“Ele sempre foi mais dedicado e esforçado do que a maioria dos alunos.”
Comecei a dar aula em Lajeado nos anos 90, na Academia Alternativa. Representava a Songahm Taekwondo Federation. Éramos, na época, uma das poucas instituições que ensinavam a arte marcial na região.
Me lembro que o Rovel foi trazido à academia pela Grazi, namorada dele na época. Num primeiro momento, ele parecia tímido e inseguro. Não olhava nos olhos, cabeça baixa. Enfim, frutos da idade. Ele teve algumas dificuldades técnicas nas primeiras aulas. Pouca flexibilidade, chutes baixos.
Mas com o tempo foi evoluindo. Uma melhora rápida e surpreendente. O Rovel gostava de treinar e ia à academia sempre que podia. Ele sempre foi mais dedicado e esforçado do que a maioria dos alunos.
Não me recordo com certeza, pois já faz mais de duas décadas, mas acho que ele treinou comigo por cerca de três anos, até a faixa vermelha. Jeanduval Freitas (primeiro professor)
“O Rovel foi referência aqui em Lajeado.”
Conheço o Rovel a minha vida toda. A gente morava na mesma rua na Cohab, em Lajeado, e estudávamos no mesmo colégio (Carlos Fett Filho). O Rovel sempre teve o mesmo perfil. Ele não era de brigar, mas sempre gostou desse negócio de luta e sempre foi um cara forte.
De vez em quando, a gente se reunia na casa de alguém ou no parque e fazia uns treinos não oficiais. Na década de 90, comecei a treinar de verdade com ele. Fui um dos primeiros faixa-preta que ele formou.
O Rovel sempre incentivava bastante o pessoal. Era muito focado em fazer a coisa correta. Ele via em cada aluno o potencial que tinha e desenvolvia isso.
O Rovel foi referência aqui em Lajeado. Muita gente passou por aqui e ele sempre permaneceu. Ele sempre tentava inovar, aprimorar os golpes. Por isso, dentro do conhecimento dele, ele criou a própria arte marcial, o sistema Combate de Artes Marciais. Foi influenciado em estilos de luta como o jiu jitsu, o full contact e o budô samurai.
Luís Everton de Lima, 41 (ex-aluno)
“Ele dizia: ‘eu como, durmo e respiro luta.’”
Antes de existir MMA, UFC, quando a família Gracie estava começando esse negócio de jiu jitsu, lá nos anos 90, nós tínhamos uma turma de amigos. Nossa diversão era juntar o pessoal no domingo de tarde, montar um tatame na grama do Parque do Imigrante e treinar taekwondo. Foi o Rovel que começou esse tumulto todo. Ele tinha um Fusca laranja e lotava o carro levando o pessoal para o Parque do Imigrante.
O Rovel era um cara que dedicou a vida à luta. Ele dizia: ‘eu como, durmo e respiro luta.’ Até por isso, todo campeonato ou evento de arte marcial que tinha aqui na região, ele estava presente. O Rovel chegou a vender um Del-Rey e começou a andar a pé para comprar equipamentos para a academia.
Um dia, em 2011, encontrei-o no supermercado. Ele me abraçou e disse que estava começando um projeto para levar arte marcial aos bairros mais carentes de Lajeado. Ele encheu os olhos de água e disse assim: ‘cara, único problema que to tendo é a resistência da parte política’. Ele pediu uma renda em torno de R$ 1 mil por mês. E foi negado. Ele disse: ‘não sei mais o que vender, não sei mais da onde tirar dinheiro para continuar.’
Jeferson de Vargas, 39 (ex-aluno)
“Com ele eu fui tricampeã mundial”
Comecei a praticar judô com 12 anos. Quando me mudei para Lajeado, fui fazer jiu jitsu e muay thai. Na academia onde treinava, o Rovel era o mestre responsável. Ele ia lá às vezes para fazer graduação e passar seminário. Foi onde a gente se conheceu. Um dia, quando eu tinha 16 anos, pediu se eu queria treinar na equipe dele. Quando entrei lá, um dos alunos mais velhos falou: ‘tu esquece tudo o que tu sabe, pois aqui tu vai aprender do zero.’ Muitos, quando entravam na equipe e ouviam isso, saíam. Eu pensei: vou ficar, pois quero ser boa como eles.
