Pescador luta por área de terra

Tiros. Enxadada. Tapa na cara

Pescador luta por área de terra

Valmor Possamai vive faz mais de quatro décadas em um pequeno terreno próximo à foz do Arroio do Engenho com o Rio Taquari, na rua Osvaldo Aranha, centro de Lajeado. O pequeno barraco de madeira, carcumido pelo tempo, carece de segurança. O pescador quer construir uma casa de alvenaria e reclama área maior do que a delimitada pela prefeitura, mas esbarra em questões legais e ambientais. Além disso, teme os atentados contra sua vida e reclama de desassistência

Pescador luta por área de terra
Vale do Taquari

“O Oficial de Justiça me chamou de vagabundo e me deu um tapa na cara. Tudo isso em frente aos servidores da prefeitura que o acompanhavam. Ele também ofendeu minha filha, que estava grávida.”

Esse é só um dos tantos constrangimentos contados pelo pescador de 59 anos na luta diária para garantir a posse do imóvel localizado quase às margens do Rio Taquari, e avaliado em R$ 15 mil há 16 anos.

Possamai mora em uma pequena casa de madeira, erguida sobre um enlamaçado terreno próximo à margem do Rio Taquari. Por lei, é Área de Preservação Permanente (APP). Quase sempre está acompanhado das filhas e netas. Ele teme por todos. “Já fui torturado e levei uma surra em frente à minha família. E tentaram me matar a tiros por três vezes”, afirma. A motivação seria a posse do terreno.

Nessa quarta-feira, garante ter escapado outra vez da morte. Por volta das 14h15min, conforme ocorrência registrada na Polícia Civil (PC), três pessoas cercaram sua casa. “Sai de casa, vagabundo. Chegou tua hora. De hoje tu não passa”, teriam gritado para ele. Possamai ligou para a Brigada Militar (BM), que compareceu ao local.

Dois deles fugiram. O terceiro se escondeu em uma residência vizinha. A BM entrou na casa e encontrou o suspeito na companhia de uma mulher. Ele, de posse de um revólver calibre 38. O casal foi preso em flagrante. Mas a intranquilidade de Possamai persiste. “Querem tomar minha terra. Certa vez, esses mesmos acertaram a cabeça do meu sobrinho com uma enxadada.”

Os conflitos urbanos pela posse das terras estão registrados. O sobrinho de Possamai – menor de idade – foi agredido por um vizinho com um golpe de enxada na cabeça. O agressor foi preso. Ficou só oito dias no presídio. “Esses casos nunca são levados à frente pela Justiça. Nunca vieram fazer uma reconstituição dos crimes, por exemplo. E eu sei que eles vão seguir tentando me matar.”

Em outra ocasião, diz ter sido alvejado seis vezes pelos mesmos vizinhos. Três projéteis estão no corpo de Possamai. Outro o atravessou, sem antes quebrar parte do osso da canela. “Eles vieram só para cumprir o que já ameaçavam há mais de 15 anos. Mas consegui fugir pelo mato e tive que entrar no rio para escapar da morte”, lembra. “Querem ‘me cansar’ para que eu saia”, acrescenta.

O tenente-coronel e comandante do 22º BPM, César Silva, confirma duas prisões realizadas naquela região nos últimos meses. “Tivemos uma prisão ocorrida quarta-feira, com a apreensão de uma arma de fogo. Já no ano passado, após um indíviduo ter sido agredido com uma enxada, nós fizemos a prisão do autor da agressão.”

Doze cachorros envenenados

As disputas territoriais entre vizinhos já teriam resultado em pelo menos 12 mortes de animais. Segundo Possamai, todos os cachorros morreram envenenados por vizinhos. “Eles queriam construir uma rua para chegar de carro até a casa deles, mas daí causariam ainda mais quedas do barranco da margem. Por isso fui contra e também por isso eles querem me pegar”, afirma.

Os vizinhos citados por Possamai foram denunciados diversas vezes. Eles não estavam na residência quando a reportagem foi até o local. Sobre a insegurança descrita, o comandante da BM garante que guarnições realizam ronda em todas as áreas da cidade, mas descarta ações específicas naquela região.

“Não existe, pelos nossos dados, uma incidência grande de ocorrências lá. Por isso não podemos fazer uma ação específica, pois há outros locais com índices de criminalidade muito maior. Mas continuaremos as rondas naquele local e atendendo os residentes com rapidez após solicitação.”

Seplan confirma  área para Possamai

Possamai recebeu a escritura da área por usucapião. Elas foram doadas pelo antigo proprietário. Apesar disso, ele reclama que a prefeitura teria realizado novas medidas do terreno, diminuindo as dimensões acordadas judicialmente em meados da década de 80. “Eles estão me empurrando para a área de preservação. Assim não posso construir”, reclama.

Ele também se queixa da disposição da rua Osvaldo Aranha feita pela equipe de topografia da prefeitura que, segundo o pescador, estaria invadindo a área do terreno adquirido por lei. “Foi numa dessas visitas que um oficial de Justiça me deu um tapa na cara. Ele veio aqui para trocar de lugar as estacas de delilimitação da área. Fiz a denúncia, mas nunca deu em nada”, reclama.

A equipe da Secretaria de Planejamento (Seplan) confirma série de reuniões com Possamai. Cita que o terreno dele está de fato legalizado, e tem 13 metros por 30 metros. A matrícula é conjunta com outras seis áreas individuais, todas doadas na década de 80 por usucapião de uma área ribeirinha de quase 2,5 mil metros quadrados, doada pelos Irmãos Maristas. A Seplan confirma o imbrólgio envolvendo limites da rua Osvaldo Aranha.

Para os topógrafos da prefeitura, a casa de Possamai está sobre o local onde deveria passar a via pública. São pelos menos três medições realizadas nos últimos anos, durante diferentes gestões. Ele discorda de todas. “Estão invadindo minha área pouco a pouco, beneficiando outra pessoa que comprou a área dos fundos da Igreja Matriz. Por me posicionar contra, estou sendo ameaçado”, diz.

Sem expediente no MP

O promotor de Justiça responsável pela área ambiental, Sérgio Diefenbach, afirma conhecer parte do imbróglio envolvendo as famílias ribeirinhas que moram próximas ao Porto dos Bruder.

No entanto, diz que não há expediente ou mesmo inquérito aberto para averiguar a situação específica da família Possamai. “Sei que há uma discussão entre eles e a prefeitura”, resume.

Segundo Diefenbach, município, Comitê de Revitalização do Centro Antigo e MP tentam autorizar obras mesmo em terrenos dentro de APP. O secretário de Meio Ambiente (Sema), José Antunes, reitera o projeto e diz que conhece o caso da família Possomai. “Hoje, eu não tenho como autorizar a construção de uma casa naquela área.”

O pescador quer construir na área que lhe foi garantida pela Justiça há quase 20 anos

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