Um recurso natural finito

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Um recurso natural finito

A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu 2015 como o Ano Internacional dos Solos. Com isso, espera mobilizar a sociedade para a importância de preservar os solos. A cada ano, 12 milhões de hectares produtivos (ou 23 hectares por minuto) são perdidos para a desertificação.

Um recurso natural finito

Os solos são essenciais para a vida na terra. Dentre as diversas funções, proporciona, direta ou indiretamente, mais de 95% da produção mundial de alimentos. No entanto, essa fina e frágil camada que recobre a superfície da Terra e leva milhões de anos para ser formada pode ser perdida e degradada pela erosão em poucos anos de uso, tornando-se improdutiva.

De acordo com o professor da Universidade Federal de Viçosa e secretário-geral da SBCS, Reinaldo Cantarutti, a cada ano, 12 milhões de hectares produtivos ( ou23 hectares por minuto) são perdidos para a desertificação.As perdas no solo brasileiro atingem 500 milhões de toneladas de terra.

Cerca de oito milhões de toneladas são de nitrogênio, fósforo e potássio, nutrientes fornecidos às lavouras para aumento de produção. Para Cantarutti, caso o país produzisse grãos em solos degradados (cem milhões de hectares só com pastagens), a produção saltaria de 200 milhões de toneladas para 550. “A insegurança alimentar do mundo estaria sanada, sem precisar derrubar mais uma árvore.”

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a população mundial crescerá dos atuais sete bilhões de habitantes para 9,2 bilhões em 2050. Isso exigirá um aumento na produção de alimentos dos atuais 1,64 bilhões de toneladas para 2,60 bilhões – aumento de 60% em apenas 40 anos.

“O solo será a base de sustentação para assegurar o crescimento populacional, entretanto, seu uso deve ser associado à conservação e ao aumento da eficiência dos sistemas de produção agrícola, além da eficácia das políticas públicas para gestão adequada desse recurso natural.”

Durante a abertura da conferência Aliança Mundial Sobre Solos para a Segurança Alimentar e a Adaptação às Mudanças Climáticas e Redução de Seus Efeitos, em Roma, em setembro, o diretor- geral da FAO, Jacques Diouf, afirmou que a pressão sobre os recursos do solo aliada ao desgaste das terras é uma ameaça à segurança alimentar do mundo.

“O solo é um componente essencial dos sistemas de produção e dos ecossistemas terrestres. Mas é também um recurso frágil e não renovável. Facilmente degradável, sua recuperação é lenta, difícil e cara”, advertiu.

“O solo é um corpo vivo”

De acordo com o pesquisador Gonçalo de Farias, presidente da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), a garantia de um futuro melhor e com qualidade de vida para a humanidade depende, entre outras ações, da conservação do solo, da água e preservação da biodiversidade. “Isto só será possível se a sociedade compreender que o solo é um corpo vivo e dinâmico e não é apenas um material inerte que serve de sustentação para o crescimento de plantas, moradia de animais e para exploração pelos seres humanos.”

Mundialmente, cerca de 52% das terras agrícolas já estão danificadas, de acordo com o estudo publicado pelo The Economics of Land Degradation (ELD), compilado por 30 grupos de pesquisa ao redor do mundo. O estudo estimou que a desgaste do solo mundialmente custa entre US$ 6,3 trilhões e US$ 10,6 trilhões por ano em perdas de benefícios, como a produção de comida, madeira, medicamentos, água fresca, ciclo de nutrientes ou absorção de gases causadores do efeito estufa.

De acordo com o representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, toda base produtiva da agricultura reside na qualidade do solo. “Se ele estiver desprovido de nutrientes, empobrecido ou em extremo desgaste, a agricultura não terá condições de manter o alto rendimento, o que será problemático para o setor produtivo e para a sociedade, em razão da menor oferta de alimentos.”

Operação Tatu, um salto de produtividade

Como já ocorreu no passado, a Emater elabora projetos e ações para provocar a reflexão sobre o uso do solo e as formas de manejo, fundamentais para garantir a produção de alimentos.  Segundo Edemar Valdir Streck, assistente técnico estadual em Recursos Naturais da Emater/RS-Ascar, a primeira ação ocorreu com a Operação Tatu (de 1950 a 1970).

Desenvolvido principalmente em Santa Rosa, o Plano Estadual de Melhoramento da Fertilidade dos Solos banhou as lavouras por quantidades excepcionais de calcário, iniciando-se os primeiros saltos de produtividade. “Os solos da região Noroeste estavam desgastados devido aos sucessivos plantios de soja e ao manejo inadequado da terra. A impossibilidade de produzir forçava as famílias a saírem de suas terras à procura de outras ou em busca de empregos na cidade.”