Lutei a primeira vez com 17 anos em um evento no shopping. Acabei perdendo. No fim da luta, o Rovel chegou pra mim e pediu o que eu tinha achado. Depois ele falou: ‘se tu quer, eu posso te fazer campeã’. Com ele, eu fui tricampeã mundial de jiu jitsu.
Em 2012, o Rovel substituiu um aluno num evento de submission em Bento Gonçalves. Quando fizemos a baixa de peso na sauna, ele desmaiou duas vezes. Depois, começou a sentir formigação no lado esquerdo do corpo.
Mesmo assim, foi lutar. No primeiro soco, ele nem defendeu. Ele caiu e pararam a luta. No fim, ele disse que não sentia o lado esquerdo do corpo. Fomos direto de Bento Gonçalves até o hospital (Bruno Born). Na topografia, foi constatado que o Rovel tinha um tumor do tamanho de um ovo.
Roberta Rodrigues Paim, 27 (ex-mulher, ex-aluna e lutadora do Bellator)
“A vida dele não gira em torno dessa doença maldita[…]”
Um dia depois da luta em Bento Gonçalves, mesmo com todos os problemas, ele veio na academia. Tava com o olho roxo, uma mão meio caída. Ninguém sabia de nada. Os familiares dele foram nos médicos aqui de Lajeado.
Foi feita uma cirurgia e logo depois ele voltou a conversar. Até ia na academia de cadeira de rodas. No primeiro momento, nós achávamos que ele se recuperaria.
Lembro de um dia que o busquei para ver um treino. Tava indo de ré com a caminhonete e coloquei a mão pra trás. Aí ele falou: ‘que que é isso, Adriano tá me estranhando. Pensei que tu ia me dar um beijo’. Ele ainda estava falando. Ainda estava brincando. Mesmo com a situação que estava passando, tinha ânimo de brincar.
Só que ele foi piorando de novo. A gente tinha a expectativa que ele estava curado. Dias depois, nem um mês depois, ele piorou de vez. Foi acabando aquele tigre que era para estar, hoje, enfermo.
Conheço o Rovel faz quase 20 anos. Como sempre fui amigo dele, prefiro lembrar das coisas boas, dos momentos bons, dos campeonatos. Não gosto de lembrar dele como está hoje. A vida dele não gira em torno dessa doença maldita, mas, sim, em torno do que ele fez pelas pessoas e pelo esporte.
Adriano Rodrigues Piassini, 36 (ex-aluno)
“…vou cuidar dele até o fim.”
Desde que descobriu que tinha câncer, o Rovel se preocupou muito com o nosso filho, Conan (14 anos). Não queria que ele sofresse. Me lembro de uma das visitas no Hospital de Clínicas depois da cirurgia. O Rovel olhou para o Conan e fez um esforço sobre-humano para falar: ‘volta pra casa, só pensa coisas boas e me espera.’ Cinco meses depois, fui chamado para uma reunião com a mulher dele na época, a Roberta Paim, e os pais dela. Eles informaram que não teriam mais condições de cuidar do Rovel. Sugeriram levá-lo para uma clínica.
Não falei nada no momento. Fui para o quarto e vi o meu filho abraçado com ele na cama e não tive dúvidas e nem medo. Cabia a mim a decisão de manter unidos pai e filho e de dar conforto emocional para o Rovel no pior momento da vida dele. Ele sempre foi um grande amigo meu, um ótimo pai. Eu jamais o deixaria desamparado.
As pessoas me questionaram muito: ‘por que pegar ex-marido de volta?’. A maioria das mulheres disse que jamais faria isso. Mas eu acredito em amor ao próximo. Acredito que tu tem que ajudar a pessoa quando ela precisa.
Um momento que nunca vou me esquecer foi quando trouxeram ele aqui para casa em julho de 2013. Ele chegou apavorado com a sensação que atrapalharia minha vida voltando para cá. Daí eu disse que não. Que nós estávamos muito felizes de ter ele de volta e que iríamos cuidar dele, que ele melhoraria e se curaria.
Quando chegou aqui, ele conversava. Fazia até musculação na cama. Aí, depois de uns quatro meses, ele parou de falar, não se mexia mais. Fizemos uma ressonância nova e o médico falou que o tumor tinha retornado de novo. Na época, deram um ano de vida para ele. Isso faz mais de dois anos. Os médicos também disseram que não tem volta. Não tem como operar ou fazer quimioterapia. Mas, independente do que acontecer daqui pra frente, eu estou feliz com a minha decisão e vou cuidar dele até o fim.
Tutty Brites, 49 (ex-mulher e ex-aluna)