Redes sociais elevam número de divórcios

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Redes sociais elevam número de divórcios

Estudo aborda o crescimento dos divórcios nas assistências jurídicas. Um dos motivos seria a popularização das redes sociais. Motivo comum para o rompimento de namoros, as brigas relacionadas à interação virtual podem resultar complicações jurídicas quando ocorrem em matrimônios e uniões estáveis.

Redes sociais elevam número de divórcios
Vale do Taquari

A história vivida por uma estudante de Lajeado exemplifica a interferência das redes sociais nos relacionamentos. Brigas e desconfianças causadas por interações no Facebook, Whatsapp, Twitter e Instagram motivaram a decisão de terminar com o primeiro namorado, após cinco anos.

“No início, as redes sociais faziam tudo parecer lindo. Logo que uma pessoa coloca ‘relacionamento sério’ no Facebook recebe muitos likes”, afirma. Na época, todos os movimentos do casal eram compartilhados no meio virtual. Eram fotos, “check-ins” e declarações românticas.

“Depois de um certo tempo, começou rolar aquele ciúmes por causa de meninos curtindo as nossas fotos. Algo que foi aumentando até se tornar exagerado”, relata. Ela decidiu ceder as senhas para evitar desconfiança.

Para o especialista em relações humanas, escritor e palestrante, Gabriel Carneiro Costa, a atitude adotada pelo casal é comum, mas nem sempre saudável. Segundo ele, se a troca de senhas é imposta por um dos parceiros, representa invasão de privacidade motivada por insegurança.

No caso da estudante, o resultado foi o fim de conversas com amigos e ainda mais brigas por curtidas e comentários. “Começou a controlar a minha vida cada vez mais. Ele entrava no meu MSN, Facebook, Twitter e no e-mail para bisbilhotar até mesmo as coisas que eu pesquisava.”

A partir disso, situações corriqueiras resultavam reações exageradas de ciúmes. Para evitar maiores problemas, a jovem passou a esconder contatos e apagar conversas nos aplicativos. “No momento em que eu comecei a tomar as mesmas atitudes e querer as senhas dele, ele não quis compartilhar e a situação ficou pior”, ressalta. Neste meio-tempo, os smartphones se popularizaram e, com eles, o aplicativo de mensagens instantâneas Whatsapp.

Individualidade prejudicada

“É uma tecnologia incrível para os casais que sabem se respeitar. Não foi o meu caso”, lamenta. Como o aplicativo fica restrito ao celular de cada um, a possibilidade de bisbilhotar as conversas diminuíram e as brigas aumentaram até o ponto em que os dois decidiram excluir todas as contas em redes sociais.

“Ficamos apenas com o Whastapp, mas a desconfiança crescia cada vez mais”, afirma. Ao ter acesso ao celular do namorado, a estudante descobriu uma traição, além de uma série de conversas comprometedoras com outras mulheres. “Foi muito decepcionante, pois ele reclamava sobre a nossa relação, falava sobre nossa intimidade, as brigas e o ciúmes. Além disso, marcava encontros e trocava fotos”, recorda. As revelações foram a gota d’água para o fim do namoro.

Conforme a psicóloga Priscila Pavan Detoni, supervisora do Serviço de Assitência Jurídica da Univates (Sajur), as redes sociais alteraram a forma como as pessoas se conhecem e se relacionam. Ao mesmo tempo em que aproximam por afinidades em comum, podem provocar exposições exageradas e dar margens para paranoias e ciúmes.

“Um casal saudável é o que consegue estabelecer momentos para investir no relacionamento e outros para cuidar das suas questões pessoais e sociais ”, destaca. Ressalta a necessidade de preservar os segredos que asseguram a singularidade de cada pessoa ou casal.

Recomeço

Depois de um ano solteira, a estudante começou um novo namoro sem interferências das redes sociais. “Por estar mais madura e ter passado por esta experiência, hoje não me importo tanto”, ressalta. Para ela, casos de traição podem ocorrer independente das ferramentas virtuais. Porém, acredita ser quase impossível de esconder essas situações, mesmo longe das redes.

