A intenção do Brasil comprar maçãs da China mobiliza agricultores e indústria. Além do preço menor, o risco sanitário faz a Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi) cogitar recorrer à Justiça, caso não houver convencimento do governo federal.
Conforme o presidente da Agapomi, José Maria Reckziegel, os chineses enfrentam problemas com vírus, bactérias e ainda não conseguiram eliminar a principal praga da cultura (a cydia pomonella, mariposa cuja lagarta se alimenta da polpa da fruta).
Além da questão sanitária, Reckziegel está preocupado com o futuro da cultura em pequenas propriedades familiares. Outro temor está nas condições de competitividade. Para ele, o setor brasileiro está amparado por tecnologia, qualidade e produtividade, no entanto, perde quando o assunto é subsídio governamental.
“Os chineses recebem muito incentivo. Colocam o produto aqui abaixo do nosso custo de produção, o que torna a concorrência desleal. Não se trata de reserva de mercado, mas, sim, de sobrevivência do setor.”A estimativa é de que uma caixa de 20 quilos de maçã chinesa possa custar aqui R$ 34. Por outro lado, no segundo semestre, o valor padrão do produto nacional pode atingir R$ 60, quase o dobro.
As negociações iniciaram no fim de 2015, quando a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, esteve no país asiático. Enquanto o Brasil exportaria carne e frutas tropicais, compraria dos chineses maçã e pera.
Eles detêm mais da metade da produção mundial, ou seja, 80 milhões de toneladas. Enquanto isso, a safra nacional é de cerca de 1,163 milhão de toneladas.
Inviável para a agricultura familiar
Para o técnico em Agropecuária Nicolás Eigon Brandt, da Emater de Vacaria, um dos maiores polos produtores do estado, a importação chinesa pode levar muitos produtores familiares e até empresariais à falência. Cita como exemplo a queda na produção de alho na década de 1990, quando houve a abertura do mercado chinês. “Não tem como competir.”
Como alternativa, cita o cultivo de pequenas frutas como amora, framboesa, morango e mirtilo. Além da demanda garantida pelo benefício à saúde, exigem investimento menor. “Implantar um hectare de maçã em cultivo protegido custa até R$ 100 mil. Para o produtor familiar é inviável.” No município, a produção de maçã alcança 277 mil toneladas, em 6,8 mil hectares, por 70 produtores.
Análise técnica
Em nota, o Mapa afirma que a compra de maçã da China apenas ocorrerá após uma análise técnica. O órgão não revelou se uma possível liberação da importação da fruta seria de forma gradual. “Se após a realização da Análise de Risco de Pragas (ARP) que o Mapa regularmente realiza para esses tipos de produtos for constatado que a importação de maçãs da China não oferece risco significante à produção agrícola nacional, o Brasil, como país membro do Organização Mundial do Comércio, deve permitir a importação de maçãs daquele país”, explica a nota.
Para impedir a reintrodução da praga (traça-da-maçã) nos pomares, Pierre Nicolas Péres, diretor-presidente da Associação Brasileira de Produtores de Maçã, destaca a necessidade de fazer um controle rígido sobre o produto caso a importação seja liberada.
Menor oferta
A colheita da fruta iniciada em fevereiro está estimada em 480 mil toneladas. Segundo dados da Agapomi, a cultura ocupa 14,5 mil hectares no RS. Nos pomares, a variedade gala responde por 65% do total, seguida da fuji, 30%, e as demais, como daiane e pink lady, ocupam os 5% restantes.
Segundo Reckziegel, a ocorrência menor de horas de frio do que a macieira necessita, aliada às geadas tardias de setembro e granizo em outubro, provocou perdas de até 30% em algumas regiões produtoras como Arvorezinha e Ilópolis, na região alta do Vale do Taquari.
O excesso de chuvas e baixa insolação contribuíram para agravar os prejuízos e resultaram na redução do tamanho e quantidade de frutas fixadas por planta. A qualidade, entretanto, deve se manter nos mesmos níveis de 2015, espera a Agapomi.
No que se refere aos preços, os produtores projetam uma compensação em virtude da queda na oferta nacional. Além do mercado interno, com a alta do dólar, existe a intenção de expandir as exportações, tendo ainda os países europeus como principais compradores. No ano passado, o Brasil enviou 60 mil toneladas para outros mercados. Em 2016, a projeção é de comercializar um volume superior a 70 mil toneladas.
A Agapomi estima a criação de 25 mil vagas temporárias para auxiliar na colheita. Enquanto em anos anteriores era preciso contratar trabalhadores de outros estados e de países do Mercosul, hoje sobra mão de obra devido à crise econômica que fez o desemprego aumentar.
Em Santa Catarina, maior produtor do país, a estimativa é de colher 650 mil toneladas. Está prevista a contratação de 40 mil temporários.
Desmotivação no pomar
Encargos trabalhistas, alta carga tributária, aumento nos custos de produção, falta de trabalhadores qualificados e a possível compra da fruta chinesa fazem o agricultor Odacir Salva, de Ilópolis, pensar em desistir da produção de maçã. “Se não bastasse, uma chuva de granizo devastou 90% do pomar em outubro. Fazer o cultivo protegido custaria R$ 40 mil por hectare. Isso não compensa, prefiro parar.”
Devido a exigências do seguro rural e à baixa qualidade das frutas que ficaram no pé, Salva nem colherá as maçãs neste ciclo. “Poucos compram fruta feia. Fazer schmier ou compota era uma possibilidade, mas com o preço do açúcar o lucro seria mínimo, nem compensaria o valor gasto com funcionários.” A colheita manual do fruto exige, em média, duas pessoas por hectare.
Salva se dedica à cultura desde 2008, quando foram implantadas as primeiras mudas. Com 2,2 mil plantas em fase produtiva, a projeção era de colher até 25 mil quilos nesta safra, das variedades fuji, daiane e gala. Para atender os clientes, optou em comprar maçãs de outro produtor de Arvorezinha.
Com a oferta menor, o preço aumentou. De R$ 1,60, valor cobrado pelo quilo na safra passada, a cotação subiu para R$ 3,50. “Com o dólar alto, as regiões produtoras optam por exportar a fruta de boa qualidade. As demais são vendidas para mercados locais.”