Seco completa dez anos atrás das grades

Maior assaltante do RS

Seco completa dez anos atrás das grades

Preso durante uma ação comandada pela Polícia Civil, José Carlos dos Santos, o “Seco”, ostentava a primeira colocação entre os criminosos mais perigosos da Região Sul. Personagens da prisão recontam histórias do dia 13 de abril de 2006, quando o assaltante foi preso em um posto de combustíveis às margens da BR-386.

Seco completa dez anos atrás das grades

“Me chamo Rogério.” Foi assim, deitado e fingindo uma convulsão sobre o acostamento da BR-386 que José Carlos dos Santos, o Seco, se identificou ao comissário do Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil (PC), Mauro Alves. Era o fim da liberdade para o criminoso mais procurado da Região Sul.

A caçada policial perdurava por mais de quatro anos. O assaltante de carro-forte era alvo de, no mínimo, três dos mais expressivos departamentos da PC. O Deic, Roubo de Cargas e Equipe de Capturas da PC estavam atrás do homem de 26 anos, nascido no interior de Candelária. Seco aprendeu a manusear explosivos abrindo açudes e se tornou perito na direção de carros, caminhões e retroescavadeiras.

“Zé da Retro”, apelido que ganhou pela habilidade com a máquina agrícola, viu o cerco se fechar após o assalto contra o prédio da empresa de valores Proforte, no centro de Santa Cruz do Sul.  Estima-se que mais de R$ 3 milhões tenham sido levados pelo bando de dez assaltantes. Foi considerado o maior roubo da história do RS.

Eram quase 23h30min do dia 10 de abril de 2006. Um caminhão-guincho, roubado da Santa Cruz Rodovias minutos antes, foi usado para derrubar a parede da empresa e facilitar o acesso aos cofres.  Era essa a principal característica dos assaltos de Seco, que costumava usar caminhões para derrubar carros-fortes em rodovias estaduais. Protegido por colchões e usando capacete, ele mesmo costumava ficar na boleia orientando ou mesmo dirigindo.

Na fuga, o bando foi interceptado por quatro policiais militares. Houve intensa troca de tiros. O capitão da Brigada Militar (BM), André Sebastião dos Santos, foi morto com um disparo de fuzil 762 na cabeça. A soldado Gheisa Marques ficou ferida. Os quadrilheiros usavam munição “traçante”. Todos conseguiram fugir. Seco, por pouco tempo.

A fuga de Viamão

A equipe de Capturas da PC foi até Santa Cruz do Sul naquela segunda-feira. “Mas logo descobrimos que haviam fugido para a região de ‘Águas Claras’, em Viamão. Uma área rural extensa, com muitos sítios afastados”, conta o policial Alves.

Os três departamentos da PC, com apoio da BM, estavam dedicados à prisão de Seco. As fugas depois dos crimes constrangiam os órgãos de segurança, tanto que o governo do Estado investiu alto. Levar o assaltante à Justiça virou prioridade.

A região de ‘Águas Claras’ e outras comunidades próximas foram sitiadas. Operações parecidas também ocorreram nos vales do Rio Pardo e Taquari. “Fizemos movimentos nas estradas vicinais. Ninguém passava sem se identificar”, relembra Alves.

Mas Seco estava bem escondido. E por volta de 1h do dia 13 de abril os chefes da chamada Operação Lince – alusão ao animal ágil e esguio – resolveram liberar os policiais para um descanso. Estavam todos desde a madrugada do dia 10 no encalço do criminoso.

Foi nesse momento que Seco deixou o esconderijo, dirigindo um Audi A3, cor prata. Estava sozinho no carro. No caminho que o levou da área rural de Viamão até a BR-386, cruzou por ruas e estradas enlameadas, sem ser flagrado pela polícia, mas sujando de barro o veículo roubado em Vacaria dias antes.

“Segui na escuta. Percebi quando se movimentaram”

O comissário Mauro Alves não foi dormir. Ficou mais algum tempo ligado na central de monitoramento dos telefones grampeados e percebeu movimentação de Seco e dos comparsas. Um deles era Carlos Henrique Fernandes, o “Gordo”, então com 34 anos, que também participara do assalto à empresa Proforte.

“O Gordo não foi junto com eles até Viamão. Ficou no mato durante três dias, só comendo barra de cereal, e sempre próximo à BR-386, em Paverama. Naquela madrugada do dia 13, estava perto de casas noturnas, próximo ao Posto Rosinha.”

