Os bons preços recebidos pelos produtores nos últimos anos contribuíram para a expansão da área plantada e da produtividade da soja nas regiões tradicionais e nas novas fronteiras da agricultura.
Apesar do excesso de chuva, que provocou prejuízos pontuais, o RS, terceiro maior produtor do país, colherá uma nova safra recorde de soja. Levantamento final da Emater em 328 municípios, entre 17 e 23 de abril, mostra que a colheita será de 16,3 milhões de toneladas – 4,1% maior do que a registrada no ciclo anterior. No total de grãos, será a segunda maior safra gaúcha da história, com 28,93 milhões de toneladas, ficando atrás só de 2015.
As regiões de Erechim e Passo Fundo registraram as maiores produtividades, com 3,47 mil quilos e 3,42 mil quilos por hectare, respectivamente. A supersafra representa um faturamento de R$ 19,3 bilhões para a economia gaúcha.
Alencar Rugeri, assistente técnico estadual de Soja da Emater, atribui o bom resultado das lavouras ao aumento de 3,9% na área plantada, cuidado com o solo e investimentos em tecnologia de precisão.
Mesmo com a cotação em alta, R$ 77 a saca de 60 quilos, recomenda a venda escalonada. “Nunca vamos acertar o momento em que a cotação alcança maior valor. A conjuntura internacional, dólar, oferta, demanda, clima são situações muito distantes da lavoura e fora do domínio do produtor.”
Mesmo com a maior parte da frota de máquinas acima de 20 anos de uso, Rugeri sugere cautela na hora da troca. “É preciso analisar a real necessidade e qual a vantagem disso.” Como as margens dos últimos três anos foram altas para a maioria dos produtores, a opção deles bancarem parte da safra é uma saída para evitar a contratação de dívidas. “Ter um capital reserva é o ideal para enfrentar eventuais dificuldades.”
Segundo Rugeri, antes de ampliar a área, é preferível dar mais atenção ao solo, qualidade dos insumos, sementes e pulverização, fundamental para fazer o controle de pragas e doenças. “Muitas vezes este maquinário e a tecnologia de aplicação é mais importante do que um trator ou colheitadeira.”
A estimativa é de que a produtividade das lavouras fique em 2.938 quilos por hectare (49 sacas). Conforme levantamento da entidade, a safra total de verão chegará a 28,8 milhões de toneladas – a segunda maior da história. O valor bruto da produção atingirá R$ 28,9 bilhões.
Para o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja), Décio Teixeira, o setor deve retomar os investimentos após a crise política ser solucionada.
Há investimentos, no entanto, que precisam ser feitos para a engrenagem agrícola continuar rodando – de equipamentos a sementes, fertilizantes e defensivos. Mas a decisão de investir em máquinas e equipamentos, alerta o analista, não depende apenas de bom resultado da safra, mas de disponibilidade de crédito no mercado. “O produtor vai investir naquilo que é necessário, disso não tem como fugir, até porque ele precisa manter os mesmos níveis de produtividade para compensar os altos custos de produção”, aponta.
Menos disposição para investir
Segundo o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil), Almir Dalpasquale, a indefinição política e econômica contamina o entusiasmo e reflete em menor disposição na hora de investir. Um dos setores mais afetados será o de máquinas agrícolas. No primeiro trimestre, as indústrias operaram com 73% de ociosidade e produziram 7.349 unidades.
A produção de tratores, cultivadores e colheitadeiras caiu 52,2% na comparação com o mesmo período de 2015. Com o baixo uso da capacidade instalada, as fabricantes têm adotado, desde 2015, medidas como redução de jornada e folgas para tentar evitar demissões, a exemplo do que fazem as montadoras de veículos. Há empresas cujos funcionários têm férias coletivas comprometidas até 2018.
Apesar das medidas, nos últimos 12 meses, o segmento eliminou 2.592 vagas e emprega hoje 15.242 funcionários, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Atrelados à lavoura, estão setores fornecedores, como as indústrias e revendas de insumos, sementes e máquinas agrícolas. Das 32,2 milhões de toneladas de fertilizantes comercializadas no Brasil em 2014, 13 milhões foram destinadas à lavoura de soja, número bem acima da cultura seguinte, o milho, com 5,3 milhões de toneladas, informa o levantamento da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda).
Grão estocado
Apesar dos bons resultados de produtividade no ciclo atual, a crise no cenário político e econômico traz incertezas ao produtor de soja. As mais de seis mil sacas do grão colhidas em cem hectares cultivados neste ciclo pelo agricultor Ruben Müller, de Teutônia, foram estocadas.
A esperança é de uma melhor valorização nos próximos meses. “A oscilação do dólar fez o valor da saca cair R$ 8 nas últimas semanas. Pelas projeções de analistas, a cotação aumenta, por isso, prefiro não vender.”
