Indústria recria modelo de gestão

Lajeado

Indústria recria modelo de gestão

Sem chefes, Mercur revoluciona produção de borrachas

Indústria recria modelo de gestão
Lajeado
oktober-2024

Indústria consolidada no mercado mundial de borrachas, a Mercur, de Santa Cruz do Sul, deu uma guinada no modelo de negócios em meados dos anos 2000.

Conceitos como lucratividade e faturamento deram lugar à preocupação com as pessoas, em uma mudança que redefiniu os negócios da empresa.

A história da companhia fundada em 1924 foi abordada ontem pelo conselheiro de administração e facilitador da Mercur, Jorge Hoelzel Neto, durante reunião-almoço da Acil. Neto destacou as medidas adotadas pela empresa a partir do processo de reposicionamento da marca, iniciado em 2007.

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Com apoio de consultorias, a direção passou a questionar o papel da indústria na sociedade e na comunidade onde está inserida. “Tínhamos uma missão e uma visão, mas não identificávamos qual seria o legado a ser deixado pela Mercur.”

A partir dessa constatação, os gestores passaram a estudar o passado da empresa, com a intenção de resgatar os valores estabelecidos pelos fundadores. Descobriram que os negócios da indústria eram baseados na criação de produtos de borracha que solucionassem os problemas das pessoas. “Passamos a estudar sobre bem- estar coletivo e estabelecemos o conceito para tornar o mundo melhor”, relata.

Para colocar a ideia em prática, criou o compromisso institucional de priorizar produtos sustentáveis e soluções para a vida. “É um processo que teve início, mas que não tem fim”, resume. A partir disso, os conceitos de lucratividade e faturamento ficaram em segundo plano. A indústria eliminou fornecedores considerados antiéticos nas relações de trabalho, como importações do mercado asiático.

“Abrimos mão de negócios impactantes, como os produtos escolares com personagens licenciados”, afirma. Conforme Neto, antes da mudança, a empresa fabricava esses materiais na Ásia, a um valor baixo, mas custavam mais caro ao consumidor.

“Hoje chego a me envergonhar, porque não faz sentido expor às crianças produtos cujos pais não têm condições de comprar só por ter um personagem famoso.” Outra mudança foi na relação com a matéria-prima. Se antes a empresa comprava no mercado internacional, de forma a minimizar os custos, hoje procura estabelecer parceria com entidades brasileiras de extração natural.

“Se o mercado pagava R$ 2,50 pela quantidade padrão, nós pagávamos R$ 6,50. Hoje, compramos por R$ 7,50. Não nos importamos com o menor preço e sim com o preço justo.” Os conceitos mudaram o portfólio da indústria.

Uma das decisões foi não trabalhar com clientes cujo mercado é danoso às pessoas. Cita como exemplo a indústria tabagista. “Encerramos a produção de esteiras para as fábricas de fumo, um produto lucrativo, porque não queremos nos envolver com a indústria do cigarro.”

Em um primeiro momento, as mudanças resultaram em queda na arrecadação. Porém, segundo Neto, hoje a Mercur consegue maior lucratividade sem precisar competir de forma agressiva no mercado ou causar impactos negativos às pessoas e ao meio ambiente.

Gestão coletiva

As transformações da empresa também passaram por grandes mudanças na gestão. Ao invés de um organograma tradicional, com chefes, supervisores e gerentes, a Mercur estabeleceu uma organização sem hierarquia ou competição. Também foi estabelecido um novo conceito de qualificação dos colaboradores. Os treinamentos foram trocados pela educação.

“Não temos mais um plano de carreira da empresa, e sim um plano de vida, que precisam estar preparadas para serem livres.”
A empresa hoje trabalha para reduzir a diferença entre os maiores e os menores salários e investe em projetos baseados na metodologia do educador Paulo Freire. “É um sistema onde não existe um professor que sabe e um aluno que precisa aprender, e sim um ambiente coletivo de conhecimento.”

