“O agricultor é o culpado da vez”

Entrevista

“O agricultor é o culpado da vez”

A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger, fala sobre os impactos de uma possível reforma na Previdência Rural, as saídas para manter o regime atual e a importância do benefício para quem vive no campo.

“O agricultor é o culpado da vez”
Vale do Taquari

Trabalhadores rurais e entidades ligadas ao setor estão preocupados com a possibilidade de o governo federal modificar as regras de aposentadoria para a classe. De acordo com o Ministério do Trabalho, 1/3 das aposentadorias do Brasil é de agricultores, que têm regime diferenciado de contribuição.

Em 2015, os gastos da Previdência Rural somaram R$ 102 bilhões, enquanto a arrecadação chegou a R$ 7,3 bilhões. Um déficit de R$ 94,5 bilhões. O trabalhador rural que não é assalariado, por exemplo, contribui de acordo com a produção e não mensalmente. As taxas são menores – entre 2,1% e 2,5%.

Entre as medidas em avaliação na Reforma da Previdência para os agricultores, estão o aumento da idade para obtenção da aposentadoria, hoje em 55 anos para mulheres e 60 aos homens.

Outra alteração seria a impossibilidade de acumular benefícios – aposentadoria e pensão – e o segurado especial da Previdência Rural também não poderia mais fazer a declaração de comprovação da atividade por tempo de serviço no Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

A Hora – Aumentar a idade mínima para a classe rural se aposentar é a solução para o rombo na Previdência Social?

Jane Berwanger – Primeiro, inúmeras entidades têm questionado o déficit da Previdência. Isso porque a Constituição determina que se faça um orçamento da seguridade social, que ao longo dos anos tem sido superavitária. Segundo, porque, se faltam recursos na Previdência, é porque o próprio governo retira recursos, por meio da Desvinculação das Receitas da União, aprovada novamente, e também da desoneração da folha de pagamento. O governo desvia recursos e depois diz que faltam. Antes de mais nada, é necessário que ele deixe de sangrar recursos da entidade. Especificamente na área rural, podem ser adotadas medidas como melhorar o sistema de arrecadação (hoje se arrecada apenas 1/3 do que seria possível, tendo em vista a ausência de um sistema de fiscalização adequado). Outra ação é criar o bloco de produtor em todos os estados. Hoje isso depende da lei de cada estado.

Quais as mudanças que podem ocorrer, como a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres se aposentarem?

Jane – Essa é uma das ideias. É um absurdo, porque a pessoas no meio rural começam a trabalhar muito cedo. 80% começam a trabalhar antes dos 14 anos. Se a idade para homens e mulheres for de 65 anos, eles terão trabalhado 51 anos para se aposentar. Essa proposta desconhece a realidade do meio rural, do trabalho penoso e sofrido do agricultor.

É correto acumular benefícios – pensão e aposentadoria?

Jane – Hoje a legislação permite, até porque a Constituição estabelece as situações (riscos sociais) que geram benefícios. E é assim que deve ser, porque a renda gerada por quem morre faz falta na família. Por isso, deve ser mantida a concessão dos dois benefícios. Outra coisa importante é que 2/3 dos benefícios são de salário mínimo. Não há mais como mexer nisso. Já se reduziu demais.

Quem tem direito à aposentadoria?

Jane – Na cidade, existe a aposentadoria por idade aos 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher. No meio rural, a idade é 60 anos para o homem e 55 para a mulher. A aposentadoria por tempo de contribuição não tem idade mínima. É necessário provar 30 anos de contribuição se for mulher e 35 se for homem.

Diaristas e mulheres enfrentam problemas para conseguir a aprovação. Por quê?

Jane – Sim, os diaristas dificilmente conseguem o benefício no INSS. Geralmente, têm que buscar na Justiça. Com relação às mulheres, o INSS nega muito mais benefícios por duas razões: porque elas têm menos documentos em nome próprio e porque muitos servidores (e até juízes) acham que elas não trabalham no meio rural.

Qual sua opinião sobre a expressão “o agricultor está quebrando a Previdência”?

Jane – Toda vez que o governo quer fazer reforma precisa achar “o culpado da vez”. E agora elegeu o agricultor. Primeiro, o agricultor contribui, mesmo que muitas vezes as empresas não repassam a contribuição. Segundo, não há um bom sistema de fiscalização de contribuição. Terceiro, em qualquer país do mundo onde existe previdência no meio rural, é subsidiada.

No ano passado, 816,4 mil agricultores se aposentaram, cujo valor do salário por mês é de R$ 788,86. Enquanto 2,6 milhões de pessoas encaminharam a aposentadoria no meio urbano, cujo salário chega a R$ 1.244,08.

Considerações finais
Esse é o momento de resistir à reforma e apresentar dados para contrapor as propostas do governo.

Entrevista feita por e-mail


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