O sistema educacional implementado nas escolas brasileiras já foi alvo de críticas internacionais. A falta de atenção a características individuais de cada aluno é um ponto crítico do ensino nacional.
A partir de uma reflexão sobre o assunto, o estudante lajeadense, Bruno Queiroz, 19, resolveu deixar a faculdade para ir em busca de soluções. Foi para a Índia, desenvolver trabalho voluntário na escola Riverside School, em Admedabad.
Criado em uma família onde a “liberdade criativa” era estimulada, ele ficou surpreso quando viu especialistas discutindo sobre métodos educacionais inovadores. Foi quando ele compreendeu a essência da educação que recebeu. “Eu pensei, ué, mas lá em casa sempre foi assim”, comenta.
Para Queiroz, a estrutura didática empregada nas escolas brasileiras obriga as crianças a se encaixar a um processo limitador. Dessa forma, uma das questões que norteia sua inquietação é: “por que as escolas não são projetadas para os alunos?”
Ele conta que, quando criança, sonhava em ser projetista de lego, pequenos blocos plásticos. Depois, quis trabalhar na Pixar, produtora de filmes de animação. Ingressou na faculdade de Design, na UFRGS, e chegou até o terceiro semestre do curso.
Admite que, ainda pequeno, se imaginou como professor, ideia da qual desistiu em função de relatos sobre a desvalorização da classe. Nessa época, ainda não conhecia o conceito de educação alternativa. Mas sempre levou consigo a ideia de que as escolas não precisam ser chatas.
Depois de retomar a reflexão sobre a educação, ao ler o livro Volta Ao Mundo em 13 Escolas, Queiroz conheceu a Riverside School. Ele assistiu a um vídeo que fala sobre como a instituição empodera e estimula o pensamento crítico das crianças. Que sozinhas, destaca, fizeram coisas como impedir casamentos infantis e protestar contra o trabalho infantil. “Foi aí que me encantei, enviei um e-mail e fui convidado para conhecer o trabalho da escola”, relata.
Modelo industrial
De acordo com Queiroz, o modelo educacional implementado no Brasil foi criado para formar peças de reposição no mercado de trabalho, e não pessoas. Para ele, a educação tradicional segue o padrão industrial.
Como detalhou Rubem Alves, explica, a peça original (aluno) entra na fábrica (escola), os operários (professores) vão acrescendo itens, e a padronização dos objetos é a prova de qualidade. “E os que não estiverem de acordo são descartados, ou reprovados”, lamenta.
Mas o bom, afirma, é que qualquer proposta de mudança, desde que elaborada junto ao aluno, pode apresentar resultados positivos. Ele dá o exemplo de como opera a Riverside, a partir da proposição de que criança não sabe menos, sabe outra coisa. “Por isso, eles mostram cedo às crianças que elas podem ser os agentes de mudança”, pondera.
Ele relata que o que vê na escola indiana era o que vivia na infância, pois sua voz sempre foi ouvida. Quando você dá esse tipo de confiança para uma criança, sugere, de jeito nenhum ela será retraída, por exemplo. “Aqui não existe criança tímida, talvez alguma mais introvertida, mas se tu pedir para qualquer um se levantar na frente da escola inteira e dançar, eles fazem sem piscar.”
Mudança de atitude
A emoção dos relatos garante que o jovem está no caminho do que acredita. E sobre a escola, conta que chega a chorar quando vê métodos de desenvolvimento do potencial infantil dando certo. Considera que o que está sendo feito na educação tradicional, com raras exceções, é um crime. “Estamos matando milhões de gênios todos os dias”, lamenta.
Queiroz propõe inovações capazes de transformar a escola em um lugar prazeroso, onde o estudante se sinta à vontade e entenda o valor de estar lá. Para ele, as pessoas se incomodam com a experiência escolar, mas acham que se uma instituição é de um jeito há muito tempo não pode mudar.
Ele considera que a escola pode ser diferente, e que temos de questionar e validar a necessidade de cada estrutura. Julga inaceitável passar 12 anos estudando sem saber quem somos e o que queremos. No entendimento do lajeadense, o papel do ensino é facilitar a busca por auconhecimento suficiente para as pessoas se tornarem expressivas, comunicativas, confiantes, lógicas, criativas. “Valores que vemos em dois tipos de pessoas: gênios e crianças. Mas enquanto aplaudimos um, silenciamos o outro” alerta.
Projeto Alma
Enquanto expande seu conhecimento e experiências sobre educação alternativa, Queiroz já programa os próximos passos. Desde o Natal na Índia, ele ainda não pretende retornar ao estado. O próximo destino é a Schumacher College, na Inglaterra, onde pretende participar de um curso sobre novas lideranças e conhecimentos para o mundo moderno.
A formação, que tem base na sustentabilidade e na atuação coletiva, tem um alto custo, considerando que é cobrada em euros. Mas para poder participar, Queiroz iniciou a uma campanha de financiamento colaborativo, a qual deu o nome de Projeto Alma.
Por meio de uma “vaquinha” on-line, ele busca recursos para pagar ao menos parte do valor da matrícula. A taxa de inscrição é o equivalente a R$ 12,8 mil, mas a meta inicial é arrecadar R$ 5,9 mil. Em contrapartida, quem colaborar pode indicar uma instituição de ensino para que Queiroz ministre palestras, workshops e oficinas, quando voltar ao Brasil. A ajuda também será retribuída com crônicas temáticas, encontros para discussão, exposições de arte, e até tatuagens.
Em apenas seis dias, a iniciativa já arrecadou mais de R$ 3,7 mil. Quem quiser colaborar ou conhecer o Projeto Alma, ou apenas trocar uma ideia sobre educação alternativa basta acessar o link www.catarse.me/alma. Segundo Queiroz, o melhor dessa viagem será o retorno, quando ele poderá colocar em prática o que aprende. “Eu quero e acredito que posso ajudar a mudar”, conclui.
Família
Jeferson e Carolina Queiroz sempre ensinaram os três filhos a buscar por conhecimento. “A importância do ‘ser’ se sobressai a do ‘ter’”, pondera ele. Por isso, não se surpreenderam quando Bruno surgiu com a ideia de largar a faculdade e ir para a Índia aprender sobre educação alternativa.
A criação foi parte essencial para ele tomar a iniciativa. As conversas em família sempre foram francas. “Eu disse aos meus filhos: vocês podem ser o que quiserem.” Ele e a mulher buscavam se despir de preconceitos pelas decisões tomadas por Bruno.
“Apoio é a base.” Até hoje, os almoços em família ocorrem com todos reunidos. “É o momento de ouvir sobre suas rotinas e ajudar dentro do possível.”
Ele é franco ao dizer que não sente saudades do filho, longe de casa há quase dois meses. Seu perfil foge da figura tradicional do pai, reconhece. “Eu criei meus filhos para conhecerem o mundo.” O importante é saber que Bruno está bem. A comunicação ocorre todos os dias, pelo celular. A preocupação é constante e inevitável.
Pelas viagens e o financiamento colaborativo serem atividades fora do tradicional, não há como prever o resultado. Mas a maior expectativa dos pais é que Bruno se encontre como pessoa. Assim, conseguirá disseminar sua ideia e terá forças para não desistir do projeto, opina Queiroz.
Quando pequeno, Bruno não aspirava a área educacional. Mas demonstrava organização e disciplina. O pai lembra de uma cena com o filho, quanto tinha nove anos. “Ainda tão pequeno, ele traçou meta de estudo, intercâmbio e trabalho.” O plano foi cumprido quase por completo, até Bruno perceber que gostaria de ser, na verdade, um disseminador de ideias.