A vez dos usados

Vale do Taquari

A vez dos usados

Favorecidos por novos hábitos de consumo, sapateiros, costureiros, lojas de roupas e móveis usados e de conserto de eletrônicos comemoram aumento no serviço e no faturamento. Em uma sapataria de Lajeado, demanda chega a crescer 50% desde o ano passado

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O momento de instabilidade econômica obriga a uma revisão cultural. A sociedade de consumo mostra sinais de esgotamento e otimizar o orçamento familiar, evitando o endividamento, se torna regra.

Perante a nova realidade, o reaproveitamento de móveis, roupas, calçados e eletrônicos pode representar menos contas no fim do mês. Desde 2015, os serviços do segmento aumentaram até 50%.

Loreno Francisco Ferreira, 56, é sapateiro faz mais de três décadas. Segundo ele, a demanda pelo serviço não para de crescer. “Em janeiro de 2015, tivemos 20% de aumento, uma surpresa para época. Neste ano, o acréscimo foi de 30%.”

A retomada do crescimento do serviço fez com que a filha abrisse uma outra sapataria com o marido, no centro de Lajeado. O genro deixou o emprego e o salário fixo que recebia em uma fábrica de calçados para investir no negócio.

Conforme Ferreira, a elevação da demanda contraria uma tendência inaugurada nos anos 90. Com a criação do Plano Real, em 1994, o movimento no negócio passou a diminuir gradativamente. “A moeda se valorizou, as pessoas passaram a ganhar mais, a descartar produtos usados e comprar tudo novo.”

A ascensão dos produtos de fabricação chinesa também ajudou a reduzir os serviços nos anos seguintes. Segundo ele, os materiais utilizados são difíceis de reformar. “São itens muito baratos, mas de baixa qualidade.”

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Para o sapateiro, é melhor gastar um pouco mais com peças de qualidade e investir em pequenos reparos do que comprar novos produtos com pouco tempo de vida útil. “As pessoas se acostumaram a gastar, mas agora tudo ficou mais caro. Então, é preciso reciclar.”

Segundo o coordenador do curso de Administração de Empresas da Univates, Sandro Faleiro, o aumento desse tipo de serviço reflete a redução nas despesas familiares. Para ele, a tendência pode ser momentânea, mas é uma saída inteligente para ajustar o orçamento pessoal ou familiar.

Conforme o professor, a mudança no comportamento ocorre devido ao maior controle de gastos das famílias. “Priorizam o pagamento de contas atrasadas e evitam novos endividamentos”, diz. Segundo ele, as pessoas avaliam melhor o que consumir e o momento de fazer as compras.

Na opinião de Faleiro, as empresas também podem adotar algumas medidas de reaproveitamento e reciclagem, desde que não comprometam a qualidade de produtos e serviços. Para ele, tais medidas podem auxiliar na gestão financeira, no fluxo de caixa e na relação entre custos e investimentos.

Aposta nos usados

O empresário Rodrigo Zagonel Rodrigues é gerente de um brique de móveis usados. No último ano, registrou crescimento de 20% nas vendas. Para ele, o avanço do segmento se deve à busca dos consumidores por produtos mais baratos. “Podem economizar até 50% do valor de um móvel novo.”

Há dez anos no mesmo setor, afirma que a estratégia era inovadora quando iniciou o negócio. “Na época, os móveis usados eram aqueles expostos na poeira, estragados”, lembra. Hoje, as peças são reformadas e entregues em condição de uso.

“Muitas vezes, com o preço de um eletrodoméstico novo, é possível comprar a mobília de uma casa ou uma peça inteira com usados”, assegura.

A empresária Joici Cristina Sonda, 33, atua no segmento de roupas infantis usadas faz cerca de dois anos e meio. Na época, a ideia era começar em uma sala pequena, no bairro Montanha em Lajeado, e a longo prazo mudar para um espaço maior.

Com o sucesso do negócio, a mudança se fez necessária antes do esperado. Hoje, a empreendedora ampliou o brechó em 20 metros quadrados, incluindo também uma sessão de produtos novos. A empresa também permite trocar roupas usadas por crédito, o que garante giro no estoque.

“É uma forma de reutilizar mais vezes as roupas. Algumas peças são usadas até três vezes”, ressalta. A qualidade e o bom estado de uso dos produtos atraem clientes fiéis. A vendedora Vanderlise Silva, 33, compra as roupas da filha Pâmela no local desde que o brechó foi aberto. Antes, doava as que não serviam para familiares e conhecidos.

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“Muitas peças acabam nem sendo usadas, então trago até a loja e transformo em crédito que consumo aqui mesmo”, relata. Para ela, o brechó se transformou em uma oportunidade de economizar e manter em dia o visual da filha.

Consumo inteligente

Pesquisa realizada pela empresa de publicidade Nova/sb mostra o crescimento do número de consumidores chamados “smart buyers”, ou compradores inteligentes. Conforme a pesquisa, nos últimos anos, houve um forte crescimento no consumo, tendência invertida a partir de 2015.

Os números mostram que 49% dos brasileiros economicamente ativos reconhecem a queda no poder de compra, mas não abrem mão da qualidade de vida. Com isso, racionalizam o consumo de bens duráveis.

Além do crescimento nos reparos em roupas, sapatos e eletrônicos, a agência também aponta aumento no número de pessoas que deixaram de contratar serviços e aprenderam a executá-los para poupar com a mão de obra.

A mesma lógica também se aplica ao mercado de autopeças. Dados da Fecomércio apontam elevação de 14,2% no setor no ano passado em relação ao mesmo período de 2014. Ao mesmo tempo em que as vendas de carros novos cai, aumenta a demanda por mecânicas.

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