Suculentas, vitaminadas e apetitosas, as frutas cítricas ocupam lugar de destaque no cardápio dos gaúchos nos meses de outono e inverno. Nos maiores polos de produção, localizados nos vales do Caí e Taquari e no Alto Uruguai, a safra iniciou e citricultores projetam bons resultados.
De acordo com o assistente técnico regional em Sistema de Produção Vegetal da Emater/RS-Ascar de Lajeado, engenheiro agrônomo Derli Bonine, “se anuncia uma safra muito boa, pelas excelentes condições climáticas no período de primavera e verão, com chuvas regulares e bem distribuídas”, ao destacar que este período de desenvolvimento, com noites frias e dias com temperaturas amenas, é favorável à qualidade das frutas, “que estão alaranjadas e com um suco inigualável”, complementa.
O Vale do Caí é o maior produtor do estado. A estimativa é de colher 162 mil toneladas de citros, sendo 107 mil de bergamotas, em área total de dez mil hectares. “De cada dez bergamotas comercializadas no estado, sete são colhidas na região.”
A produção de laranja avança no Alto Uruguai, com área superior a 2,9 mil hectares, distribuídas em duas mil propriedades. Para Bonine, a atividade se mostra uma excelente alternativa de negócio e cresceu nos últimos cinco anos, em especial a produção de bergamotas ou tangerinas. “O nosso fruto tem um sabor mais agradável ao paladar se comparado a áreas localizadas no restante do país.”
As primeiras variedades colhidas são a satsuma e okitsu. Depois, vêm as comuns caí, pareci e montenegrina, no fim de agosto. O RS é o terceiro maior produtor de bergamotas, perdendo apenas para os estados de São Paulo e Paraná. Montenegro, Pareci Novo, São José do Sul, Harmonia e São Sebastião do Caí concentram 60% da produção gaúcha.
Mapa da produção muda
Nos últimos anos, o mapa da produção de laranja mudou de localização no estado. Em Taquari, já considerada a terra da laranja, a cultura se limita à produção familiar. As áreas comerciais quase desaparecem e deram lugar ao plantio de eucalipto e acácia negra, destinadas à indústria moveleira.
Segunda a engenheira agrônoma da Fepagro, Elisabeth Lisboa de Saldanha Souza, lotada no Centro de Pesquisas Emílio Schemck, de Taquari, as plantações foram quase extintas pela falta de sucessores. “Quem não migrou para a cidade ou vendeu as terras, passou a investir no reflorestamento.”
Ao contrário disso, em Liberato Salzano, existe grande empenho dos produtores e a busca contínua por qualificação das etapas produtivas. O presidente da Associação dos Citricultores do município, Leandro Rubini, confirma a expansão da área cultivada de laranja, com destaque para a variedade valência, com mercado garantido na indústria de suco ou direto ao consumidor.
A área cultivada na cidade chega a 1,1 mil hectares de bergamota e laranja, 20 variedades, sendo a maioria de laranjas. As primeiras frutas começaram a ser produzidas em 1987. No entanto, a expansão maior foi registrada entre 2004 e 2009, quando foram cultivados 800 hectares. “Hoje a citricultura é rentável e segura.”
Para este ciclo, a entidade projeta a colheita de 20 mil toneladas de frutas. A maior parte é destinada à fabricação de suco em uma indústria local, instalada há cinco anos, com capacidade de processar até 28 mil toneladas por ano.
Outro parcela é exportada para a Suíça, em torno de 500 toneladas de suco por ano. No ciclo passado, cada tonelada era vendida a US$ 2,3 mil dólares.
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Qualidade e quantidade
Para reduzir as barreiras entre produtor e consumidor, foi criada há cinco a associação de citricultores. São cem famílias integradas com 400 hectares, cuja oferta de matéria-prima neste ciclo chega a seis milhões de quilos.
Segundo Rubini, essa é a forma encontrada para manter um bom padrão de qualidade da fruta, ter quantidade e atender novos mercados, cruciais para consolidar e expandir a atividade.
Ele ainda destaca outras opções, como a produção de frutos para indústria de suco na entressafra — com preço maior e que soma cerca de 30% dos pomares. Até 2021, devem ocupar até 50% da área em produção. “Muitos produtores investem nas variedades sem sementes, de ciclo precoce, cuja safra inicia em abril, quando a oferta no mercado é menor e se obtém uma melhor remuneração. O quilo chega a custar R$ 1,20.”
Outra meta é elevar a produtividade média por hectare a 45 toneladas. Hoje, esse percentual chega a 25 toneladas. O produtor Jocemar Marta, no Distrito Pinhalzinho, em Liberato Salzano, mantém 24,5 hectares, onde cultiva 18 variedades de citros, entre laranja e bergamota.
