A aposentada Adiles Ribeiro, de Lajeado, não sai de casa sem ter na bolsa uma cartela do analgésico e relaxante muscular Dorflex. O medicamento líder de vendas no país é a preferência dela para tratar enxaquecas constantes.
Adiles já passou por tratamentos médicos contra as dores de cabeça, mas segundo ela não tiveram efetividades. Desde então, não dispensa o comprimido. “Só uso o Dorflex, para todos os tipos de dor, porque é o único que funciona para mim.”
O analgésico integra a lista dos remédios que dispensam a apresentação de receita médica para serem comercializados. Junto com anti-ácidos, antigripais, anti-inflamatórios que representam 30% do faturamento da indústria farmacêutica no país.
Somente em 2015, 1 bilhão e 11 mil unidades desses medicamentos foram vendidas, em um mercado que alcança R$ 16,4 bilhões em vendas.
A auxiliar de cozinha Pâmela da Silva, 30, também faz uso de remédios sem prescrição para dores em geral, mas prefere evitar. “Somente em situações especiais, quando eu ou alguém da minha família não consegue ir ao médico.”
Na sexta-feira, 11, houve uma dessas ocasiões, quando Pâmela comprou remédios para a dor de dente do marido.
“Tem dentista marcado para a semana que vem, mas até lá precisa de algo para aliviar.” Os chamados medicamentos de balcão são liberados sem receita justamente para cobrir esse tipo de necessidade. Via de regra, são substâncias com poucos efeitos colaterais. Também não costumam ser usados continuamente.
Por outro lado, se consumidos de forma exagerada, têm potencial para provocar problemas graves à saúde. Conforme a Anvisa, cerca de 10% das internações hospitalares são provocadas por reações adversas aos medicamentos.
O governo dos Estados Unidos registra em média cem mil casos de intoxicações provocadas por sobredose de Paracetamol por ano. Entre 2003 e 2013, 1,5 mil americanos morreram em decorrência do uso excessivo de remédios cujo composto é o principal componente.
Mudança no estilo de vida
Após passar por problemas de saúde, a fotógrafa Elaine Mayer, de Teutônia, decidiu evitar qualquer tipo de medicamento. A única exceção ocorre quando sofre durante crises de enxaqueca. “Se for extremamente necessário, tomo um analgésico fraco.”
Segundo ela, a principal preocupação é quanto aos efeitos adversos das substâncias químicas, motivo pelo qual parou, inclusive, de tomar anticoncepcionais. “Quando lemos a bula, percebemos a quantidade de efeitos colaterais e o potencial que os remédios têm para fazer mal.”
A decisão contrariou a opinião de médicos que recomendavam o uso contínuo de remédios controlados. Foi então que mudou o estilo de vida, passando a controlar a alimentação, praticar exercícios físicos e aumentar a ingestão de água.
“Hoje durmo melhor, como de forma saudável e vivo muito bem”, ressalta. Como resultado, a fotógrafa emagreceu 20 quilos e passou a ajudar outras mulheres em situação semelhante por meio de um grupo no Facebook.
Formada em Teologia, procura incentivar a autoestima das participantes. “Não prescrevo dietas ou exercícios, pois não sou nutricionista ou educadora física, mas dou apoio moral e ouço as histórias das pessoas.”
Pressão da indústria
Apesar dos problemas causados pelos remédios já permitidos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avalia isentar de receita médica alguns medicamentos tarja vermelha. Caso seja aprovada, a medida também pode acelerar a entrada de novos compostos no mercado.
Como a legislação prevê a aprovação dos princípios ativos, os fabricantes não precisariam fazer novos pedidos para produtos semelhantes. A Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip) pressiona a Agência para decidir sobre a questão ainda neste mês.
A Abimip defende o que chama de “modernização” na regulamentação. Sugere que a Anvisa se baseie no modelo vigentes dos Estados Unidos, onde um remédio comercializado por cinco anos, sem registro de efeitos adversos graves, passa automaticamente a ser vendido sem receita.
Uma das substâncias possíveis de serem liberadas é o Omeoprazol, usado contra desconfortos estomacais. O uso contínuo da droga causa diversos efeitos colaterais. Entre eles, déficit de vitaminas, cansaço sem motivo aparente, anemia e alterações no ritmo cardíaco.
O remédio também aumenta a possibilidade de câncer no estômago e danos neurológicos, além de provocar o chamado “efeito rebote”. Quando o uso é interrompido, os sintomas tratados por ele voltam de forma mais intensa.
A Abimip defende a ideia do “autocuidado”, segundo a qual o paciente, conhecendo o próprio corpo, é capaz de tomar decisões quanto ao uso de medicamentos. Para a associação que representa a indústria, a discussão sobre os problemas causados pelas drogas é menos urgente.
Líderes de venda
Professor da Universidade Federal do Ceará e representante da Sociedade Brasileira de Medicina Comunitária, o médico Paulo Sérgio Arrais é especialista em fármacos. Segundo ele, os índices de consumo nos medicamentos sem receita variam entre os estados.
Conforme Arrais, em locais sem incidência endêmica de doenças como zika e dengue, como o RS, os líderes de venda combatem viroses, dores de cabeça, febre e problemas estomacais.
“O próprio clima e os hábitos alimentares interferem na demanda”, relata. Os motivos seriam os meses de frio, que aumentam a incidência de gripes e resfriados, e a alimentação “pesada” de boa parte dos gaúchos que provoca problemas gastrointestinais.
De acordo com ele, como todos os medicamentos podem causar reações adversas, é importante que as pessoas busquem orientação dos farmacêuticos no momento de comprar, mesmo sem a exigência da receita médica.
“Não só para definir o tipo de remédio, mas também para orientar a forma correta de uso”, alerta. O profissional ressalta que outras medidas simples podem evitar intoxicações. Uma delas é ler a bula dos remédios, por conter informações precisas e detalhadas sobre os componentes.
Também recomenda tomar medicamentos apenas quando apresentar algum tipo de sintoma e evitar a associação de dois remédios com o mesmo princípio ativo. Em caso de intoxicação, alerta, é preciso interromper o uso imediatamente e reportar o caso ao centro de controle toxicológico.
Tipos de medicamentos mais vendidos em 2015
1 – Dor em geral
2 – Relaxamento muscular
3 – Gripes e resfriados
4 – Doenças gástricas
5 – Combater a tosse
6 – Laxantes
7 – Desinfecção de pele e feridas
8 – Cuidado com os olhos
9 – Vitamina C
10 – Alergia e problemas respiratórios
Produtos mais vendidos em 2015
1 – Dorflex (Sanofi)
2 – Salonpas (Hsamitsu)
3 – Dipirona sódica (Hypermarcas)
4 – Buscopan composto (Boehringer Ing)
5 – Dipmed (Medquímica)
6 – Histamin (Hypermarcas)
7 – Vick Vaporub (Procter & Gamble)
8 – Expec (EMS)
9 – Maxalgina (Natulab)
10 -Neosaldina (Takeda)
Características
MIP
Os Medicamentos Isentos de Prescrição são aqueles vendidos sem a necessidade de uma receita médica. O grupo corresponde a 30% das vendas do setor.
Facilidade
A maioria dos MIP trata casos simples, como resfriados, pancadas e dores de cabeça. A maioria não é de uso contínuo e tem poucas contraindicações.
Perigo
Apesar de serem considerados seguros, os medicamentos ainda apresentam risco de reações alérgicas e intoxicações por sobredose. No caso de efeitos indesejados, recomenda-se auxílio médico.