No dia do nascimento de Cristiano, a mãe, Olga Amaral, teve um acidente vascular encefálico e morreu. Sem mãe e com um pai ausente, desconhecido até hoje, foi adotado pela tia Maria e se tornou parte da família Labres.
O parto trágico rendeu uma herança cruel a Cristiano. Faltou oxigênio ao cérebro do recém-nascido. As sequelas foram drásticas. Perdeu toda a coordenação no lado direito do corpo e teve a habilidade da fala prejudicada.
Tinha movimentos involuntários e torções nas extremidades do corpo. “Ele nasceu com diversos problemas. Era todo torto”, lembra o pai adotivo, Luiz.
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A nova família o levou a vários médicos da região. Com 3 meses, Cristiano fez a primeira de uma série de cirurgias. Após, veio a dura sentença: “Ele nunca vai caminhar”, disse o cirurgião. “Só que Deus é maior”, acreditava Maria.
Sem perder a esperança, a tia que virou mãe o levou quando tinha 2 anos para fazer fisioterapia na Apae. A profissional que lhe atendeu foi Magali Grave. “Quando conheci o Cris, ele não conseguia se sentar sem apoio”, relembra.
Magali inibiu padrões anormais de postura e incentivou aprendizagem de novas habilidades funcionais. Técnica conhecida como conceito bobath. “Mesmo que devagar, Cris foi evoluindo. Conseguiu sentar, começou a engatinhar de joelhos e ficar em pé com apoio.”
Depois disso, o desafio era fazê-lo dar os primeiros passos. Cristiano caía de costas. Várias tentativas frustradas e muitos hematomas na cabeça. “Precisávamos alterar o centro de gravidade para que ele caísse para a frente,” conta Magali.
Depois de sete anos de fisioterapia, objetivo alcançado. Era questão de tempo até Cristiano contrariar o prognóstico médico.
Primeiros passos aos 9 anos
Como de costume, no mês de agosto de 1995, a família Labres participou da tradicional confraternização da Apomedil (empresa onde o pai trabalhava), na sede esportiva de Picada Flor, em Marques de Souza.
Durante uma brincadeira com os colegas do pai, Cristiano surpreendeu a todos ao se levantar e dar os primeiros passos. “Ele se apoiou no muro e começou a andar. As pessoas ficaram preocupadas, pois parecia que ele iria cair,” lembra a mãe. Cristiano não caiu. Deu voltas no campo e emocionou os familiares. “Desde lá, não parou mais quieto”, comemora Maria.
Com a nova habilidade, começou a participar das competições da Apae. Destacou-se no arremesso de peso e quase se classificou para o campeonato brasileiro da modalidade. “Fui junto assistir à prova. Ele acabou se atrapalhando e perdeu por poucos centímetros”, conta Luiz.
Cristiano também jogava voleibol, praticava natação e ficou com fama de bom goleiro no futsal. “Todo lugar que ele ia, ele ganhava algum prêmio,” enfatiza o pai orgulhoso. No quarto, ostenta as 53 medalhas conquistadas nos oito anos como atleta.
Além disso, guarda as lembranças de ter passado por vários municípios do RS. “Tudo que é interior do estado ele conheceu. É um cara viajado,” sustenta Luiz.
Faixa preta
Em 1996, a família Labres morava ao lado da sede do Projeto Vida do bairro São José. A convite do sansei Ildo Salvi, Cristiano começou a participar das atividades e treinar karatê. Nas primeiras aulas, era carregado para subir as escadas até o treinamento.
Com o passar dos anos, a superação de Cristiano começou a chamar a atenção na academia. “Dentro das possibilidades, ele sempre fazia o máximo e um pouco mais”, realça Salvi. As limitações fizeram o sansei criar seis katas específicos (sequências de movimentos de uma luta imaginária) ao jovem carateca.
Aos 12 anos, Cristiano chegou a usar os aprendizados. Um colega tentou pegar o relógio e acabou recebendo uma torção no braço e um chute na canela. Depois disso, ele nunca mais foi incomodado.Em setembro de 2014, após 18 anos praticando a arte marcial, ele ganhou a tão almejada faixa preta.
Foi avaliado, em Porto Alegre, por uma banca formada por examinadores da Federação Sul-Riograndense de Karatê Independente (FSKI). Para Salvi, Cristiano é um exemplo a ser seguido. “No karatê todos ensinam. E a presença do Cris é um ensinamento ímpar para nós.”
O gosto pela velocidade
Ao acompanhar o pai no trabalho, Cristiano se apaixonou por carros. Com 25 anos, participou da primeira trilha, em Fazenda Vilanova, com o grupo de jipeiros Lentos e Calmos. “Ele sempre gostou de carros e corridas. Um dia resolvemos levar ele junto,” conta o amigo e fundador do grupo, Ezequiel Marmitt.
Com o Lentos e Calmos, Cristiano percorreu as trilhas de todo o Vale do Taquari nos últimos quatro anos. Para segurança, ele utiliza um cinto quatro pontas. “Quando volta, ele está tão sujo que dá pra ver só os dentes brancos,” conta a mãe. Marmitt destaca a coragem do jovem aventureiro. “Ele não tem medo de nada. Quanto pior, melhor.”