Para Marta, a diversificação de cultivares de citros é um dos fatores que viabiliza a atividade na pequena propriedade. Com isso é possível ampliar o calendário de colheita, ter maior regularidade de oferta do produto, melhor aproveitamento da mão de obra familiar, oferta maior de variedade de frutos e atender aos mais diversos tipos de mercado, in natura e indústria, destaca.
Programas fortalecem setor
Há 30 anos, o sogro de Romano Petter, de Bom Retiro do Sul, começou a investir na produção de laranjas, das variedades umbigo, natal e comum. As frutas eram vendidas na feira da cidade. Como a maioria das famílias mantinha uma produção familiar, o pomar foi abandonado por anos.
A possibilidade de destinar laranjas e bergamotas para programas do governo federal e abastecer refeitórios de escolas municipais fez Romano e a mulher Regina retomarem a atividade. Em 1,5 hectare, são colhidas 20 mil toneladas por ciclo. Além dos colégios, para onde são levados 200 quilos por semana, parte é destinada a fábricas de suco na Serra Gaúcha.
No entanto, o preço é desanimador. “Pelo governo, ganhamos até R$ 2,50 o quilo. Para suco, são apenas R$ 0,23”, conta Petter.
O casal entende que a construção de uma agroindústria para produzir sucos, schmiers e geleias seria uma forma de agregar valor à matéria-prima, no entanto, esbarra no alto investimento, escassez de mão e da oferta de frutas.
Petter, fala da necessidade de os produtores se unirem em associações para atender a demanda do mercado em escala, qualidade e durante todos os meses do ano. No Vale do Caí, deu certo e a fruticultura é uma ótima alternativa para os jovens ficarem na lavoura, exemplifica.
Fábricas importam matéria-prima
A Montesucos, instalada em Montenegro há dez anos, projeta industrializar neste ciclo 40 milhões de quilos de laranja. Desse montante, 20% é comprado de São Paulo. Conforme o gerente industrial, Pedro Stein, apesar do preço da caixa ter cotação parecida, R$ 16, o custo do frete, R$ 4 por caixa, encarece a industrialização e reduz os lucros.
Outra característica fica por conta da qualidade, cor e acidez da fruta. A laranja paulista tem acidez baixa e a cor do suco é mais fraca, a preferência da maioria dos clientes, enquanto a fruta colhida no estado apresenta alto grau de acidez e cor mais forte. “São detalhes importantes na hora da venda.”
A concorrência com refrigerantes é vista como um empecilho para elevar o consumo. “É um produto barato. O suco é mais caro e com a crise econômica o poder aquisitivo reduz e as vendas devem cair.”
Stein projeta um ano com margens apertadas e destaca a concorrência desleal com grandes empresas de São Paulo, onde a oferta é grande e reduz o preço do produto final. “Elas manipulam o valor e prejudicam as indústrias menores.” Além da laranja, serão industrializados dez milhões de quilos de bergamota, adquiridos de produtores locais.
Além do mercado interno, o suco é exportado para países da Europa e América do Sul.
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Ociosidade chega a 50%
Para atender a demanda da indústria, que hoje opera com 50% de ociosidade e importa cem mil toneladas de frutas por ano, o coordenador da Câmara Setorial de Citricultura, Paulo Lipp João, sugere aos produtores investir em variedades precoces e de meia estação a serem colhidas entre abril e julho. “Nossa oferta se concentra entre os meses de julho a novembro, quando outros estados abastecem o mercado.”
A garantia de preço mínimo para a laranja, obtida pela primeira vez em 2014, é vital para crescer. “A indústria pagava apenas R$ 0,20, enquanto o governo, via Conab, pagou R$ 0,28. Foi uma ajuda muito boa.”
Sugere uma maior integração entre produtores e indústrias. A maioria aqui é pequeno produtor, independente e sem regularidade de estoque, apesar de a fruta ter sabor melhor e ser mais colorida do que a de São Paulo, maior produtor do país, diz Lipp.
Conforme ele, nas principais regiões produtoras, foram criadas associações, o que dá segurança para aumentar a área cultivada, garantia de compra e preço justo.” O setor movimenta por ano R$ 1 bilhão, envolvendo 12 mil produtores, centenas de viveiristas e além de dezenas de indústrias de suco. Devido ao frio, a fruta produzida no estado atinge boa coloração e excelente sabor, ponto importante para aumentar as exportações a outros estados e até países.
Essência para perfumes
O óleo extraído das bergamotas verdes é um produto único no mundo e produzido apenas no Vale do Caí. Além de ser comercializado para a indústria alimentícia brasileira, parte da essência é destinada para a França, onde é utilizada para outro fim – a fabricação de cosméticos.
Essa parceria foi firmada entre os citricultores e os franceses devido ao cultivo sem agrotóxicos e certificados internacionais que atestam a qualidade da matéria-prima. Prática de manejo obrigatória nos pomares de bergamota, o raleio registra um fenômeno atípico neste ano. Alguns produtores do Vale do Caí decidiram colher todas as bergamotas verdes para aproveitar o alto preço do quilo pago pela indústria. O valor da caixa de 25 quilos chegou a R$ 42.
