Tocar um instrumento com virtuose exige anos de prática e estudo. O agricultor Henrique Übel nascido em um distrito de Estrela (onde hoje fica a localidade de Linha Schmidt, Westfália), em agosto de 1906, foi além de aprender e tocar, fez história.
Aos 15 anos, aprendeu os primeiros acordes no bandoneon com um tio. Durante o dia, o arado e a enxada eram as ferramentas de trabalho. O som extraído não era harmonioso quanto o instrumento que aprendera, mas necessário para ajudar no sustento da família.
A música se tornou a grande paixão. Durante a noite e em períodos de folga, animava festas familiares e de vizinhos. Quando completou 23 anos, casou-se com Wilma Rex e mudou-se para o centro de Estrela. Juntos tiveram três filhos: Erno, Íris e Herbert.
A meta era se aproximar das áreas mais populares e se especializar na música. A agricultura continuava como principal atividade.
Quatro anos depois, Henrique Übel adoeceu. Com pleurisma, passou por três cirurgias. Durante a recuperação, desejou a possibilidade de tocar mais instrumentos de uma só vez. O foco não estava mais na agricultura. Com os pés na roça, pensava em diferentes formas de realizar o sonho.
A casa virou uma oficina e, para conseguir o som de um piano, criou um instrumento de cordas que poderia ser tocado com os pés. A primeira adaptação abriu um leque de possibilidades.
Gaitas de boca, flautas, acordeon, pistão, escaleta, bumbo e pratos foram agrupados formando um grande aparelho. A cada instrumento, Übel adaptava um jeito de tocar. O piano com os pés, O fole do acordeon com os joelhos e as teclas com o polegar direito. O queixo e o nariz movimentavam as diferentes gaitas de boca. O cotovelo manipulava e extraía som do pistão.
Em sintonia com o equipamento, o corpo de Henrique produzia algo inovador e impressionante. O homem-orquestra deixou a agricultura devido aos problemas de saúde. A partir disso, dedicação exclusiva à música. A primeira apresentação em Porto Alegre ocorreu durante a comemoração do Centenário da Revolução Farroupilha.
O Jazz Band de uma pessoa começou a trilhar caminhos pelo interior do estado, chamando atenção em shows de uma hora. As viagens eram feitas com carros adaptados por ele. Apresentações em rádios, reportagens em jornais e entrevista na TV Tupi tornaram Übel conhecido. A fama perpassou as fronteiras do Vale, assim como as dúvidas e curiosidades sobre o equipamento. Quem ouvia falar queria conferir de perto.
Durante um show, o músico foi desafiado a provar que o grande instrumento não era uma farsa. Ciente da capacidade e da invenção que criara, pediu que todas as luzes do salão fossem apagadas e provou que não era playback. No escuro, tocou com destreza e ganhou ainda mais respaldo.
A trajetória recebeu impulso internacional com o convite de um pastor para ir à Alemanha. Embora soubesse da importância da divulgação do trabalho fora do país, a viagem teria outro objetivo. Übel queria mais tecnologia para ampliar os instrumentos e retornar ao Brasil com ideias novas. Nem tudo ocorreu como esperado e a turnê ficou na divulgação da sua banda de um homem só.
Ele e a mulher viajaram de navio. Pernoitaram na França e se hospedaram dois dias depois, na Alemanha. A primeira apresentação ocorreu para uma televisão alemã, Baden-Baden. Durante a estadia, participou de evento beneficente contra a fome no mundo e foi convidado a ser protagonista de um documentário, contando a trajetória. A TV Colônia dedicou um programa especial ao músico e transmitiu para 57 emissoras. Mais de 40 milhões de espectadores na Europa conheceram a genialidade de Henrique Übel.
Ao retornar, conseguiu adaptar e criar um novo instrumento. Com ele, apresentou-se para a TV Difusora, Piratini e Gaúcha. Durante a carreira que iniciou na agricultura, o músico se apresentou no interior do estado, em Santa Catarina, Paraná, Paraguai e Alemanha. Em 1973, aos 67 anos, Henrique morreu, deixando reticências à história.
Legado pulsa no Vale
Conforme o neto Airton Übel, 60, a convivência com o avô era sempre didática. Durante o dia, o ritmo rápido animava a casa. À noite, o sono era induzido pelos acordes melódicos. O neto queria seguir os mesmos passos, mas o destino reservou algo mais amplo e que exigiria responsabilidade. “Comecei a aprender bandoneon, mas para meu avô tudo era fácil. Ele era um gênio e para ele tudo aquilo era simples. Talvez isso tenha me inibido um pouco, tanto que hoje não toco nenhum instrumento”.
Com o passar do tempo, Airton optou apenas pelos estudos, mas alimentou certa frustração por não ter seguido os passos do Homem-Orquestra. Certo dia, conversando com amigos, revelou o sentimento e obteve resposta que foi o divisor de águas. “Nem todo mundo é músico. Talvez se eu fosse músico, não teria como desenvolver os projetos e dar continuidade à vida de Henrique Übel. Pensar por esse novo ângulo me motivou ainda mais.”
Instituto preserva história
Airton se dedica à preservação do legado do avô. Faz quase seis anos que fundou o Instituto Henrique Übel (IHU), que financia aulas de música em Westfália. O projeto atende crianças de 12 a 14 anos matriculadas nas escolas municipais. O investimento é custeado por 40 associados ativos e anúncios no site da entidade.
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Homem-Orquestra na telona
Em maio de 2011, no dia internacional do Museu, o IHU anunciou o projeto de produção de um filme para retratar a vida do Homem-Orquestra. Passados cinco anos, apenas o roteiro foi finalizado e registrado no Rio de Janeiro. O impasse maior está na captação dos R$ 4 milhões para execução do longa-metragem. A expectativa é que o projeto evolua no segundo semestre. A gravação do filme deve ocorrer entre Teutônia, Estrela e Westfália.
Enquanto aguarda resultados da produtora, Airton Übel firmou parceria com a Secretaria de Cultura de Estrela na elaboração para turnê internacional Caminhos do Gênio, prevista para outubro deste ano. Aprovado pela Lei Rouanet, estão em fase de captação de recursos. O objetivo é levar a OSHU para apresentações nos mesmos locais onde o Homem-Orquestra se apresentou.
Além de mostrar os frutos da semente germinada faz mais de 73 anos, irão buscar imagens dos programas televisivos e do documentário estrelado por Übel. O material deve ser trazido para o Brasil e complementar o acervo histórico com algo inédito.
Centro Cultural será novidade
A história do Homem-Orquestra está dividida. No museu em Teutônia está o quinto conjunto de instrumento criado. A sede do IHU também é situada na cidade, mas as aulas de música são em Westfália. Depois do resgate histórico e formação da orquestra, Airton quer construir o Centro Cultural Henrique Übel.