A psicóloga Priscila afirma ser possível viver uma relação duradoura, sabendo dosar as tecnologias e a exposição diante delas. “É fundamental manter o respeito, a confiança e os interesses mútuos que são a base para qualquer relacionamento entre duas pessoas.”

Para ela, cada um deve ter sua privacidade para assim compartilhar com outro somente o que desejar. Conforme Priscila, é preciso evitar, por exemplo, expor mensagens da vida de amigos ou colega de trabalho que não têm relação com uma das partes do casal.

Pesquisas comprovam tendência

Em 2014, Priscila orientou trabalho de conclusão de curso sobre a demanda de separações nos serviços de assistência jurídica. O estudo foi realizado pela psicóloga Josiani de Fátima Schmidt, com base no banco de dados do Tribunal de Justiça do RS entre janeiro de 2011 e dezembro de 2012.

Dos 443 processos pesquisados, 37,7% eram pedidos de dissolução conjugais. A pesquisa apontou transformações nos relacionamentos contemporâneos. Conforme Priscila, foi possível perceber uma maior fluidez nas relações e mais flexibilidade por parte da sociedade em conviver com os rompimentos formais.

Estudos da Pontifícia Universidade Católica do Chile, considerada a melhor universidade da América Latina, apontam crescimento da relação entre as ferramentas de interação social e os rompimentos conjugais.Nos Estados Unidos, país onde foram criadas a maioria das redes sociais, estudo da American Academy of Matrimonial Lawyers mostrou aumento de mais de 80% dos problemas matrimoniais devido ao uso das redes sociais.

Implicações legais

Se o rompimento de um namoro pode ser traumático, no caso de um casamento ou união estável, a separação também implica em uma série de questões legais. De acordo com a advogada Marta Luisa Piccinini, coordenadora do Sajur, ambas as situações exigem ajustes quanto à guarda dos filhos e divisão de bens.

Segundo ela, as postagens e conversas nas redes sociais geralmente são usadas como argumento de prova em casos litigiosos. “São informações que podem ajudar no convencimento do juiz acerca dos fatos, mas não provas inequívocas.”

Conforme Marta, as evidências não podem ser o único meio de comprovação e precisam estar amparadas em outras fontes de informação. “Para aceitação no processo judicial as conversas podem ser transcritas numa ata notarial, que reforçará seu valor probante. ”

Marta orienta os casais em vias de separação a buscar informações e assistência de um advogado e também de um psicoterapeuta de casais. No Sajur, os atendemos são restritos às famílias sem condições de pagar pelo serviço.

Segundo ela, cada processo inclui acontecimentos e particularidades individuais, além de aspectos contextuais, sociais e profissionais. Por isso, explica que o tempo para a resolução das ações varia conforme a quantidade de elementos analisados.

De acordo com o Cartório de Registro Civil, além da via judicial, divórcios e separações também podem ser encaminhados por meio de escritura pública. No caso da separação, as partes ficam livres para retomarem o casamento. No divórcio, só é possível voltar atrás por meio de um novo registro civil de matrimônio.

“Um casal maduro dificilmente vai brigar”

Formado em Relações Públicas, Gabriel Carneiro Costa é graduado em Personal & Professional Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching. Desenvolve estudos nas áreas de relações humanas, psicologia motivacional, neurolinguística e educação emocional.
Costa é autor do livro O Encantador de Pessoas, que retrata a busca pela realização pessoal e felicidade autêntica. Em um ano, foram mais de 15 mil cópias vendidas.