Segundo estimativas da agrônoma do escritório da Emater de Montenegro, Luísa Leopoldt Campos, devem ser colhidas 300 toneladas de bergamotas verdes em 2016.
Para esse fim, são destinadas as variedades caí, montenegrina e pareci. “O raleio é uma prática fundamental para obter frutas com qualidade e para evitar a alternância de produção, que é a produção excessiva em uma safra e uma produção pequena ou nula na safra seguinte.”
Devido à concorrência pela matéria-prima, o preço registra aumento. Em fevereiro, a tonelada era comercializada a R$ 360, cotação que chegou a R$ 420 em abril. Cinco empresas localizadas no Vale do Caí beneficiam a bergamotinha.
A cada tonelada processada, são extraídos de quatro a seis litros de óleo essencial. Por ciclo, são produzidos mais de cem mil litros. O produto convencional sai por 40 dólares o quilo. Já o valor pago ao produto orgânico chega a ser 40% superior.
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Oferta o ano inteiro
A família Anchau, de Teutônia, cultiva dez mil árvores frutíferas, entre laranja, lima, bergamota e limão. Conforme Célio, o segredo para obter lucro na produção de citros está na oferta estável, os 12 meses do ano.
O cliente quer matéria-prima todos os dias, de janeiro a dezembro. Para atender a demanda, cultiva variedades, com ciclos distintos de maturação, conta.
As frutas são vendidas para consumo in natura e produção de suco em escolas, padarias, fruteiras, restaurantes, indústrias e redes de supermercados como o Imec, onde são abastecidas 23 lojas em todo estado. O preço do quilo varia entre R$ 0,35 e R$ 20, dependendo da finalidade e qualidade.
Entre as dificuldades, cita a falta de mão de obra qualificada para auxiliar na colheita e o congelamento do preço nos últimos três ciclos, enquanto o custo com insumos aumentou em média 50%. “São realizados tratamentos para mofo, cancro cítrico, pinta preta e floração. Sem esse cuidado, existe o risco de o pé nem produzir.”
Com ajuda do pai Antônio, do irmão Leonor e dois diaristas, colhe, por ano, 40 mil caixas de frutas, com destaque para laranjas e bergamotas. O pomar está em constante renovação. Ao lado dos pés mais velhos, uma nova planta é cultivada. Um dos segredos que ajuda a renovar o vigor é fazer a poda dos galhos, o que permite novos brotes. “Em três anos frutificam de novo.”
Rentável, mas sem sucessores
Ito Horácio Agostini, 74, de Roca Sales, trocou o pomar de pêssego e de laranja pelo cultivo de bergamotas da variedade montenegrina faz 12 anos. Por safra, colhe 4,8 mil caixas de 25 quilos cada, comercializadas ao preço médio de R$ 18.
A colheita inicia em agosto com projeção de obter uma boa produtividade e frutas com alto teor de suco. Dias de sol e frio melhoram o sabor, comenta. Por enquanto, o trabalho está concentrado na aplicação de adubo e controle de pragas.
Solteiro e sem sucessores, Agostini lamenta a falta de interesse dos jovens em apostar na atividade. Na comunidade onde mora, distrito de Campinhos, o agricultor mais jovem tem 54 anos. “É rentável, mas dá trabalho. A juventude prefere a cidade, tem mais atrativos e a carga horária é menor”, comenta.
O alto custo da mão de obra, média de R$ 100 por dia, fez Agostini deixar de vender 97 mil bergamotas verdes, retiradas durante o raleio. O valor da despesa era maior do que o lucro com a comercialização, lamenta.
[bloco 2]
Produção de em 2016
Laranja – 274 mil toneladas
Área – 16,3 mil
Produtores – 8,8 mil
Destino – 65% indústria e 35% consumo in natura
Maior produtor – Liberato Salzano – 25 mil toneladas – 1,2 mil hectares
Custo de implantação de um hectare – 500 mudas – R$ 10 mil
Ciclo produtivo completo – 8 anos – produtividade
de até 80 toneladas por hectare
O RS importa 100 mil toneladas por ano para atender a demanda do mercado (98% de São Paulo, 1% do Paraná e 1% de Santa Catarina).
O país responde por 34% da produção mundial de laranja e 79% das exportações de suco do planeta
O Brasil permanece como maior produtor mundial de laranjas, com 18,4 milhões de toneladas colhidas em 715 mil ha.
Bergamota – 150 mil toneladas
Área – 10,5 mil hectares
Produtores – 5,3 mil
Principal região produtora – Vale do Caí – Montenegro – 38,5 mil toneladas – 2,4 mil hectares
Destino – 10% indústria
90% – Consumo in natura
Limão – 9 mil toneladas de limão taiti
Área – 550 hectares
Produtores – 600
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Oferta menor aumenta disputa por fruta