Presença de facções criminosas motivam reação

Vale do Taquari

Presença de facções criminosas motivam reação

Construída para receber detentos da região, penitenciária abriga grupos formados no presídio central de Porto Alegre. Judiciário aponta aumento da violência na região e pede apoio do especialista em segurança pública e direitos humanos, Marcos Rolim, para devolver condenados à região metropolitana

Presença de facções criminosas motivam reação
Vale do Taquari

Autoridades dos Vales do Taquari e Rio Pardo exigem a transferência de integrantes de facções criminosas no maior presídio da região.

A demanda motivou a visita do ex-deputado federal Marcos Rolim, à casa prisional ontem. Uma das maiores autoridades da área no país, Rolim tem mais de 30 anos de experiência em segurança pública e direitos humanos.

De acordo com o juiz da Vara de Execuções Penais de Venâncio Aires, Juiz João Francisco Goulart Borges, o pedido de apoio ao ex-deputado visa rever a política prisional adotada pelo governo do Estado.

Conforme o magistrado, os presidiários do Central foram aceitos de forma emergencial. “Concordamos porque acreditávamos que não seria uma mudança permanente.”

Borges afirma que a presença das facções resultou no aumento da violência na região. De acordo com o magistrado, os grupos dominam as galerias e acabam cooptando novos detentos, elevando conexões entre criminosos.

“É uma política equivocada, pois qualquer um que entra no presídio se torna integrante dessas facções, aumentando o poder dos grupos”, ressalta. Conforme Borges, essa forma de inserção é comum no Central, onde os criminosos determinam as regras.

“Não queremos esses grupos aqui, pois prejudicam qualquer atuação pública voltada aos detentos”, sentencia. Segundo ele, a preocupação aumenta pelo fato da Susepe não demonstrar interesse em transferir esses integrantes de facções.

De acordo com Borges, quando os presidiários de Porto Alegre foram trazidos para Venâncio Aires, a promessa do Estado era enviá-los à nova penitenciária de Canoas.

Recuperação prejudicada

Acompanhado do juiz Borges e do prefeito de Venâncio Aires, Airton Artus, Marcos Rolim passou cerca de uma hora entre as galerias da unidade prisional. Após visita, criticou o complexo.

Para ele, o prédio não permite espaço para atividades laborais e de estudo, além de ter problemas de segurança. Com isso, inviabiliza a principal função de uma prisão, a de permitir um reintegração adequada à sociedade, diz.

Segundo ele, as altas taxas de reincidência no país ocorrem devido ao tempo ocioso dos presos. Trancafiados por mais de 22 horas em locais inadequados, acabam se organizando em facções, alerta. “É um sistema muito bom para o crime, mas péssimo para a sociedade.” Para o consultor, a sociedade precisa compreender que o investimento correto nos presídios resulta em benefício para a segurança pública.

“O espaço para os presos é menor do que exigido para os cachorros em um canil”

A Hora – Após a visita às galerias, qual sua avaliação sobre a penitenciária?
Marcos Rolim – Recentemente fiz uma visita no complexo penitenciário de Canoas, ainda não inaugurado e construído pela mesma empresa. Ambos sem licitação e a um custo muito elevado. Fiquei muito impressionado na ocasião, pois é um dos piores presídios que já visitei. Custou R$ 120 milhões e é uma arapuca onde não há espaço para os presos trabalhares ou estudarem. A planta de Venâncio Aires é rigorosamente igual.

– Quais os principais problemas?
Rolim – Cada cela tem 15 metros quadrados e oito camas. O espaço para os presos é menor do que exigido para os cachorros em um canil. São oito homens em uma cela desse tamanho, com dois sanitários, trancados por 22 horas. É uma aposta no crime. Estamos contratando a violência para o futuro. O que o preso depois de anos nessa situação vai fazer? Volta para o crime, agora organizado em uma facção. Os presídios brasileiros, por essas condições, estão ampliando o crime.

– Há perigos estruturais?
Rolim – É uma planta que oferece riscos de segurança enorme. Se ocorrer um incêndio, as pessoas não conseguirão tirar os presos de dentro da cela, porque as aberturas são individuais e funcionam no segundo piso. A fumaça vai para lá e impede os agentes de entrar e abrir as celas. Para colocar o scaner de revista, foi preciso derrubar a porta e a parede. O prédio também tem graves problemas ambientais, porque a vazão e o tratamento do esgoto não foram planejados.

– Os espaços são inadequados?
Rolim – As áreas para aula e trabalhos são minúsculos. Menos de 20% está em alguma atividade. Deveríamos que garantir que os presos trabalhem e estudem. Isso é obrigação, conforme a lei de execução penal. Mas o Estado constrói esses elefantes brancos, enterra as pessoas aí dentro e depois reclama que a violência está muito alta lá fora.

– A penitenciária foi concebida para ser regional, mas hoje recebe detentos oriundos do Presídio Central. Qual reflexos isso pode trazer para a região?
Rolim – Esse é um dos problemas mais graves. O que havia sido negociado com a prefeitura, quando da cedência do terreno, não foi cumprido pelo governo. É lamentável, pois o presídio, ao invés de ser regional, está servindo para ocupar presos de outras localidades. Isso é péssimo para a segurança pública. Primeiro porque o detento que vem para cá, vem sem visita. Eles ficam longes de suas famílias, sem qualquer tipo de apoio. A tendência é que se rebele. E, como são presos ligados a uma facção criminal, já organizada no Central, o risco é que contaminem outros presos. O que poderia ser um presídio tranquilo, se torna perigoso pela presença das facções.

– Existe alguma forma de adequar o presídio às exigências de lei de execução penal?
Rolim – Da forma como foi construído não. Podemos diminuir a capacidade e fazer algumas pequenas reformas, como a construção de pavilhões para trabalho prisional dentro da área cercada. É uma mão de obra lucrativa, pois a lei estabelece o trabalho do preso em dois terços do salário mínimo, sem nenhuma obrigação trabalhista. Não haveria nenhum problema de segurança, por estar dentro do complexo. O que é impossível é ver 500 pessoas trancadas e ociosas por 22 horas.

– Esta construção é resultado da forma como o sistema prisional brasileiro está constituído?
Marcos Rolin – É reflexo da incompetência dos gestores e da cegueira pública com relação à segurança. Fazem as plantas sem discutir com o poder judiciário, prefeituras ou defensoria pública. Como se constrói uma obra dessas, sem licitação, pagando um preço extraordinariamente alto, sem debater com nenhuma autoridade pública?2016_2_3_Anderson Lopes_Penitenciária Mariante Venancio Aires (2)

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