Ainda em Canoas, Alves chamou apoio de outros três colegas, os policiais civis Carlos Jannes Motta, Clairton Felix Segatto e Henrique Almeida da Costa. Certos de que Seco estava indo em direção ao Vale do Taquari para resgatar o comparsa, seguiram em dois veículos sem identificação – um Astra e um Vectra – pela BR-386 em direção a Lajeado.

Os quatro policiais não tinham certeza sobre o carro de Seco. Mas sabiam: “Ele era muito cuidadoso nos telefonemas. Sabíamos, pelas investigações, que ele gostava muito do Audi A3. É um carro turbo. E pelas conversas interceptadas, tudo indicava ser da cor prata.”

“Eu vi o carro deles abastecendo”

No caminho entre Porto Alegre e Paverama, os policiais vieram monitorando Seco e um “batedor”. “Um motorista ia com outro carro na frente dele, passando informações sobre qualquer movimentação da polícia.” Eram quase 3h quando os policiais chegaram ao Posto Rosinha, em Paverama. Havia pelo menos cinco caminhões estacionados no pátio, onde também funcionam um hotel e um restaurante.

“Encostei o carro ao lado de um caminhão. O caminhoneiro comia um carreteiro. Iria perguntar se ele havia visto um Audi, mas parei no meio da pergunta. Sem os caminhões obstruindo a visão das bombas, eu vi o carro deles abastecendo”, conta Alves.

Nesse momento, um frentista conversava com os assaltantes. Estava ao lado da porta do motorista. Alves avisou os colegas que estavam no outro veículo, e os dois carros disfarçados da PC se movimentaram para bloquear a saída do Audi. Após se identificarem, foram recebidos a tiros.

“O Gordo começou a atirar de dentro do carro, pelo para-brisa. Usava uma pistola 9mm. Foram mais de dez tiros, mas nenhum nos acertou.” Os policiais revidaram, utilizando-se também de um fuzil emprestado pela BM dias antes, e que apresentava alguns defeitos.

Seco tentou a fuga. De marcha à ré, e em alta velocidade, conseguiu desviar do carro dirigido por Alves. Mas não de um caminhão estacionado próximo à placa de identificação do posto, cujo motorista dormia na cabine. “Ele tentou fazer uma manobra e ficar de frente para a BR. Por pouco não conseguiu. Ele era muito ‘braço’. Muito bom motorista”, comenta Alves.

Com a lataria do Audi presa no caminhão Mercedes-Benz, Seco e Gordo voltaram a disparar contra os quatro policiais. “O Gordo descarregou uma Ak-47 (fuzil) na gente. E o Seco estava com uma 9mm (pistola). Ele também descarregou na gente. Tudo de dentro do carro. Nos entrincheiramos atrás das viaturas e atiramos de volta.”

“E aí meu, qual o teu nome?”

Foram de três a quatro minutos de tiros. Diversas janelas do restaurante foram estilhaçadas. Até ali, mais de 200 disparos haviam sido efetuados, 12 deles atingindo as viaturas policiais. Um agente foi ferido no dedo.
Após o tiroteio, veio o silêncio. “De repente, todos pararam de atirar. A minha pistola estava descarregada. Acho que todos estavam carregando suas armas naquele mesmo momento.”

O silêncio foi quebrado pelo barulho de uma das portas do Audi abrindo. Era Gordo. O comparsa de Seco saiu correndo em direção à rodovia. Dois policiais foram atrás dele. Segundos depois, o bandido mais procurado do estado saiu rastejando – e atirando – do carro.

Seco também se movimentava em direção à BR-386, mas na direção oposta à Gordo. Alves foi atrás. “Ele já estava baleado nas costas, mas saiu atirando.” O policial encontrou a arma de Seco ainda carregada no gramado entre o posto e a pista da BR. “Mas não via ele. Estava muito escuro.”

Foi então que Alves olhou para o acostamento da rodovia. Sob as luzes de faróis, viu um vulto se arrastando. Correu até ele e o imobilizou. Seco estava desarmado e sangrando.  “E aí meu, qual o teu nome?”, questionou Alves. “Me chamo Rogério”, mentiu o criminoso. Patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal (PRF) já estavam lá para auxiliar na custódia do criminoso e, segundo versões, teriam efetuado o disparo que atingiu o criminoso na perna, causando-lhe uma fratura exposta.

Seco estava preso. E fingindo-se de morto. Do outro lado da rodovia, quase dentro do mato, Gordo também sucumbira aos tiros e, ferido, recebia a voz de prisão. Em Lajeado, outro comparsa, Paulo Jusemar Landin, era preso no bairro Planalto.

