Contratado há quase três décadas pelo Estado para integrar as forças policiais no combate à criminalidade, o investigador Roberto José Fagundes das Chagas estaria se valendo do cargo público para ajudar pessoas ligadas à prática de jogos de azar, tráfico de drogas, receptação e estelionato.
A partir de mensagens telefônicas ou ligações da própria delegacia de Venâncio Aires, avisava criminosos sobre investigações, operações e levantava a ficha de determinadas pessoas.
Preso ontem de manhã na Operação Barbeiro, desencadeada pelo Ministério Público (MP), Brigada Militar (BM) e Polícia Civil (PC), pode pegar mais de 20 anos de reclusão. Ele é suspeito dos crimes de corrupção, violação de sigilo funcional, tráfico, prevaricação e colaboração com associação criminosa.
A primeira denúncia contra o policial surgiu em 2009. As investigações ganharam força no fim do ano passado, quando o MP passou a acompanhar a rotina de Chagas. De acordo com o promotor de Justiça que coordenou a operação, João Afonso Silva Beltrame, não há como mensurar o número de pessoas com quem ele mantinha contato. “Apenas nestes seis meses constatamos uma série de casos diferentes e também não sabemos por quanto durou essa relação.”
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Segundo o promotor, Chagas tinha contatos fixos para os quais repassava dados de forma recorrente. Nessas situações, recebia “mesadas” de R$ 500. Ocorriam ainda casos pontuais, que pedia entre R$ 200 e R$ 300. Além disso, o policial fornecia informações sigilosas para privilegiar a atuação da factoring denominada Banco Sul. “Com eles, negociava vantagens pessoais, como segurar cheques, pois tinha financiamento lá”, aponta o promotor.
Durante a operação, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Especializada Criminal da capital cumpriram outros três mandados de prisão preventiva e 13 de busca e apreensão em Venâncio Aires e Lajeado.
No Vale do Rio Pardo, agentes prenderam o traficante Luís Cálvio Ferreira, conhecido como “Zé Colmeia”, com quem foram localizados, também na casa de um familiar, cigarros de maconha, mais de 60 gramas de cocaína, porção de haxixe e um revólver Taurus, calibre 38, e munição.
Também em Venâncio Aires, foi preso Vitor Leandro de Freitas, filho de José Telmo de Freitas, detido na sexta-feira em Imbé. Com ele, foram apreendidos anabolizantes, mais de R$ 1,7 mil, uma pistola e munição. Em Lajeado, foi preso Ronaldo Santim, acusado pelo MP por envolvimento com máquinas caça-níqueis. Ele portava uma pistola 9 milímetros.
Caso deve servir de exemplo
Subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Fabiano Dallazen ressalta a importância das instituições enfrentarem a corrupção: “cabe a nós, de forma conjunta, combater a criminalidade dentro das instituições”.
De acordo com ele, encontrar agentes que deveriam proteger a sociedade e que recebem dinheiro para atrapalhar a proteção das pessoas é de gravidade extrema. “Muitas vezes as instituições têm todo um trabalho prejudicado por causa de um indivíduo criminoso.”
Para o promotor Beltrame, a prisão de Chagas deve servir de exemplo para quem trabalha na área pública. “As pessoas devem estar cientes de que o MP, a BM e a PC estão atentos a tudo que acontece e, se cometerem crimes, serão ceifadas da atuação. Se precisar, como ocorreu hoje (ontem), vamos cortar da própria carne no combate à criminalidade.”

Além de Chagas, outras três pessoas foram presas na operação de ontem, duas em Venâncio Aires e outra em Lajeado
“O criminoso se precavia e limpava o local”
Promotor de Justiça que coordenou a Operação Barbeiro, João Afonso Silva Beltrame aponta como agia o policial. Ele alerta demais servidores públicos quanto à responsabilidade à frente do cargo e garante: “se precisar vamos cortar da própria carne.”
Jornal A Hora – Há quanto tempo e como atuava o policial civil no repasse de informações aos criminosos?
João Afonso Silva Beltrame – O próprio pessoal da delegacia desconfiava dele e por isso tinha uma conduta de isolá-lo. Mas mesmo assim, quando saía uma viatura da Polícia Civil para o cumprimento de um mandado, ou quando ele avistava alguma movimentação, começava a mandar SMSs para seus contatos. Dessa forma, o criminoso se precavia e limpava o local antes de a polícia chegar. Em outros casos, como na agiotagem ou envolvendo advogados, dava informações privilegiadas para pesquisa. Fazia toda uma análise de determinada pessoa e fornecia ao contato. Quanto ao tempo de atuação, não temos confirmado. A primeira denúncia documentada contra Chagas é de 2009.
Quanto ele recebia para repassar esses dados?
Beltrame – Começamos a investigar no fim de junho do ano passado. Foram seis meses de investigação mais aproximada. Neste período, dos corruptores mais fixos ele recebia uma “mesada” de R$ 500. Para situações pontuais, pedia entre R$ 200 e R$ 300. Além disso, tinha outras formas de beneficiar, favores como no Banco Sul, onde pedia para segurarem cheques. Mas não temos como calcular quanto ele recebia com essa prática. Temos apenas alguns casos pontuais.
Todos policiais têm fácil acesso a informações como Chagas tinha. Isso preocupa?
Beltrame – Sim, ficamos um pouco preocupados. Mas a prisão de Chagas serve de alerta. Todo agente público precisa de login e senha para acessar esses sistemas internos. Dessa forma, tudo que a pessoa acessar ou fizer ficará gravado. É muito fácil de investigar e comprovar esse tipo de situação. A comprovação, como nesse caso, é imediata. Lamenta saber que o corrupto não percebe o mal que está causando para toda a sociedade, atrapalhando todo um trabalho das instituições que buscam combater a criminalidade. Mas a prisão é uma demonstração de que as instituições não ficarão inertes. Se precisar cortar da própria carne, como nesse caso, vamos cortar.