Fugas expõem a fragilidade do presídio

Segurança pública

Fugas expõem a fragilidade do presídio

Sete detentos escaparam do Presídio Estadual de Lajeado em um intervalo de 11 horas. Foram duas fugas entre o fim da tarde de segunda-feira e a madrugada de ontem. Todos foram recapturados. A situação traz à tona discussões sobre a superlotação das celas, a falta de infraestrutura e o baixo número de agentes penitenciários.

Fugas expõem a fragilidade do presídio
Lajeado
oktober-2024

A primeira fuga ocorreu às 16h30min de segunda-feira. Os detentos do regime fechado estavam no chamado banho de sol quando quatro deles conseguiram escalar os muros e dar início a uma das tardes mais tumultuadas dos últimos meses na penitenciária.

Tiros de calibre 12 antimotim foram disparados para conter os criminosos, que acabaram presos minutos depois nas proximidades. O detento Alexsandro Leal da Silva, natural de Santa Maria, foi localizado pelos agentes ainda nas imediações do presídio. Entre as ocorrências na ficha criminal, responde por homicídio, porte de arma de fogo e tráfico de drogas.

Fernando Pablo Alves, natural de Brusque/SC, e Lucas Ismael da Silva, de Lajeado, foram encontrados perto do viaduto sobre a ERS-130. Ambos têm mais de uma página de ficha criminal, em especial por furtos e roubos. Joílson Diego da Rosa, de Bom Retiro do Sul, foi recapturado próximo ao depósito do Imec. Com mais de uma página e meia de ocorrências, responde ainda por homicídio.

Quando a situação parecia controlada, nova fuga. Às 3h30min de ontem, Jean Carlos dos Santos Bitencourt, de Cruz Alta, Maurício Brambati, de Jaraguá do Sul/SC, que responde por homicídio cometido no ano passado em Lajeado, e Matheus Henrique Voigt, de Lajeado, escaparam da cela por um buraco feito na parede, escalaram a parede até o telhado e pularam o muro situado de frente para a rua Waldemar Ely – via da rodoviária.

A ação foi acompanhada pela câmera de videomonitoramento instalada na esquina com a av. Benjamin Constant. Ao pular o muro, dois dos detentos se machucaram. Mesmo assim, o trio correu em direção à rodoviária e se escondeu. Todos foram presos instantes depois nas redondezas. Um deles fraturou a perna com a queda e precisou passar por cirurgia.

De acordo com dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), ocorreram três tentativas de fuga e 12 fugas neste ano, sendo que 11 detentos foram recapturados instantes depois de deixar o presídio e o outro, encontrado duas semanas depois.

Recapturados causam tumulto

Os sete detentos foram encaminhados para uma cela isolada no presídio e, embora alguns estivessem machucados, passaram a madrugada e o dia de ontem causando tumulto. Além de ameaçar os agentes penitenciários, inclusive de morte, chutavam as paredes no intuito de derrubá-las e tentar nova fuga.

Por volta das 14h15min, os agentes precisaram efetuar disparos de calibre 12 antimotim contra o grupo para acalmar os ânimos. “Só assim eles pararam de chutar tudo e foram para o fundo da galeria”, aponta o chefe de segurança, Éberson Bonet. Em virtude da agitação, aulas e audiências foram suspensas.

Ainda à tarde, a direção da penitenciária recebeu autorização da Vara de Execuções Criminais (VEC) para transferir 18 detentos ao Presídio Estadual de Venâncio Aires (Peva). Tais transferências haviam sido solicitadas há mais tempo e não têm relação com as fugas. “Mas reduzir a superlotação é a nossa principal estratégia para manter a ordem”, destaca o delegado regional da Susepe, Eugênio Eliseu Ferreira.

A transferência ocorreu entre 17h30min e 18h. Foi necessário apoio de equipe do presídio de Santa Cruz do Sul. De acordo com Bonet, 12 detentos foram encaminhados à Peva. Os demais devem ir hoje. A direção ainda aguardava, até ontem à noite, autorização para transferir os sete presos que tentaram fugir.

Triplo da capacidade

O presídio de Lajeado compartilha a caótica situação enfrentada em outras penitenciárias: a superlotação. Com capacidade para 122 detentos em regime fechado, tem 362. A condição, associada ao baixo número de agentes, motivou dois pedidos de interdição desde o ano passado.

O primeiro foi protocolado pelo Ministério Público, mas negado pelo então juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC), Luís Antônio de Abreu Johnson. O outro pedido é elaborado pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado.

De acordo com o presidente do sindicato, Flávio Berneira, o presídio está com o número de presos três vezes acima da capacidade e necessita ser interditado “urgentemente”. Com a aceitação da medida, nenhum novo detento seria destinado a Lajeado. Reivindica ainda, com a mesma pressa, o dobro de servidores para a cidade.