No Audi, crivado de balas, ficaram uma granada, ‘miguelitos’, uma pistola .40, dois coletes à prova de bala, carregadores, uma touca ninja, dois celulares e o fuzil 762, usado no assalto à empresa Proforte três dias antes.

“Ele pagou R$ 111 para abastecer”

O frentista que atendeu Seco antes da abordagem policial lembra com detalhes daquela madrugada de quinta-feira. Ele estava sozinho no posto. Havia apenas um segurança atuando no restaurante ao lado. “Eles pediram para encher o tanque. Não desceram do carro. Abriram só uma ‘frestinha’ da janela.”

Após abastecer o veículo, Seco, que vestia uma jaqueta de couro preta, pediu um favor. “Ele me ofereceu R$ 10 a mais e pediu se era o suficiente para eu passar uma água no carro. Estava com bastante barro”, lembra. O frentista aceitou a proposta. Usou uma mangueira para lavar o Audi.

Ele estava esguichando água na traseira do carro – que já estava ligado nesse momento – quando percebeu o Astra conduzido pelos policiais chegando. “Ouvi eles gritando alguma coisa. Mas com o barulho da água, não entendi. Então logo começou uma sequência de tiros.” O frentista deitou no chão atrás do carro de Seco e protegeu a cabeça.

Segundos depois, percebeu a luz de marcha à ré acendendo. “Rolei para o lado e o carro deles quase passou por cima de mim. Depois disso, quando cessou um pouco os tiros, corri para os fundos do posto e só saí de lá quando as ambulâncias da Sulvias vieram buscar os feridos”, lembra. Após abastecer as ambulâncias, seguiu trabalhando no restante do turno. O encontro com Seco e Gordo será contado aos netos e bisnetos, diz.

Empresário do crime

Seco foi visto outras vezes naquele mesmo posto. Esteve lá uma semana antes. Por vezes, até jantou no restaurante ao lado. “Poucos o conheciam. Nunca havia sido preso. As únicas fotos eram de documentos antigos”, lembra Alves.

Mas alguns o conheciam. Por medo ou talvez algum outro sentimento, não o denunciavam. Bem articulado. Inteligente. Educado. Ousado. Corajoso. Boa pinta. São alguns adjetivos ditos por quem conviveu, mesmo que pouco, com Seco.

O inspetor da PC, Alessandro Maeda, então na Delegacia de Repressão ao Roubo de Veículo, monitorou Seco por quase um ano. Recolhido à Pasc, o criminoso contava com pelo menos três chips de celular dentro da cela. “É um empresário do crime. Não se ‘embola’ com ladrão de galinha.”

Acabou preso mesmo já dentro da prisão de segurança máxima. Durante a Operação Trinca Ferro, do Deic, as interceptações telefônicas provaram que ele se articulava com outros criminosos – entre eles um dos principais traficantes do estado – e estaria migrando para outros delitos, entre eles, roubo, furtos e venda de carros, caminhões e retroescavadeiras.

Interrogado por Maeda e outros agentes, em novembro de 2014, riu quando ouviu detalhes das próprias conversas. “Ele não riu em tom de deboche. Mas porque sabia que tinha ‘caído’. E daí ‘caiu’ na elegância”, lembra o inspetor. Seco, acusado também de aliança com a facção “Balas na Cara” para traficar drogas, negou que fosse sua a voz nas gravações.

Pena de 205 anos. MP quer mais

Os julgamentos de Seco e dos comparsas costumam parar as cidades. Foi assim em Lajeado, em setembro de 2006, quando até uma retroescavadeira foi usada para bloquear o acesso de veículos ao Fórum na av. Benjamin Constant. O mesmo ocorreu em Candelária, Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul e Teutônia.

E foi em Teutônia que o criminoso recebeu a mais recente condenação. Acusado pelo promotor de Justiça, Jair Franz, o assaltante foi punido com mais 21 anos e dois meses de prisão pela tentativa de homicídio dos quatro policiais civis que atuaram durante a prisão. Com isso, soma uma pena total de 205 anos. O MP recorreu, pedindo uma punição mais severa.

No sistema carcerário gaúcho, há só dois detentos que superam 200 anos. Além de Seco, o paranaense Adriano da Silva, preso em janeiro de 2004, acusado de matar 12 meninos entre 8 e 13 anos no norte gaúcho, é quem tem a maior pena, de 232 anos. Ambos estão recolhidos na Pasc, em Charqueadas. Como a legislação não prevê mais de 30 anos de regime fechado, o criminoso pode ser solto até 2036.

Assaltante recebeu uma das maiores penas já aplicadas pelo Judiciário gaúcho

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