Na certidão, um  percalço para a vida

Vale do Taquari

Na certidão, um percalço para a vida

Nomes incomuns, engraçados ou com grafia errada geram desconforto. Por vezes, pessoas ingressam na Justiça para alterar o registro e poder mudar de nome.

Na certidão, um  percalço para a vida
Vale do Taquari

Chamou atenção dos internautas brasileiros um pai que queria registrar o filho como Jaspion, mas a mulher não aceitou. O fato ocorreu em 2011. O pai criou uma página no Facebook pedindo ajuda, pois se alcançasse um milhão de curtidas poderia colocar o nome do super-herói no filho. Não conseguiu, mas as 260 mil curtidas demonstraram a força de uma mobilização virtual em prol de um nome inusitado.

É claro que nem tudo soa como brincadeira e nem todos levam na esportiva. Há 13 anos como escrevente do Cartório de Registro Civil de Lajeado, Silvia Griebeler acumula experiências de cenas em que os pais ficam indecisos na hora de registrar os filhos. As principais situações são aquelas em que a grafia está equivocada.

Conforme Silvia, algumas vezes é difícil convencer os pais a trocarem de ideia, então, o registro é feito com uma observação. “O que mais aparece são nomes com letras duplas, consideradas de grafias erradas como dois YY ou um H onde não deveria existir.”

A função da escrevente é esclarecer como isso pode gerar problemas futuros. “Como o caso de um pai que queria homenagear o sol com o nome do filho. A intenção é boa, mas convencemos a não fazê-lo e ele aceitou numa boa.”

Conforme a lei de registros públicos, em casos que a palavra expõe a criança ao ridículo, com nomes pejorativos, é preciso informar o juiz local. “As pessoas querem nomes diferentes, mas esquecem de se colocar no lugar da criança”.

Processo para mudar de nome

A servidora pública Eduarda Reis passou por diversas situações constrangedoras devido ao nome de batismo. Foi registrada como Conchita. De origem espanhola, o nome soava estranho.

A mãe não imaginava que o nome seria motivos de desconforto e irritação para filha. “Minha mãe queria pôr um nome diferente, espanhol, mas forçou a barra.” Na escola, Eduarda conta que os colegas faziam piadas. A hora do recreio era o pior momento, quando os risos e olhares eram direcionados. O bullying era diário.

A decisão por trocar o nome veio em 2013. O processo durou cerca de seis meses, desde a entrada no Judiciário até a decisão do juiz João Goulart Borges, da 1ª Vara Cível de Venâncio Aires. O magistrado decidiu e liberou a troca de nome tão logo recebeu o processo, sem necessitar de audiência.

Eduarda ainda não mudou oficialmente os documentos porque aguarda o resultado de um concurso federal, no qual será chamada ainda com o nome antigo. Após a decisão do juiz, trocou de função. Com novos colegas, diz que superou os aborrecimentos.

“Foi estranho no início, demorei a me acostumar com o novo nome. O constrangimento passou. Depois que mudei, percebi o quanto é bom”. Para Eduarda, é preciso deixar de se apegar às raízes só por uma questão de tradição. “Nome é algo que condiz com a personalidade.”

Batalha judicial

O aposentado Pedro Bresciani enfrentou problemas ao longo da vida por conta do nome dado pela mãe. Na certidão de nascimento, constava Nadir. O nome unissex gerava complicações toda vez que necessitava apresentar os documentos.

No batizado, os pais de Bresciani enfrentaram problemas. O padre se negou a batizá-lo pelo nome que constava nos documentos e o nomeou Pedro.

Quando chegou na idade de ir para o Exército, os documentos encaminhados não foram aceitos por terem nome de mulher e ele precisou comprovar que era homem.

E assim foi durante a vida, necessitava explicar por que era assim o seu nome. Quando encaminhou a aposentadoria, Pedro (ou Nadir) enfrentou mais situações constrangedoras. No banco, a atendente o chamou por “dona Nadir” e se dirigiu à irmã. “Ele se levantou, ficou muito nervoso e quis ir embora”, conta a irmã Glaci Sissi Bresciani.

Decidiram ingressar na Justiça para trocar de nome. Enfrentou uma batalha judicial que durou dois anos. O apoio da irmã Sissi foi fundamental para superar as dificuldades.

A família não tinha dinheiro para pagar um advogado e se dirigiu à Defensoria Pública. A carta, solicitando a troca do nome, deu início ao processo da promotoria. No documento, constavam alguns episódios vexatórios pelo quais havia passado ao  longo da vida. Pedro Bresciani perdeu o processo em primeira instância. A juíza local negou o pedido.

Um advogado amigo ofereceu os serviços sem cobrar honorários. O recurso para segunda instância, em Porto Alegre, surtiu efeito. O magistrado que recebeu o processo ficou contrariado com o posicionamento tomado pela juíza e determinou a troca de nomes.

Aceitação e bom humor

A dona de casa Risonha Johan, 53, sempre foi uma pessoa tranquila em relação ao nome. Na infância, as irmãs faziam parte das piadas dos colegas e amigos.

Melanha, Cedonha e Silvania também partilhavam das brincadeiras sem dar importância aos deboches. “A gente ria junto.”

Hoje é conhecida como “Sonha”. Risonha nunca encontrou outro nome semelhante. O único problema que teve em relação ao nome foi no Hospital Banco de Olhos em Porto Alegre. Conta que a enfermeira se recusou a aceitar o seu nome, mesmo com o documento em mãos. Uma outra enfermeira aceitou a documentação e repreendeu a colega.

Enquanto toma chimarrão na varanda de casa com o marido, Risonha acompanha o movimento na rua e cumprimenta os vizinhos que chegam do trabalho. Para ela, não há nenhum constrangimento em relação ao nome. “Sou risonha mesmo. Rir faz bem pra saúde.”

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