Operação prende três e afasta coordenador de Saúde

Vale do Taquari

Operação prende três e afasta coordenador de Saúde

O Ministério Público do Estado (MPE) deflagrou, ontem, a Operação Gota D’Água. A ofensiva ocorreu em Progresso, Lajeado, Porto Alegre e no estado do Pernambuco. Foi cumprido mandado de busca e apreensão na sede da Campo Branco Ltda, e foram presos preventivamente os sócios da empresa, Ademar Paulo Ferri e Paulo Moacir Vivian, além do químico industrial e professor da Univates, Marcelo Colling.

Operação prende três e afasta coordenador de Saúde
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Uma megaoperação do MPE, da Vigilância Sanitária Estadual, Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e da Receita Estadual resultou na interdição da sede da empresa, localizada em Progresso, em função da venda de água mineral contaminada. As investigações sobre o caso iniciaram após informação anônima no início do ano. A procuradoria de Justiça segue investigando pelo menos outras cinco fontes naturais no estado.

A Operação Gota D’Água foi realizada pelo Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Segurança Alimentar, em conjunto com as promotorias de Justiça Especializada Criminal, de Defesa do Consumidor e de Combate aos Crimes contra a Ordem Tributária. Participaram da operação os promotores Mauro Rockenbach, da área criminal, e Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, da Defesa do Consumidor.

Em entrevista coletiva, realizada na sede do MP de Lajeado, os promotores apresentaram o conteúdo de 400 páginas do processo de investigação, divididos em dois volumes. Eles informaram sobre as três prisões. Conforme a investigação, houve dolo na venda da água, já que os empresários e o químico industrial teriam pleno conhecimento, por meio de laudos encomendados pela própria empresa, da contaminação do produto por bactérias.

Sobre o afastamento do coordenador da 16ª CRS e responsável pela vigilância sanitária local, Vitor Hugo Gerhardt, o MPE alega prevaricação por parte do servidor estadual. Segundo o promotor, ele deixou de interditar a empresa, mesmo após sugestão de seu subordinado, e diminuiu a multa de R$ 20 mil para R$ 2 mil.

“Ele estava acobertando a atividade ilícita da mineradora, por ligações políticas. Ele foi indicado pelos sócios da fonte para que ocupasse o cargo”, afirma Rockenbach. Gerhardt foi procurado durante a manhã de ontem em sua casa, em Lajeado, na sede da 16ª CRS, e também em Porto Alegre. Mas, até o fechamento desta edição, não havia sido oficialmente notificado pelo MPE sobre a denúncia.

Ferri foi preso pela manhã em seu escritório, localizado em Lajeado. Ele foi encaminhado ao Presídio Estadual de Lajeado. Conforme seu irmão e sócio, Flávio Ferri, a defesa pode indicar o advogado, José Antonio Paganella Boschi, para atuar em favor do empresário. “Já estamos tomando as providências necessárias. E estamos espantados com a pirotecnia apresentada pelo MP”, afirma Flávio.

A reportagem não conseguiu contato com os defensores do outro empresário preso em Porto Alegre, e tampouco com a do químico industrial, detido na cidade de Arco Verde (PE). Ele atua também como professor no curso Técnico em Química da Univates. Conforme a assessoria, a instituição “está acompanhando as investigações do MP e aguardando os desdobramentos para tomar as medidas cabíveis”.

Operação lacrou a produção de água mineral na empresa de Progresso

Operação lacrou a produção de água mineral na empresa de Progresso

Detalhes da operação

Os três presos fazem parte de um grupo criminoso que orquestrou a venda de água mineral com presença acima do permitido da bactéria pseudomonas aeruginosa – a mesma encontrada no Centro Oftalmológico de Encantado – coliformes totais, limo e mofo, além de partículas de sujeira. As irregularidades foram comprovadas por diversos laudos da própria empresa obtidos pelo MP em lotes de fevereiro e abril de 2015, de bombonas de 20 litros.

Esses laudos deram origem a uma autuação do Executivo de Progresso pela presença de bactérias. Além disso, o próprio MP solicitou à Vigilância Sanitária a realização de novas coletas, cujos laudos, realizados pela Univates, apontaram que, pelo menos, outros dois lotes de água mineral com gás de 1,5 litro, com validade até setembro de 2016, são impróprios para o consumo humano pelo mesmo motivo. “As substâncias estavam a olho nu em alguns casos”, diz o promotor.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a água engarrafada para consumo humano deve ser livre de coliformes e pseudomonas aeruginosa, devido à vulnerabilidade de crianças e idosos a esses micro-organismos. A bactéria, por exemplo, é causadora de infecções respiratórias, urinárias e sanguíneas em pessoas com saúde debilitada. Já a ingestão de coliformes provoca, em geral, graves distúrbios gastrointestinais.

