Líder mundial no consumo de agrotóxicos, o Brasil adota novas medidas capazes ampliar o mercado do setor. Na semana passada, representantes do Senado no Mercosul aprovaram a alteração da palavra agrotóxico por produto fitossanitário na lei que determina as regras de produção rural.
Nessa quinta-feira, 31, o plenário da Câmara aprovou projeto que permite a instalação de depósitos desses materiais em zonas rurais, urbanas mistas, comerciais ou industriais. O texto original, do deputado gaúcho Gerônimo Goergen (PP), permitia a aplicação de agrotóxicos ao lado de residências, mas a parte foi excluída.
As duas propostas são embasadas por questões mercadológicas. Na primeira, do autor do projeto, senador Álvaro Dias (PV), a justificativa é melhorar o ambiente de negócios para os produtos agrícolas brasileiros.
Para o senador, uso da palavra agrotóxico na embalagem dos produtos já representa uma campanha de marketing negativa para a produção rural. Segundo ele, o termo não é utilizado por países do Mercosul ou da União Europeia.
Professora da Univates a doutora em Ecologia, Claudete Rempel realiza pesquisas no campo da sustentabilidade ambiental em propriedades rurais, onde são avaliadas as condições de uso dos produtos químicos. Para ela, a medida visa abrandar uma palavra devido à resistência de países importadores ao uso dos produtos e ao aumento da procura por produtos orgânicos.
“O termo correto é agrotóxico. O nome e símbolo são reconhecidos internacionalmente para indicar a utilização de químicos para eliminar organismos animais vegetais indesejados”, Para ela, a troca de nomes pode confundir o consumidor em benefício da indústria.
“Dá uma falsa ideia de que é menos agressivo, produz ‘sanidade’ ou ‘higiene’ na plantação”, alerta. Claudete enaltece a existência de métodos de controle isentos de aplicações químicas, portanto, menos danosas ao consumo e o meio ambiente.
Livre concorrência
Goergen diz que seu projeto visa trazer segurança jurídica ao agronegócio. Segundo ele, evita a atuação do Executivo contrária à livre concorrência e livre iniciativa. Afirma que a instalação e o funcionamento dos depósitos dependerão de critérios técnicos.
Conforme o texto, tanto os revendedores quanto os distribuidores de agrotóxicos são impedidos de operar em áreas de preservação permanente, unidades de conservação ou corredores ecológicos.
Também restringe a presença dos materiais em áreas com lençol freático aflorante, com solos alagadiços ou desfavoráveis a construções. Os dois projetos ainda dependem de tramitações no Congresso para virarem lei.
Novos registros
A Câmara federal ainda avalia outra proposta para acelerar o registro de novos agrotóxicos pela Anvisa. De autoria do também gaúcho Covati Filho (PP), o texto prevê prazo de 120 a 180 dias para o fim do processo de autorização. Hoje, a demora varia de cinco a dez anos.
A proposta visa criar um único órgão responsável pela decisão sobre o tema. Hoje, ao menos três ministérios precisam aprovar a permissão ao produto. A intenção é vincular a nova estrutura ao Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento (Mapa).
Uma comissão especial foi criada no Congresso apenas para debater o tema. A expectativa dos deputados é colocar o projeto em votação até o fim do ano.
Métodos limpos
Entre as técnicas apontadas pela pesquisadora para evitar o uso de químicos, está o controle biológico para insetos e aracnídeos. “Para eliminar um ácaro que se alimenta da planta, basta introduzir outro ácaro, predador do primeiro”, explica.
Já as plantas conhecidas como “daninhas” podem ser eliminadas com mecanismos de plantio consorciado. “Gastando um recurso igual ou até menor na comparação com o uso de agrotóxicos, é possível investir em pesquisas para aplicar esses métodos.”
O mercado de defensivos agrícolas movimenta 7,3 bilhões de dólares por ano no país. Mais da metade dos produtos utilizados aqui é proibida nos Estados Unidos e na Europa. Pesquisa da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) mostra que 70% dos alimentos consumidos no Brasil estão contaminados com agrotóxicos.
Conforme a Anvisa, mais de 91% dos pimentões têm índices de contaminação acima do recomendado. Morango, pepino, alface e abacaxi estão na lista dos dez produtos mais intoxicados do mercado nacional.