Qualidade reconhecida

Durante a reunião, as organizações participantes do Sistema de Avaliação da Gestão (SAG) 2015 receberam uma homenagem. O SAG diagnostica o estágio de desenvolvimento gerencial das organizações. O sistema identifica lacunas e permite a elaboração do Plano de Ação do Sistema Gerencial.

No Vale do Taquari, o sistema é organizado pelo Comitê Regional da Qualidade (CRQ-VT). Ligado ao Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade (PGQP), busca estabelecer excelência em gestão com foco na sustentabilidade na região.

“As empresas não podem estar acima de tudo só porque dão empregos”

A Hora – Por que a Mercur decidiu mudar a forma de operações?
Jorge Hoelzel Neto – Decidimos resgatar valores que eram o propósito da empresa quando foi criada. Antes disso, buscávamos maximizar o capital sem nos importarmos com o impacto causado nas pessoas e no ambiente. Isso não nos deixava confortáveis. Por isso, voltamos ao passado para entender como os fundadores pensavam a empresa. Eles não queriam ganhar dinheiro de qualquer jeito. Como a empresa é familiar, a forma como estávamos trabalhando incomodava a própria família. As empresas não podem estar acima de tudo só porque dão empregos. Mas se queremos dormir tranquilos temos que repensar os impactos da nossa atividade.

Qual o principal desafio enfrentado pela Mercur a partir da mudança na gestão da empresa?
Neto – É fazer as pessoas compreenderem que são livres. Desde que nascemos, somos condicionados a seguir regras, em casa, na escola, na igreja, no quartel e na empresa. Em toda nossa vida temos um chefe mandando fazer ou não fazer as coisas. Nos acostumamos a pedir permissão. O desafio é transformar as pessoas, para que não esperem uma ordem. A partir disso, o processo flui, porque não depende mais dos gestores.

De que forma as mudanças na hierarquia impactaram nos funcionários e diretores?
Neto – Muita gente não conseguiu entender e foi embora. Nós viramos a chave da hierarquia em junho de 2013. Reunimos todos os ‘mercurianos’ no teatro de um colégio para anunciar o projeto. Falei que a partir daquele dia ninguém entraria ou sairia da empresa, a não ser por vontade própria. Isso era importante dizer porque nesse tipo de reunião a primeira pergunta é quantos vão para a rua. Mas nosso projeto não é de demissão, e sim um projeto de vida para a empresa e para cada um de nós. Mesmo assim, muita gente que gostaríamos que ficasse não conseguiu compreender essa liberdade.

A Mercur também mudou sua política de exportações. Como a empresa trabalha com o mercado internacional?
Neto – Hoje praticamente não exportamos. Na época das ‘unidades de negócios’, tínhamos até uma empresa constituída nos Estados Unidos onde levávamos produtos feitos no Brasil e na Ásia com a marca Mercur. Estava indo muito bem, mas olhamos para aquilo e pensamos se valia a pena disputar esse mercado. Estávamos criando cabelos brancos com algo que não fazia sentido. Fechamos a empresa. Naquele tempo, chegamos a exportar para mais de 30 países. Hoje, apenas para Uruguai, Paraguai, Peru e muito pouco para a Argentina.

Como a empresa sobrevive com práticas tão distintas do convencional?
Neto – No começo, caiu o faturamento e foi um pouco assustador. Mas esse modelo no qual todo mundo participa da gestão do negócio criou um pensamento de sustentação do negócio. Hoje, ganhamos muito mais dinheiro do que antes. Até porque gastávamos mal os nossos recursos. Importante é parar de colocar a carroça na frente dos bois. Parar de definir metas de crescimento com base nos concorrentes. Senão, estaremos sempre correndo atrás de algo que não sabemos se é real, vivendo com base em expectativas. Nossa expectativa é zero e o resultado ocorre com base do que fazemos de bom para as pessoas.2016_3_23_Thiago Maurique_Acil_Reunião ALmoço_entrevistado

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