Esgoto entope e invade avenida

As deficiências da penitenciária vão além da superlotação e do baixo número de agentes. No início desta semana, a tubulação de esgoto da casa prisional entupiu, pela terceira vez nos últimos seis meses, e os dejetos escorreram pela av. Benjamin Constant.

Equipes do município identificaram o local do problema e abriram um buraco para o conserto. Segundo pedreiros que trabalharam na reparação, os canos de PVC de 30 polegadas não dão conta da demanda.

Construído e projetado para a demanda de 68 presos, o esgoto é ligado diretamente na rede pluvial, que tem 40 polegadas. Para o profissional, é preciso trocar toda a rede. Caso contrário, outros problemas de entupimento surgirão em breve. A demanda é muito maior do que a capacidade de escoamento.

Uma década de problemas

2006: no dia 21 de julho, o Governo do Estado anunciou a construção de um novo presídio. O Executivo municipal disponibilizara terreno no Santo Antônio. Teria capacidade para 500 apenados e estava orçado em R$ 9 milhões. A previsão era finalizá-lo até 2008;

2007: em março, presos incendiaram albergue e foram transferidos para Salão Paroquial da igreja Santo Inácio de Loyolla, onde ficaram por mais de um ano. Conselho da Comunidade e prefeitura uniram verbas e construíram um novo albergue, inaugurado em abril de 2008;

2008: houve uma tentativa de resgate de presos com troca de tiros entre presidiários e BM. Após, juiz mandou interditar parcialmente algumas galerias;

2008: no dia 21 de janeiro, o governo estadual anunciou pela segunda vez a construção do novo presídio. Dessa vez, orçado em R$ 16 milhões e com capacidade para 672 apenados. A previsão era conclui-lo até 2010;

2009: BM realiza intensa revista e encontra drogas, celulares e armas brancas. Poucos dias depois, agentes encontraram explosivos em uma cela;

2009: ação do MPF barrou o início das obras do novo presídio pela falta de estudos de Impacto Ambiental e de Vizinhança. Meses depois, Estado anuncia que verba de R$ 16 milhões caducou;

2009: direção do presídio decide aceitar só apenados nascidos e residentes na Comarca local. Com isso, diversos presos foram liberados por falta de vagas;

2011: em julho, após a Susepe descobrir plano de fuga em massa, oito presos perigosos foram transferidos para outras casas prisionais em Bagé, Caxias do Sul e Passo Fundo;

2011: em agosto, Cheular Bergmeier, 33, que cumpria pena em regime fechado por roubo e tentativa de homicídio, recebeu 20 golpes de uma faca artesanal feita com arames. A cela onde ele foi morto estava lotada com 17 presos, sendo que cabiam só seis;

2012: Estado desiste de construir novo presídio em Lajeado, e verba antes garantida é realocada para construção de casas prisionais em Arroio dos Ratos e Venâncio Aires;

2013: em setembro, o então chefe da Casa Civil do Estado, Carlos Pestana, anunciou repasse de R$ 480 mil para construção da ala feminina do presídio, com uma contrapartida de R$ 120 mil do município. Esse repasse do governo estadual não se confirmou;

2013: no fim do ano, presos postaram fotos na rede social, Facebook, de dentro do presídio;

2013: também em dezembro, um apenado do regime semiaberto tentou entrar com arma de fogo. Flagrado na revista íntima, atirou contra um agente penitenciário, mas não acertou;

2014: em 31 de janeiro, Alcir José da Silva, 36, apenado do regime semiaberto, foi morto a tiros pela manhã, quando deixava o presídio para ir ao trabalho;

2014: no dia 28 de abril, o apenado Leandro Camiccia da Rosa, 24, foi encontrado morto dentro da cela. Ele foi morto por outro preso, que dividia o mesmo espaço no local. Morreu após ter a cabeça batida contra a parede e ser estrangulado com uma corda pequena;

2014: uma agente penitenciária é presa acusada de tráfico de drogas. Ela teria facilitado a entrada de 4,8 quilos de maconha dentro do presídio;

2014: m outubro, apenados colocam fogo no albergue, desalojando 27 detentos do regime semiaberto. Houve apenas danos materiais;

2015: um apenado morre após passar mal dentro de uma cela. Segundo familiar, Hélvio Roberto de Almeida, 50, tinha três pontes de safena e uma válvula no coração;

2015: com o triplo da capacidade de presos, MP pede, em junho, interdição do presídio. Justiça volta a negar o pedido;

2015: é inaugurado o novo albergue, a um custo de R$ 220 mil, valor rateado entre Judiciário, MP, Comunidade Carcerária, Alsepro, governo de Lajeado, e doações. São sete celas;

2016: entre os dias 4 e 5 de abril, sete detentos fogem e são recapturados.

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