A operação foi coordenada pelo engenheiro agrônomo natural dos Estados Unidos, John Murdock. Ele também capitaneou a instalação do curso de pós-graduação em Ciência do Solo na Faculdade de Agronomia da UFRGS, em 1965, o primeiro no país.
Na década de 60, o RS produzia 219 mil toneladas de soja, saltando para 5,1 milhões em 1980. O projeto recebeu o nome de Operação Tatu pela grande quantidade de buracos abertos nas lavouras para submeter o solo à análise técnica. “O Banco do Brasil só liberava financiamento mediante avaliação do solo.”

O aprimoramento do sistema de plantio direto também ajudou a melhorar a produtividade nas lavouras e a sua conservação. No entanto, em muitas propriedades, a técnica era mal aplicada, o que gerava grandes perdas de solo, principalmente de água. Com a terra compactada, se impedia a entrada das raízes e da água em profundidades maiores.

A água que não infiltrava no solo causava erosão nas lavouras e nas estradas, depositando sedimentos nas baixadas e assoreando rios, levando agroquímicos e contaminando os mananciais hídricos, o que exigiu uma reflexão dos produtores e técnicos quanto à sua eficiência. Conforme Streck, “Com a produção de palha menor, a terra diminui a capacidade de infiltração e retenção de água.”

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Preservar e consumir de maneira racional

O solo responde ao tratamento recebido, resume o produtor José Hélio Diedrich, de Linha Lenz, Estrela. Em 14 hectares, cultiva soja e milho para silagem, utilizada para alimentar as18 vacas leiteiras.  Há 25 anos, implantou o sistema de plantio direto. Antes, toda área era lavrada pelo menos uma vez por ano. “O uso inadequado provocou erosão, perdas na fertilidade e capacidade produtiva. Sem palha, em anos de estiagem o prejuízo era enorme pela falta de umidade na terra.”

Outro problema era a compactação de solo, que afetava diretamente a produtividade, a sanidade as plantas e diminuía a reserva de água. Na lavoura, pela falta de cobertura vegetal, Diedrich perdia cerca de 50% dos volumes de chuva anuais. “A água corria pela área compactada, levava embora fertilizantes e agrotóxicos, causando até a poluição de mananciais. Tudo tinha que ser reposto para manter a produtividade das culturas.”

A mudança na forma de gerenciar a terra trouxe benefícios e reduziu custos com agrotóxicos e adubos. Apenas as áreas de pastagem são gradeadas a cada 4 anos, caso seja necessário. No inverno, toda área recebe o plantio de aveia. São feitas análises de solo a cada dois anos. Conforme a necessidade apontada por laudos técnicos, são acrescidos 90 mil quilos de esterco de galinha e 25 toneladas de calcário.

O segredo da conservação está na produção de matéria orgânica. Por ciclo, são produzidas em média dez toneladas para cobrir a superfície do solo. Outro diferencial é a rotação de culturas. “A palha reduz o impacto da gota de chuva no chão, evita a erosão e garante umidade para a planta mesmo em épocas de escassez hídrica.”

Os resultados são visíveis: a produção por hectare triplicou, o impacto ambiental é menor, a erosão foi controlada, diminuiu o uso de insumos, o ciclo de pragas e doenças devido à rotatividade das culturas foi quebrada e a retenção de umidade favorece as plantas em épocas de estiagem.

Monocultura favorece erosão 

Principais fatores que aceleram o processo de erosão do solo: expansão da agricultura, especialmente das monoculturas trigo/soja, mecanização intensa e desproporcional à capacidade das lavouras, desrespeito ao zoneamento agroclimático das culturas, aplicação excessiva de agrotóxicos e a eliminação de algumas práticas conservacionistas, com redução da capacidade de armazenamento de água.

Segundo Streck, a taxa de erosão varia de acordo com o regime e a intensidade das chuvas, do tipo e da declividade do solo, do sistema de uso e manejo adotado e em função das práticas conservacionistas complementares utilizadas, como o cultivo em contorno e transversal ao declive, a manutenção e construção de terraços e a implantação de cordões vegetados.

Sem essas técnicas, a água da chuva não é absorvida pelo solo e ocorre grande perda de água, redução no armazenamento hídrico no lençol freático e maior oscilação de vazão dos mananciais, observa o técnico. Osmar Levinus, de Teutônia, faz duas safras de milho na propriedade de dez hectares. Durante o inverno, para garantir a cobertura do solo para o ciclo de verão, semeia aveia.

“Na confecção de silagem quase nada de matéria orgânica fica sobre a terra. Por isso plantamos a forrageira. Além de evitar a erosão, ajuda a absorver a umidade essencial para o desenvolvimento da planta.” Para manter o potencial produtivo, acrescenta 150 quilos de calcário e dejetos de bovinos à lavoura por ciclo. “Reduz a aplicação de adubos químicos e mantém a terra rica em nutrientes.”