O rendimento obtido por hectare é considerado bom, apesar da instabilidade meteorológica provocada pelo El Niño. Para o próximo ciclo, projeta mais dificuldades e margens de lucro apertadas. Na safra atual, o custo de produção aumentou em torno de 20%. “Além da previsão do clima ser menos favorável, a gente não sabe em quanto ficará o preço dos insumos, a cotação do dólar e a situação do país. Tudo influencia e reflete diretamente nos rendimentos da nossa lavoura.”
O irmão Edo Erno faz a mesma análise. Diante do cenário, nenhum financiamento será feito. Comprará somente com recursos próprios. “Alguns estão empolgados, compram máquinas e terras. Não é hora de fazer dívidas. Nunca se sabe o que vem pela frente.”
Colheita só com a foice
Às 5h, Senésio Selgen e Marco Rambo, de Alto Conventos, seguem para a lavoura de soja. No terreno íngrime, o uso de qualquer maquinário é inviável. Todo trabalho, do plantio à colheita, é manual.
As plantas são cortadas com uma foice e colocadas em pequenos feixes. “Por dia uma pessoa consegue cortar até 20 sacas”, calcula Selgen. Após, são recolhidos com uma carroça e levados até a trilhadeira, instalada em um local plano.
Neste ciclo, foram cultivados em torno de três hectares e a produção chegou a quase 50 sacas. “É difícil, dá muita dor na coluna, mas já estamos acostumados. Colhemos assim há mais de 50 anos”, conta Selgen.
Ele recorda da época em que a cultura era a principal fonte de lucro nas mais de cem propriedades rurais da localidade, a única agrícola de Lajeado. “Algumas famílias colhiam até 600 sacas por safra, tudo à mão. O trabalho sofrido fez os jovens buscarem emprego na cidade e, sem mão de obra suficiente, os pais abandonaram a atividade. Apenas eu continuo no plantio, isso até me aposentar.”
O vizinho, com o qual troca serviço, trabalhou por 20 anos em indústrias e há dois voltou a se dedicar à lavoura após se aposentar. “Se tivéssemos uma área adequada para o uso de máquinas, com certeza poderíamos aumentar a nossa produtividade e reduzir o trabalho braçal.”
Por ciclo, Rambo planta quatro hectares de milho, em duas etapas – silagem e produção de grãos. Tudo é destinado para a engorda de animais. Ele conta que a maioria das propriedades foi comprada por moradores da cidade e transformada em chácaras.
Diante da instabilidade, produtor diversifica
Para manter a renda estável mesmo em épocas de crise, o produtor Otávio Reinaldo Hinrichsen (foto de capa), de Cruzeiro do Sul, aposta na diversificação. Além dos cinco hectares de soja, planta três hectares de aipim (duas mil caixas) e outros dez de milho-verde (40 mil espigas), ambos vendidos para a Ceasa de Porto Alegre.
Neste ciclo, colheu 300 sacas de soja, vendidas a R$ 65 cada. No entanto, o resultado financeiro, mesmo com o valor maior devido à valorização do dólar, ficará igual ao do ano passado em virtude do aumento nos custos.
A área será mantida na próxima safra. Hinrichsen descarta qualquer tipo de investimento em máquinas ou financiamentos. “Não vou abrir mão da qualidade das sementes ou usar doses menores de adubos e agroquímicos. Até pretendo investir em esterco de galinha para melhorar a fertilidade do solo, pois disso depende parte do sucesso da lavoura.”
Viável pela mão de obra
Conforme o engenheiro agrônomo Nilo Cortez, antigamente todo serviço de plantio, controle de inço e colheita era feito à mão. As famílias mais numerosas garantiam a oferta de mão de obra para todas as etapas produtivas.
As sementes eram de origem crioula. Em cada safra, os melhores exemplares eram selecionados e cultivados na época considerada a ideal, de acordo com a fase da lua. “Tinha gente para plantar no dia específico. Hoje, plantar assim é inviável.”
Cortez destaca que havia um controle natural das lagartas e demais pragas nas lavouras de milho e soja, plantadas em consórcio nas mesmas áreas. “Existia pouco espaço para as mariposas voarem, o chão estava coberto e a presença de folhas e pendões atrapalhava. Ocorriam problemas apenas nas beiradas.”
Com a expansão da área urbana, instalação de fábricas e abertura de vagas de emprego, os jovens deixaram o interior. As áreas planas foram arrendadas e todo serviço é executado com o auxílio de máquinas. A maioria das propriedades com áreas íngremes foi reflorestada ou se transformou em pastagem.
Apetite chinês aumenta
De acordo com o engenheiro agrônomo e analista financeiro, Fernando Muraro, a China deve consumir uma média de 4,7 milhões de toneladas de soja em cinco anos. No mesmo período, a estimativa é que a América do Sul produza 7,5 milhões de toneladas do grão. “A diferença na oferta e demanda tornará o mercado de soja do ciclo 2015/16 escorregadio.”