Ontem, a Fepam constatou que na sede da empresa a área tinha o dobro de metragem informado, e também lacrou os dois poços de extração de água mineral por péssimas condições de higiene, o que, em tese, teria provocado a contaminação. Além disso, um dos poços não era de conhecimento das autoridades públicas. Já a Licença de Operação da Fepam estava vencida desde abril de 2013.

Durante a fiscalização na fábrica, foram encontradas bombonas vencidas ou em condições impróprias e misturadas às embalagens para reutilização. Unidades sujas também eram utilizadas. O ambiente de trabalho, segundo o MP, apresenta condições precárias, com ferrugem, prateleiras revestidas por papelão, área externa da indústria não pavimentada, canos abertos, buracos e trincas. Já os funcionários não usavam avental e, em alguns casos, calçavam chinelos de dedos.

O MP também contatou com o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) para que sejam emitidas circulares a todas as vigilâncias sanitárias do Estado, com intuito de retirar os lotes 410, 421, 028 e 272 do mercado. O Cevs lavrou auto de infração pela produção e comércio de produtos impróprios ao consumo. Já a Receita Federal fala em problemas fiscais próximos de R$ 3,2 milhões.

Outras marcas

Além de envasar para a marca Do Campo Branco, a mineradora – uma das maiores de Progresso, com mais de R$ 4 milhões em retorno em 2015 – também envasa para Carrefour, Biri Biri e Roda D’Água. De acordo com a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), as quatro correspondem a menos de 10% do mercado de águas no estado.

Em nota, a rede Carrefour comunicou a suspensão da Mineração Campo Branco do quadro de fornecedores durante a apuração.

A empresa aérea Azul também utilizava os produtos, mas, também em nota, avisa já ter cancelado a compra do produto em abril, antes mesmo da operação do MPE. Ela também teria reclamado da contaminação.

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Interferência partidária para evitar interdição

Segundo o MP, em julho de 2015, uma inspeção da 16ª CRS verificou os problemas nos lotes citados. A empresa se limitou a informar que havia descartado o produto. Diante disso, o servidor sugeriu multa de R$ 20 mil. Essa foi reduzida a R$ 12,5 mil pela primeira instância julgadora, e, mediante recurso por parte dos empresários, baixou para R$ 2 mil.

Já em janeiro de 2016, em uma nova inspeção, também realizada pela 16ª CRS e Cevs para verificação do cumprimento e eficácia das ações propostas na defesa ao auto de infração, foram detectadas novas fragilidades no controle de qualidade da água mineral, bem como problemas na infraestrutura da empresa.

Dessa vez, além da multa de R$ 5 mil, o fiscal pediu a interdição da fábrica. No entanto, a medida foi transformada pelo comando da 16ª CRS em advertência. O MP interceptou ligações entre o coordenador do órgão estadual e outros investigados. Nos áudios, é possível perceber que a decisão de não interditar a fábrica foi tomada por influência política, já que ambos são filiados ao PMDB. Hoje, o partido deve se manifestar oficialmente sobre a operação.

“Apuramos, por meio de interceptação telefônica, que ele não deveria agir com o rigor porque foi indicado pelo partido para estar no cargo que ocupava”, afirma Rockenbach. A reportagem entrou em contato com Gerhardt, mas ele não quis se pronunciar. “Estou indo na secretaria para esclarecer o assunto. Eu estou muito nervoso, não entendo direito. Vou lá, e só depois vou falar.”

Gerhardt foi assessor parlamentar do ex-deputado federal, Júlio Redecker (PSDB). Deixou o cargo em 2007, depois a morte do político no acidente com avião da TAM em Congonhas.

Após, ele auxiliou o filho do parlamentar, Lucas Redecker (PSDB), e também atuou como assessor do ex-vereador de Lajeado, Rui Henke (PSDB). Em 2014, Gerhardt assumiu como gerente da empresa Stacione, responsável pela cobrança do rotativo em Lajeado, e onde ficou por um curto período. Em março de 2015, já filiado ao PMDB, assumiu a coordenadoria da 16ª CRS.

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