A Hora – Quais os principais dilemas enfrentados pelos casais devido às redes sociais?
Gabriel Carneiro Costa – São principalmente traição, ciúmes, controle e intrigas. Tudo isso que sempre existiu. As redes sociais não vieram para criar um problema novo. Mas com o uso dessas tecnologias as pessoas se manifestam muito mais e as informações se espalham. Vivemos uma época em que todo mundo quer opinar e aparecer. Isso tem um preço. Também é possível ter acesso à conta do parceiro de forma consentida e bisbilhotar ou até descobrir a senha e aí espionar mesmo. O fato é que está mais fácil descobrir uma evidência de traição.

Como um casal pode trabalhar a exposição nas redes e suas consequências na vida íntima?
Costa – Eles têm que entender que as discussões devem ser sobre as ações e reações que ambos têm nas redes sociais e não em relação à interação dos outros. Reclamar de algo que “tu escreveu eu não gostei” é um direito que qualquer parceiro tem. Mas brigar porque outras pessoas curtiram ou comentaram uma postagem é uma neurose. Minha parceira não pode brigar comigo porque uma mulher bonita comenta algo que postei. Percebo que a maioria dos problemas é sobre as ações e reações de terceiros.

Muitas vezes o casal chega ao limite de eliminar as redes sociais. Isso pode ser uma solução para os problemas?
Costa – Tanto isso quanto a criação de um perfil conjunto, que também é muito comum, podem ser formas de fugir dos problemas. Se ocorre porque não gostam das redes sociais é uma situação normal. Agora, se é uma imposição de um dos parceiros significa que o relacionamento já está ruim. Da mesma forma, quando preciso roubar a senha pra saber o que o outro está escrevendo. Quer dizer que existe a desconfiança e a possibilidade de um ou outro estar fazendo alguma coisa errada. Já conheci casais que saem das redes simplesmente para não ver as evidências. Não resolve de forma madura o problema dos possíveis assédios.

As brigas motivadas pelas redes sociais são também um sinal de imaturidade?
Costa – As redes demonstram exatamente como as pessoas são fora delas. Um casal maduro dificilmente vai brigar. Aquele casal que vai em uma festa e acaba discutindo porque alguém olhou para um deles é o mesmo que vai brigar por compartilhamentos ou curtidas. Essas brigalhadas refletem a insegurança do relacionamento e podem ocorrer em diversas situações. O assédio sempre vai existir, e aumenta devido à maior abertura nos conceitos de monogamia e do próprio sexo. Lutar contra isso é como lutar contra a tecnologia. Tentar blindar o parceiro para não ser assediado é como o pai brigar com a filha para ela casar virgem.

O que o ciúmes excessivo diz sobre a pessoa e a relação com o outro?
Costa – É interessante avaliar se o que causa a paranoia são fatos ou coisas imaginadas. Existe uma divisão entre o parceiro postar um comentário elogiando a fulana e a projeção que faço sobre isso. De qualquer forma, é preciso chamar o outro e dizer, abertamente, que estou desconfiando. Jamais chegar como acusador, decretando algo que imagino ter acontecido. Tem que abrir o jogo, pois o caminho do diálogo é o mais adequado.

Falta diálogo aos casais?
Costa – As pessoas conversam menos sobre coisas profundas e mais sobre entretenimento ou coisas operacionais. Aumentou a quantidade de informações trocadas, mas reduziu a qualidade. Fico impressionado com casais que chegam no meu escritório e nunca falaram um com o outro sobre coisas íntimas. Eles me pagam para falar com a esposa.

Quando a situação chega a um limite, resultando separação, qual a melhor forma de conduzir o processo?
Costa – O pior cenário é quando o casal tem filhos, é um elo para o resto da vida. Eu não sou a favor ou contra o divórcio, mas quando envolve filhos é preciso viver mais o dilema. Hoje as pessoas querem mudar tudo rápido, no primeiro sinal de problemas. O preço financeiro e emocional de um divórcio é muito alto. Ainda assim, é preferível uma separação bem feita a um casamento malfeito. Casais se separam e isso não é errado. Pode ser errada a forma como é conduzida a separação.Gabriel - divulgação

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