Para Muraro, o El Ñino contribuirá para a produtividade da soja e do milho no país, mas ganha vantagem o produtor que entender a relação oferta e demanda do ciclo e que saiba negociar o grão. “Diferente do que observamos em temporadas anteriores, estocar grãos não significa valorizar o produto. Alto estoque quer dizer menos chance de negócio e baixa volatilidade”, comenta.
Ivan Wedekin, diretor da Wedekin Consultores, com uma das menores taxas de subsídio público do mundo, de apenas 4,4% de investimento governamental, quem atua no campo precisa encontrar alternativas para continuar produzindo com qualidade e menos recursos. “A saída é o crédito rural, que saltou de R$ 42 bilhões em 2005 para R$ 154 bilhões em 2015”. A estratégia parece estar funcionando. Não à toa, a produtividade nas lavouras mantém crescimento de 3,53% ao ano desde 1975 e o Brasil já é considerado referência em pesquisa e tecnologia no campo.
A boa notícia é que o interesse da China por soja e milho deve crescer mais, já que os asiáticos apostam na expansão da produção de suínos e os farelos de milho e soja terão mais procura.
Outra notícia boa para o produtor brasileiro, segundo o analista de mercado da Agrinvest, Marcos Araújo, é o excesso de chuvas na Argentina, cuja perda está estimada em até cinco milhões de toneladas. O clima adverso afeta a qualidade do grão no país, que é o maior exportador mundial de farelo e óleo de soja. Com esse cenário, os preços em Chicago podem ultrapassar os US$ 10 por bushel em curto prazo. O momento é positivo para fechar negócios.
Cenário turbulento
O cenário de incertezas confunde até especialistas. Analistas projetam o câmbio entre R$ 2,50 e R$ 5 ao longo do ano. Segundo o consultor em Agronegócio, Carlos Cogo, esse é o item que define a competitividade no mercado externo.
Apesar de cotado próximo a US$ 11, preço bem mais baixo do recorde próximo a US$ 17 registrados em 2012, o valor da saca de soja na Bolsa de Chicago não deve sofrer novas quedas. Alerta para a ocorrência do La Niña, que historicamente oferece risco à produção de milho, soja, trigo, açúcar, algodão e café. “O inverno deste ano deve ser mais frio e menos chuvoso.”
A área de cultivo de grãos deve crescer 1,3% em 2015/16, para 58,611 milhões de hectares, uma expansão de 760 mil hectares em relação aos 57,851 milhões de hectares de 2014/15. “Entre 2009 e 2016, houve uma expansão de 24,5% na área ou 11,5 milhões de hectares.
A produção de soja, projetada pela USDA, está estimada em cem milhões de toneladas.
A projeção de exportação, entretanto, foi elevada para 59,5 milhões de toneladas. A China consumirá 95,2 milhões de toneladas e as importações tendem a aumentar em 5,9% neste ciclo.
Segundo Cogo, o avanço da colheita e da oferta interna, com o aumento da esmagamento, pressiona as cotações para baixo. No médio e longo prazo, os principais fatores que influenciarão os preços futuros são o clima durante o desenvolvimento da safra 2016/17 nos Estados Unidos, a demanda importadora por parte da China, as oscilações do dólar nos Estados Unidos e do real no Brasil.
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Reflexo positivo no comércio
Quando a safra é boa, todo mundo ganha. A soja gera um lucro que o agricultor vai gastar no comércio direto, comprando o que precisa para continuar no negócio, como máquinas agrícolas e fertilizantes.
Sempre que pode, o produtor investe em novas tecnologias e maquinários. A última compra dele ajudou a manter os 40 empregos diretos gerados na Trator Peças Mário de Lajeado. “Dependemos de todos os investimentos feitos por eles, tanto como maquinários, peças, serviços. A retração dos negócios ocorreu pela oferta de crédito mais restrito e baixa confiança dos agricultores”, diz o diretor-comercial Fábio Nietiett.
Apesar do cenário, o empresário está otimista e projeta aumento nas vendas a partir do segundo semestre. Argumento justificado pela safra recorde, preços estáveis e o fato de o agricultor precisar investir cada vez mais em tecnologia para amenizar a falta de mão de obra e garantir maior produtividade. “Os tratores e demais implementos avançam muito rápido. Ninguém mais fica com a máquina por 30 anos. Essa troca é feita a cada seis, tendo em vista a possibilidade de obter mais economia, rendimento e menos perdas.”
A queda nas vendas era esperada, segundo Nietiett, tendo em vista o desempenho da economia, dificuldades de conseguir linhas de financiamento, juros mais elevados e a compra antecipada, já que em 2013 e 2014 a oferta de crédito era melhor com juros mais acessíveis e o produtor aproveitou para renovar a frota.
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