Foco no bem-estar animal

Negócios

Foco no bem-estar animal

Tratar o suíno com técnicas que evitem lesões e reduzam o estresse melhora a rentabilidade e ajuda a abrir mercados. Primeira granja a seguir as normas internacionais de bem-estar animal está em construção em Westfália. Alojamento de matrizes iniciará em janeiro.

Foco no bem-estar animal

Ambiente climatizado, alimentação controlada, criação sem gaiolas e com espaço livre para circular. Essas técnicas priorizam o bem-estar, reduzem o sofrimento durante o trato e o abate, resultam em melhor qualidade dos alimentos produzidos e atendem uma exigência mundial dos consumidores. A mudança na forma de criar é fruto de acordos entre quem produz e quem defende os direitos dos animais.

O assunto começou a ganhar destaque em junho de 2006, quando foi criada a Declaração Universal de Bem-estar Animal, que reconhece os animais como seres que têm sentimentos. Entre as regras estabelecidas, o animal deve ser livre de fome, sede, desconforto, dor, lesões ou doenças. Tem o direito de expressar os comportamentos normais e ser isento de medo, sofrimento e aflição.

Estudos dão conta de que práticas de bem-estar reduzem de 5% a 10% as perdas ocasionadas por lesões e hematomas nos animais. Segundo especialistas, o estresse no manejo pré-abate faz os músculos se contraírem com mais frequência, resultando em carne mais dura e de cor escura.

Segundo Ronei Lauxen, presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado (Sicadergs), a sanidade e o bem-estar refletem também na taxa de conversão, acelerando o ganho de peso e, consequentemente, o tempo de abate.  No caso de ferimentos causados no campo ou no transporte até os frigoríficos, os prejuízos são contabilizados quando o pagamento é feito pela carcaça dos animais. Partes machucadas da carne são descartadas pela indústria, reduzindo os lucros.

Parte das perdas geradas pela ausência de práticas de bem-estar animal se concentra no deslocamento entre a propriedade e o frigorífico. Em rotas longas e cansativas, a carga aglomerada em caminhões fica exposta a estresse e sujeita a lesões.  Com as normas de boas práticas no transporte implantadas na União Europeia, existe a expectativa de as indústrias exportadoras mudarem seus critérios.

“A demanda é dos consumidores. No exterior, as exigências tendem a aumentar e nós precisamos nos adaptar para manter esses clientes e conquistar novos.” Conforme Lauxen, a adoção de práticas de conforto animal comprova a evolução do ser humano.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina Veterinária, o mercado que dá prioridade ao bem-estar animal ainda é pequeno e desconhecido. Faltam produtores que sigam regras, normas que regulamentem o setor e falta conhecimento dos consumidores.
A pesquisa da veterinária Carla Molento, da Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária, mostra que ao conhecer o sistema de produção intensivo os consumidores se tornam mais exigentes.

Carla Molento consultou 481 pessoas nos supermercados de Curitiba, perguntando o que levavam em conta ao comprar frango. Em um primeiro momento, apenas 3,7% disse se preocupar com o bem-estar animal. No entanto, quando viu fotos do sistema produtivo, o percentual subiu para 24,1%.

A pesquisa mostrou que 70,9% dos consumidores pagariam mais por produtos com certificação de bem-estar animal, carne firme e rosada. “Intensifica-se a criação com o intuito de aumentar a produção, colocando mais animais em uma área muito pequena. Com isso registramos múltiplos problemas de saúde. O objetivo é ter muita carne com o menor custo possível. Boa parte desse custo é paga com o sofrimento do animal”, diz a pesquisadora.

Segundo ela, a produção intensiva, mais praticada no Brasil para aves e suínos, tem mais de 40 anos e acaba se tornando mais competitiva no mercado. Um produto que valoriza o bem-estar animal custa de 30% a 70% mais caro e, em alguns casos, o preço pode dobrar, comparado a produtos similares.

De acordo com ela, não há normas específicas que visem ao bem-estar, o que torna subjetiva a fiscalização e até mesmo a certificação dos produtos. Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Brasil lidera o ranking de maior exportador de carne bovina do mundo desde 2008, e as estatísticas mostram crescimento de 2,15% para os próximos anos. O país também lidera a exportação de frango, com crescimento previsto de 4,22% ao ano. Em carne suína, o país é o quarto maior exportador.

Pioneirismo

Em Linha Schmidt Alta, Westfália, os suinocultores Alberto Horst, Luiz Bayer e Ângelo Kaisenkamp estão implantando dois galpões, um para gestação e o outro para maternidade, num modelo revolucionário de criação, baseado no que já é adotado em países desenvolvidos como Alemanha e Estados Unidos, e em poucos estados brasileiros. O projeto é desenvolvido em parceria com a cooperativa Languiru, de Teutônia.

A granja terá capacidade para 1,1 mil matrizes suínas, sendo 800 em gestação e as demais na maternidade, ambos em ambiente climatizado. O investimento chega a R$ 3 milhões. Segundo Bayer, o alojamento iniciará em janeiro. Para o mês de maio estão previstos os primeiros partos e a venda dos leitões começará em junho. Uma média de 600 animais por semana. “É uma exigência de mercado. Sem estresse, a produtividade será maior. Esses cuidados com o bem-estar resultam numa carne mais saborosa e saudável.”

Todos os animais recebem um chip auricular, o Electronic Sow Feeding (ESF). Ao ingressar na máquina, por meio do chip é acionado o sistema que abre o cocho e dosa a quantidade de ração, definida para cada matriz via computador. “Teremos melhor conversão alimentar, sem desperdício.”

Dentro das baias de gestação, as matrizes ficarão soltas em grupos de 80 animais. Elas se organizam de forma hierárquica para se alimentar e dispõem de área de descanso para seu conforto. De acordo com Bayer, esse modelo de granja é um exemplo para quem deseja conciliar eficiência e responsabilidade socioambiental

Os 150 mil litros de dejetos gerados a cada oito dias serão tratados em uma estação. Pelo sistema, é separado o sólido do líquido, e a água, ultrafiltrada, será reutilizada na granja para limpeza e consumo dos animais. “O esterco, após 120 dias armazenado, vira adubo orgânico.” Outra granja de modelo semelhante está em fase de instalação em Nova Bréscia, da integradora BRF.

“O modelo antigo é desumano”

Orlando Horst, pai de Alberto, é produtor de suínos desde 1989. Tem 360 matrizes alojadas no sistema de gaiolas, onde ficam presas durante todo processo. Apenas conseguem deitar, levantar, beber e comer. “É desumano manter este modelo. Na prática em outros países temos a prova de quanto mais confortáveis estão, melhor é o rendimento.”

Horst registra muitos problemas de saúde, interferência na taxa de reprodução e altos índices de estresse. “O bom manejo influencia na qualidade do leitão parido, da carne produzida, interfere até na maciez e no sabor. Sem contar que a sociedade não admite mais que os animais sofram maus-tratos.”

Segundo ele, os produtores têm “liberdade” para escolher seu modelo de produção, mas no futuro sofrerão com uma imagem ruim entre os consumidores, o que pode gerar prejuízos, assim como já ocorre na Alemanha e nos Estados Unidos. “Lá grandes redes de restaurantes exigiram mudanças na forma de produzir. Fatalmente chegará aqui.” A JBS, uma das maiores processadoras de proteína animal, pretende se adequar às normas de bem-estar até 2025.

Acompanhe
nossas
redes sociais