A decisão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, proferida na quinta-feira da semana passada, foi unânime entre os magistrados. Todos decidiram pela condenação do prefeito Ricardo Rockembach, da ex-Secretária de Saúde, Elis Cristine Weizeimann Rempel e dois donos de farmácias, Janete Stefani Both e Guilherme Dertzbacher.
A investigação iniciou após o Departamento Nacional de Auditoria do SUS apontar irregularidades na compra direta e fracionada de medicamentos não básicos. Em parecer, sugeriu licitação, além de “evitar a contratação de empresas cujos sócios sejam parentes de funcionários ligados a administração.”
Conforme a denúncia do Ministério Público (MP) – ajuizada após investigação da Polícia Civil – entre os anos de 2009 e 2011, Rockembach e Elis dispensaram licitação para comprar de forma fracionada e por valores maiores em relação aos preços de mercado, medicamentos de duas farmácias pertencentes a familiares do atual e do ex-gestor do município, Genésio Roque Hofstetter.
O esquema, conforme o MP, ocorreria mediante descontos concedidos à população com base em uma lei municipal de 1999 e que subsidiava a compra de medicamentos. Para o juiz Mauro Borba, “o processo licitatório foi burlado, e os preços praticados causaram prejuízo à administração municipal”. Em três anos, foram R$ 519,9 mil em compras subsidiadas nas duas farmácias.
Segundo os autos do processo, a aquisição dos medicamentos ocorria quando moradores de Travesseiro não encontravam remédios na farmácia básica, “até de forma deliberada”, segundo o MP. Para tal, todos se dirigiam às duas únicas farmácias instaladas no município, onde faziam pesquisa de preço dos remédios, com base na receita médica.
De posse do orçamento, o paciente se dirigia ao Posto de Saúde, onde equipe realizava a análise do desconto a ser dado ao cidadão. Esse montante variava conforme a legislação municipal, entre 40% e 100%, dependendo do caso. Na unidade, era expedida a autorização para comprar o remédio. Para o MP, com preço acima do mercado. Após, o paciente voltava à farmácia e comprava a medicação.
Segundo a denúncia, as duas farmácias “foram diretamente beneficiadas pela compra direta, fracionada e superfaturada de medicamentos”. Para o MP, “valendo-se do desconto fornecido aos moradores de Travesseiro, os estabelecimentos praticavam o máximo preço previsto na tabela da Anvisa, sendo que Executivo arcava com o altíssimo custo dos medicamentos, beneficiando os empresários familiares.”
A Justiça, em primeira instância, condenou Rockembach à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, na modalidade de prestação de serviços à comunidade e mais multa. A ex-secretária e os dois empresários também prestarão serviços comunitários pelo período de dois anos, além do pagamento de multas.
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Detalhes do processo
Conforme a denúncia do MP, os dois proprietários das farmácias “concorreram comprovadamente para a consumação da ilegalidade, beneficiando-se da dispensa ilegal de licitação para firmar contrato com o poder público”. Nos autos, consta como exemplo a venda do remédio Citalopran pela farmácia de Guilherme Dertzbacher, sobrinho do atual prefeito.
Segundo apurou a procuradoria de Arroio do Meio, o preço máximo do medicamento era de R$ 73,09, segundo a Anvisa. Já nas farmácias da rede São João, ele poderia ser adquirido – com desconto concedido pelo laboratório – pelo valor de R$ 39,90. Dessa forma, cita o promotor, o desconto de 50% concedido ao paciente, que comprou o medicamento por cerca de R$ 36, é “fictício e os empresários lucraram às custas do dinheiro público”.
Além desses indícios, o MP apresentou demonstrativos das empresas, provando que a maior receita de ambas advinha dos subsídios repassados pelo poder público. Para o promotor, tal fato “não poderia ser diferente, considerando a população local de 2,3 mil habitantes e o fato de todos os munícipes poderem auferir o auxílio financeiro, independente da condição econômica”.
Detalhes da lei
O Executivo, com base na lei de 1999 – e suspensa após início das investigações em 2013 – estava autorizado a subsidiar medicamentos à população com descontos iniciais na ordem de 20 a 30%. Tal lei permitia aquisição em qualquer farmácia do município, e também de Nova Bréscia e Marques de Souza ou em qualquer outra localidade, nesses casos, com 5% de desconto.
A lei foi editada em 2002, estabelecendo desconto de 100% na medicação de uso contínuo adquirida nas farmácias estabelecidas em Travesseiro para as pessoas com idade superior a 65 anos. Essa legislação manteve os descontos de 20 a 30% aos demais medicamentos. Na época, o único estabelecimento era de propriedade de Janete Stefani Both, casada com o sobrinho do ex-prefeito.
Em 2009, já sob a gestão de Rockembach, a lei foi outra vez alterada, passando a conceder descontos ainda maiores, na ordem de 40%, 50% e 100% na aquisição de medicamentos junto às farmácias instaladas naquela cidade. Naquele ano, também estava estabelecida em Travesseiro a farmácia de propriedade do denunciado Guilherme Dertzbacher, sobrinho do atual prefeito.
A defesa dos condenados
Os condenados citaram carência de provas na denúncia, por não ter havido pedido de devolução de valores, isso porque o órgão acusador não soube apontar o suposto prejuízo causado ao erário municipal. Defendem que o argumento de ausência da licitação perde o sentido, pois a compra ocorre pelos cidadãos, e afirmam não encontrar indício de dolo ou de influência ao cometimento dos delitos, e sequer eventual benefício com a dispensa de licitação.
Relataram ainda não terem o dever de fiscalizar a lei, ressaltando, ainda, a inviabilidade da disputa pública no caso, não sendo possível prever quais os remédios que a população necessitaria. Disseram, ainda, que os remédios estavam de acordo com o preço da Anvisa, anotando que as farmácias são de porte pequeno, não podendo oferecer as mesmas condições das maiores.
“Vamos recorrer ao STF”
Rockembach lamenta a decisão judicial em primeira instância. “Estou muito chateado. É uma situação delicada. Sempre tentei fazer o melhor para o município. Não houve qualquer dolo, não há má-fé na lei. Não houve qualquer ganho de minha parte. Minhas contas estão abertas para quem quiser verificar”, salienta o prefeito, que não deverá perder a função pública diante desse processo.
Ele questiona a ilegalidade na dispensa de licitação. “É um subsídio. A compra é feita pelo paciente. Não há como saber o que será adquirido.” Sobre o parentesco com um dos donos das farmácias, ele afirma ser normal pelo fato de morarem em um município pequeno. “Muito antes de eu ser prefeito, ele já estava se formando nessa área. O estabelecimento não tem nada a ver comigo.”