confirmamos, em todos os locais, grande quantidade de produto vencido. Muitos em estado avançado de decomposição. Alguns, vencidos desde 2013.” Só na operação de ontem, foram 2,2 mil quilos apreendidos pelos investigadores nesses três locais.
Conforme o MP, além do armazenamento irregular dos produtos que deveriam ser descartados, os integrantes da família Vargas – também são investigados a esposa de Gilberto, Silvia, e o filho, Leandro – coordenavam um “comércio paralelo” com os alimentos vencidos. “Eles vendiam para alguns estabelecimentos de Lajeado. A informação inicial era de cinco ou seis. Mas, após algumas apreensões de celulares, verificamos que são muito mais”, avisa Alcindo.
Para os investigadores, a venda não era destinada só à estabelecimentos comerciais. “Pessoas físicas também compravam. Além de escritórios. E também verificamos que muitos compravam para revender a outros.” O MP recolheu telefones celulares dos investigados. Segundo o promotor, diversas conversas mantidas pelos integrantes da família por meio do aplicativo de smartphone WhatsApp serão averiguadas nos próximos dias.
Queijo cheedar estragado
Nos estabelecimentos vistoriados, os investigadores só encontraram produtos vencidos na lancheria Brothers Foods & Drinks, instalada na esquina da Av. Alberto Pasqualini com a rua Pedro Albino Muller. No local, foram apreendidos peças de queijo cheedar. “Confirmamos que são produtos recentemente comprados da família Vargas”, afirma o promotor Alcindo. O gerente do local foi contatado, mas não respondeu.
Os integrantes da força-tarefa passaram por outros sete locais. Entre eles, pizzaria, mini-mercados e, por fim, uma casa de shows e festas localizada na rua Francisco Oscar Karnal, próximo à esquina com a Júlio de Castilhos. “Nesse local não foi possível constatar nada ligado a investigação. Vamos seguir investigando, pois é possível que a repercussão do caso durante o dia tenha alertado alguns empresários.”
Produtos vendidos a 10% do preço
Segundo o promotor de Justiça, em média, os produtos vencidos eram vendidos pelos investigados a pouco mais de 10% do valor de mercado. Entre os exemplos, cita a venda ilegal de energéticos por R$ 1, enquanto nas prateleiras dos mercados o preço chega a R$ 13. “Tinha bebida alcóolica sendo vendida a R$ 12, e cujo valor no comércio ultrapassa os R$ 40.”
Em uma conversa de WhatsApp encontrada no celular de um dos investigados, o MP verificou ainda a oferta de queijo por R$ 1,50 a peça. Na conversa com um cliente, o dono do aparelho avisa que recebeu de “80 a 100 peças” e que o “valor dele no mercado fica entre R$ 20 e R$ 30”. No diálogo, uma foto dos produtos também foi enviada para fomentar a negociação.
Outra conversa, também por meio de WhatsApp, mostra um dos integrantes da família conversando com outro cliente. Ele explica que uma nova carga viria na semana seguinte. O interlocutor responde. “Tem um conhecido que compra tudo que é tipo de mercadoria vencida. Avisa que repasso para ele.” O investigado então diz. “Tá beleza. Hoje só o que tenho é os energéticos de dois litros e posso remarcar a data deles.”
“Era para consumo próprio”
A reportagem conseguiu contato com Gilberto – o “Giba” – e Leandro. Mas só o primeiro respondeu aos questionamentos. “Nos pegávamos alguns produtos para nosso consumo e consumo de familliares. E para tratar porco”, resume o empresário. Ainda de acordo com o responsável pela Urbanizadora Lenan, os produtos eram descartados nos aterros de Minas do Leão e Serafina Correa.
Sobre os energéticos, Gilberto afirma que eles eram consumidos entre amigos. “Não existe esta venda, era uso pessoal e familiares. Esta informações (do MP) estão um tanto desconectadas. Tanto que só ouve o recolhimento dos produtos.”
Questionada pela reportagem, uma representante da Planeta Reciclagem e Aterro Sanitário, de Serafina Corrêa, informa que a Urbanizadora Lenan não depositava mais os produtos naquele local “fazia cerca de um ano”. Disse, ainda, haver dívidas da empresa lajeadense com o centro de resíduos. Sobre isso, Gilberto informa ter suspendido os depósitos naquele aterro faz seis meses.
Imec lança nota sobre operação do MP
A Urbanizadora Lenan mantinha contrato com a rede Imec desde julho de 2015. O descarte do centro de distribuição localizado em Lajeado ocorria duas vezes por mês. Por lá, passavam produtos de 19 lojas instaladas em diversas cidades do Estado. “A rede foi surpreendida e colaborou com a investigação. A Lenan apresentou nota para comprovar o descarte. Mas acreditamos que não seja verdadeira”, sustenta Alcindo.
Em nota oficial, encaminhada pela assessoria de comunicação, a rede Imec Supermercados informa que a direção está acompanhando, pelos meios de comunicação, os desdobramentos da operação do MP e o “que temos a declarar sobre o caso é que por lei não podemos descartar nossos resíduos através da coleta municipal. Para tanto, mantemos contratos de prestação de serviço com empresas coletoras licenciadas para estes fins.”
Operação Lixius Lex
A Operação Lavoisier foi desencadeada a partir de outro trabalho realizado pelo promotor da comarca de Estrela, Daniel Cozza Bruno, que investiga – por meio da Operação Lixius Lex – contrato emergencial para limpeza urbana naquele município. Ontem, foram cumpridos mandados para apurar crimes licitatórios, contra a ordem econômica, falsidades documentais e ideológicas.
Os mandados foram cumpridos em secretarias municipais de Estrela, em um escritório de contabilidade, em escritórios mantidos pela empresa Compacta Blocos de Concreto S.A. em Estrela e Lajeado, e nas residências de investigados, também em Lajeado. A Operação contou com o apoio do Ministério Público de Contas (MPC) e Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Segundo o promotor de Estrela, essa investigação iniciou devido à contratação, por dispensa de licitação, da Compacta, em junho de 2015, para os serviços de recolhimento e transporte de resíduos domésticos. Segundo o apurado, há indícios de que a empresa teve os objetivos sociais ampliados só para suceder os negócios da empresa Urbanizadora Lenan, que realizava os serviços.
O MP informa que a Compacta, em pouco tempo de ampliação de seu objeto social, obteve contratos em diversos municípios da região. Em Estrela, houve contratação emergencial em junho de 2015 para serviços de recolhimento de lixo por 90 dias, mas que perdurou até março de 2016. Já os acordos para capina mecânica e varrição de vias segue vigentes de forma emergencial.
Para os investigadores, a empresa foi criada para a manutenção dos negócios antes executados pela Lenan na região. A reportagem ligou para o celular do gerente da empresa, mas ele estava desligado. Após as buscas e apreensões de ontem, bem como a análise de documentos pelo TCE, as investigações prosseguirão com os depoimentos dos investigados.