Programa quer reduzir perdas

Neste mês o governo estadual lançou o Programa Estadual de Conservação de Solo e Água. A meta é diminuir, até 2020, em 20% as perdas de produtividade causadas pela uso inadequado desse recurso. Conforme o secretário da Agricultura, Ernani Polo, ao ano, são perdidas de seis a oito toneladas de solo por hectare devido à erosão hídrica. “Com melhor manejo e uma terra mais fértil, teremos potencial de aumentar a produtividade”, pontua.

No pacote das ações, estão debates, treinamento, extensão rural, campanha, seminários regionais e materiais educativos, dentro do tripé econômico, social e ambiental. “O plantio direto é executado de qualquer jeito, morro abaixo, morro acima. E vai contra os princípios “conservacionistas”, pondera Streck.

Destaca a necessidade de retomar técnicas como rotação de culturas, cobertura do solo e plantio direto para ampliar a capacidade de armazenagem de água do solo em momentos de falta chuva. A ideia é desenvolver ainda ações nas salas de aulas e premiar produtores e escolas com projetos-modelo.

O RS se equipara aos estados de Paraná e de São Paulo, e ao país vizinho Uruguai, que também já seguem uma legislação específica para evitar erosão e degradação das terras agrícolas. “No Uruguai, só é permitido plantar soja em no máximo 1/3 da área. Aqui, a escolha fica por conta do agricultor”, compara Edemar Streck.

Desafio: armazenar mais água 

Em razão do estado ter um clima muito instável, períodos de chuvas excessivas e outros, de estiagens, são necessárias ações de uso, manejo e conservação do solo e da água, para reduzir perdas por erosão e armazenar mais água na terra, afirma Streck. Investir no cultivo de plantas recuperadoras de solo, como o nabo forrageiro após colheita da soja precoce e depois com trigo ou aveia no inverno, é uma alternativa destacada como viável para melhorar as condições físicas e o armazenamento de água no solo.

De acordo com o técnico, a degradação do solo e a escassez de água impõem um novo desafio à tarefa de alimentar a futura população mundial. Esse alerta foi dado pelas Nações Unidas ao declarando e 2015 o Ano Internacional dos Solos, para chamar a atenção da sociedade e setor público da necessidade de desenvolver ações para aumentar a produtividade e a conservação dos recursos naturais, adverte Streck.

“É preciso manter o solo coberto”

Dos mais de sete milhões de hectares cultivados no RS na safra de verão, apenas 2,5 milhões foram ocupados por outras culturas no inverno. O restante, recebeu pastagem ou ficou sem cultivo (pousio) neste período. Nos 120 hectares cultivados pela família Bünecker, em Cruzeiro do Sul, a realidade é diferente.

Além do plantio direto, implantado 1986, Martin aposta na rotação de culturas para manter o solo coberto e produzir a quantidade ideal de palha para ajudar a preservar o solo e a umidade. “O êxito do sistema de plantio direto depende da produção anual de oito a 12 toneladas de palha e raiz. E isso só se consegue com rotação e sucessão de culturas.”

Na época quando a técnica foi implantada, Martin precisava superar alguns obstáculos – como a falta de conhecimento, orientação técnica e equipamentos. Ele fez parte de um grupo de agricultores interessados em viabilizar o sistema do sistema. Foi criado o extinto Clube Amigos da Terra, sediado em Teutônia.

Com a entidade, participou de eventos técnicos para tentar popularizar e implantar o plantio direto em mais propriedades do município e região. Para qualificar a utilização do método, trouxeram especialistas do Paraná, na época, estado considerado referência no sistema, para palestrar no clube.

Ano após ano, os resultados foram percebidos e o plantio direto expandido para mais áreas. “Tendo cobertura vegetal, o solo absorve mais água, se torna mais fértil e conseguimos aumentar a produtividade por hectare, além de preservar a terra. Sem matéria orgânica, ocorre a compactação, quando a terra diminui a capacidade de infiltração e retenção de água.”

O próximo desafio segundo Bünecker é reduzir a aplicação de defensivos e químicos na lavoura. “Apesar de manter a lavoura limpa, aos poucos mata a terra.”A adoção do sistema de plantio direto também reflete em menores custos com serviços de maquinário e combustíveis.

“Com a aração e gradagem éramos obrigados a passar pela mesma área várias vezes. Além de compactar o solo, aumentava o custo”, comenta o filho Egon, 26. Para ele inexiste eficácia no plantio direto, sem priorizar a produção de palha e a rotação de culturas.

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