Escola abandonada traduz drama social

Vale do Taquari

Escola abandonada traduz drama social

Fechado no fim do ano passado devido ao baixo número de estudantes, colégio estadual se tornou moradia de famílias carentes em Encantado. Nos últimos 20 anos, 81 escolas da região foram desativadas por falta de alunos. Conforme CRE, muitas foram invadidas.

Escola abandonada traduz drama social
Vale do Taquari
oktober-2024

Sem dinheiro para pagar aluguel e as contas de água e luz, a família de Carina Angélica dos Santos, 32, tomou uma atitude drástica. Prestes a ser despejada da casa em que morava no bairro Navegantes, ela e o marido, Joelmir da Silva, 23, levaram móveis e eletrodomésticos ao prédio da escola Heitor Alexandre Peretti, desativada no fim do ano passado.

“Meu filho de 9 anos estudava aqui e já estava abandonada antes de fechar”, lembra. A família foi a primeira das três que hoje ocupam o prédio. Diante da situação de pobreza no bairro, outros grupos familiares devem se deslocar para o local nos próximos dias, diz o casal.

“Não tenho como impedir, não mando aqui”, afirma Silva. A ocupação ocorre faz pouco mais de duas semanas. O casal já havia tentado entrar no prédio no início de janeiro, mas acabou preso. Na época, ainda havia materiais do Estado no prédio.

“Nos algemaram e levaram até Lajeado. Mas logo fomos soltos, porque perceberam que não roubamos nada”, lembra. Conforme Silva, o prédio abandonado tinha se tornado ponto de uso de drogas e prostituição. Hoje, garante que as famílias impedem a entrada de desconhecidos.

De acordo com Carina, a situação de abandono da escola já chamava atenção quando ainda estava em funcionamento. Segundo ela, no ano passado, apenas dez crianças frequentavam as aulas no turno da tarde, em uma única turma com alunos do 1º, 2º e 3º anos.

A má conservação do prédio, o gramado alto e a falta de cuidados com os brinquedos são percebíveis. Após a ocupação, as famílias se organizaram para limpar o campo de futebol. Para Carina, o próprio fechamento da escola demonstra o descaso com a população do bairro.

“Temos mais de 200 crianças no Navegantes. Todas foram transferidas para lugares distantes do bairro onde vivem”, destaca. Para ela, o caso da escola demonstra o abandono das crianças, do prédio e das famílias em situação de vulnerabilidade social.

Desemprego e carência

Poucos dias após a chegada do casal, Terezinha Fátima dos Santos, 37, também decidiu se mudar para uma das salas de aula. Mãe de uma menina de 14 e de dois bebês, de 2 e 1 ano, relata ter passado fome após a prisão do marido, hoje detento do Presídio Estadual de Santa Cruz do Sul.

Além de não ter direito ao auxílio-reclusão, Terezinha não tinha acesso ao bolsa família. Hoje ela recebe R$ 182 por meio do benefício. “Não é suficiente nem mesmo para os gastos com fralda e leite.”

Para complementar a renda, coleta garrafas PET e vende para reciclagem, atividade compartilhada pelas demais famílias da ocupação. A família de Carina e Silva também recebe o auxílio do governo. Com dois filhos em idade escolar, com 14 e 9 anos, recebe R$ 147 por mês.

“No início do ano gastamos mais do que isso em materiais para o colégio”, aponta Carina. A situação é agravada pelo desemprego de Silva. Ex-presidiário, alega ter tentado serviço em diversas firmas de Encantado.

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“Já tentei em Roca Sales e outras cidades, mas acho que as pessoas têm receio porque eu já fui preso. A solução foi catar os litros para vender”, alega. As famílias reclamam do descaso com pessoas em situação de carência. Para Silva, o poder público poderia doar terrenos aos mais pobres.

Para ele, seria o suficiente para montar uma barraquinha de lona e começar a reconstruir a vida. “Dão tantas casas para quem não precisa. Nós pedimos apenas um lugar para viver”, alega.

Com relação aos vizinhos da escola, afirma sofrer com o preconceito. Além de não oferecer nenhuma ajuda, as pessoas debocham da situação vivida por eles, afirma. “É triste, porque não entendem as nossas dificuldades.”

Diretor da 3ª Coordenadoria Regional de Educação, Nelson Paulo Backes afirma que a invasão da escola foi registrada na Polícia Civil e relatada à Secretaria Estadual de Educação na semana passada. “Acredito que devam ser removidas em breve.”

Segundo ele, nos últimos 20 anos, 81 escolas estaduais foram desativadas por falta de alunos. Dessas, 12 foram transferidas para as administrações municipais. Em muitas, relata situações semelhantes às verificadas em Encantado.

“O governo precisa fazer alguma coisa, porque muitas escolas estão sendo invadidas em todo o estado”, alerta. Na semana do Carnaval, o coordenador verificou duas escolas que foram ocupadas em Cruzeiro do Sul. Conforme Backes, retirar as famílias não soluciona o problema, pois elas sempre retornam.

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Em municípios menores, o número de colégios fechados impressiona. Em Progresso e Nova Bréscia, foram oito nos últimos anos. “Tem uma escolinha do lado da outra. Uma é ocupada por um argentino, outras por casais com filhos, em algumas tem até criação de galinha.”

Para ele, a única solução seria o Estado vender, doar ou ceder as áreas aos municípios e associações de moradores. “Infelizmente, eu não tenho esse poder”, assinala.

Backes ressalta o exemplo positivo da escola Fernando Braun, de Estrela. Com atividades encerradas no fim do ano passado, a escola foi repassada ao governo municipal, que utilizará o prédio para o funcionamento de uma creche.

“Em Taquari fechamos a Clotilde Braga, que também será assumida pelo município”, ressalta. Mesmo assim, ressalta os empecilhos burocráticos para o procedimento. Como exemplo, cita uma escola no interior de Roca Sales, em que a comunidade tem intenção de utilizar o prédio como sede.

“O ideal seria fazer uma sessão de uso, mas é um processo complicado e muitas vezes os interessados acabam desistindo”, relata. Município do Vale onde mais escolas foram extintas, sete em 20 anos, Encantado não tem nenhuma estrutura municipalizada ou cedida.

Redução de alunos

Confome Backes, em 2015 quatro escolas foram fechadas pela 3ª CRE e outras devem ter o mesmo destino neste ano e ao longo dos próximos. Conforme o coordenador, a média de filhos por casal caiu nos últimos 20 anos. Com isso, também diminuiu o número de matrículas em todas as redes de ensino.

“Quando eu estava na escola era normal termos famílias com sete ou oito filhos. Hoje, a média no estado é 1,6 filhos por casal. É uma mudança social”, ressalta. Na região da 3ª CRE, menos de 22 mil estudantes se matricularam em escolas estaduais. A redução é de dois mil alunos em relação ao ano passado.

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