A redução de territórios indígenas, em função do crescimento de cidades, e as mudanças provocadas por tal interação no desenvolvimento social de tribos têm se evidenciado na região.
A partir de uma reflexão sobre essas alterações, a historiadora Emeli Lappe elaborou a dissertação “Espacialidades Sociais e Territoriais Kaingang: Terras Índigenas Foxá e Por Fi Gâ em Contextos Urbanos dos Rios Taquari-Antas e Sinos”.
O estudo foi elaborado em 2010, em função de um projeto de extensão que estuda a história e a cultura da tribo, nas aldeias próximas às bacias hidrográficas mencionadas. No ano seguinte, a pesquisadora elaborou um trabalho de conclusão acadêmica, com o objetivo pesquisar aspectos relacionados à natureza e à territorialidade. Nele, contemplou elementos culturais e sociais das famílias indígenas de Lajeado, Estrela e São Leopoldo.
Em 2014, a pesquisa evoluiu, e se tornou tema de mestrado, por meio do qual foram definidas duas linhas de abordagem. A primeira diz respeito às espacialidades, como confecção e comercialização do artesanato, ambiente escolar e a educação bilíngue, o papel de líderes políticos e religiosos e questões sobre o ambiente, saúde e doenças.
A outra linha está voltada para questões territoriais. Sob esse viés, a autora avaliou a demarcação do espaço físico, tratando da legalização das terras indígenas nas cidades. Além da movimentação histórica por territórios tradicionais e o estabelecimento desses grupos em áreas urbanas que cercam os rios Taquari, Antas e Sinos.
De acordo com Emeli, o objetivo do estudo é mostrar para a sociedade não indígena a relevância histórica dos caingangues. Nos últimos anos, ressalta, essa vem se tornando cada vez mais perceptível para a comunidade na qual estão inseridos. “Pesquisar a cultura e os costumes possibilita a compreensão dos valores dessas comunidades. Estimulando o respeito pelos povos indígenas”, comenta.
Consequências
Conforme a pesquisadora, os índios tiveram seus territórios no Vale do Taquari e do Sinos invadidos por colonizadores europeus. À medida que foram, gradativamente, expropriados dessas áreas, a quantidade de cidades e fazendas aumentou, e recursos naturais que garantiam a subsistência desapareceram, obrigando-os a se tornarem cada vez mais dependentes das cidades.
Documentos do Ministério Público Federal (MPF) de Lajeado e Novo Hamburgo, destaca Emeli, revelam que nas últimas décadas do século XX houve uma crescente movimentação de indígenas. Os grupos iam para perto das cidades visando aumentar as chances de se sustentar com a venda de artesanato. Além de buscar por melhores condições de acesso à saúde e educação, obtenção de bens industrializados e até relações comerciais.
Porém ela alerta que a maneira como se deu tal interação gerou mal entendidos e preconceito. Isso porque parte da população pensa que os indígenas que estão na cidade não são “índios”, pois não estão na mata caçando, pescando, coletando e falando a língua materna. Isso torna evidente a negação da sociedade não indígena diante da presença do caingangue em espaço urbano.
Segundo Emeli, ao migrarem para áreas urbanas, os caingangues não saem do seu lugar, pois, conforme comprovado arqueologicamente, foram eles que tiveram seu espaço de origem sobreposto. Ela revela que as famílias almejam reproduzir modos de vida próprios de sua cultura, mantendo a língua e preservando os seus rituais, se adaptando ao contexto ao qual foram expostas.
Áreas afetadas
No RS, há oito regiões que compõem uma área tradicional, a qual os caingangues se referem como “o grande território”. Esse espaço abrange a terras indígenas que foram afetadas pela urbanização. De acordo com a autora do estudo, esses povos circulavam livremente na Bacia do lago Guaíba e dos rios Taquari, Antas e Sinos. Interagindo entre diferentes grupos e famílias e preservando seus costumes.
As terras Foxá e Por Fi Gâ integram a família linguística Jê, são descendentes dos antigos Guaianá. De acordo com Emeli, eles vêm lutando para reaver parte de seu habitat natural. Parte desses grupos, explica, veio de localidades como Nonoai, Guarita, Votoro, no norte do estado. “Eles ocuparam lugares já habitados por seus antepassados, isso comprovado arqueologicamente”, comenta.
Conclusão
A presença de indígenas nas cidades, conclui Emeli, é uma das tantas formas de adaptabilidade a um ambiente natural, ainda que modificado social, econômico e político. Residindo na cidade, pondera, os caingangues redefinem o processo de territorialidade. “A coletividade tribal, mesmo inserida em contexto urbano, tenta manter sua cultura, por meio de conhecimentos tradicionais, valores e saberes que são perpassados de geração para geração”, conclui.
Perfil
A pesquisadora Emeli Lappe é graduada em História e mestre em Ambiente e Desenvolvimento pela Univates. Escolheu essa área de estudo em função da influência de uma professora do Ensino Médio. Durante a graduação, foi bolsista de extensão no Projeto de História e Cultura Kaingang, de 2010 a 2012, e atuou como voluntária no mesmo projeto. Além de ser bolsista do Pibid no subprojeto de história.
Iniciou o mestrado em Ambiente e Desenvolvimento em março de 2014, sendo bolsista integral e se dedicando à pesquisa sobre os caingangues. No fim de 2015, passou em terceiro lugar na prova de doutorado, que começa em março de 2016.
Pretende dar continuidade aos estudos sobre territorialidade, mantendo o foco na Bacia Hidrográfica Taquari-Antas. Espaço ocupado por diferentes grupos sociais, como pescadores, agências oficiais e comunidade científica ligados ao uso de recursos naturais da região.