As palavas do presidente da Certel, Erineu Hennemann, resumem a pertinência da discussão sobre a energia elétrica: a região está próxima de atingir o limite de distribuição, ficando à mercê de apagões como em 2014. A situação dramática foi exposta ontem à tarde, durante o debate Pensar o Vale.
O encontro promovido pelo Jornal A Hora evidenciou as carências e apontou saídas para os problemas do setor. Especialistas e autoridades estaduais esmiuçaram o panorama gaúcho e regional e descreveram medidas e projetos em andamento.
O alerta de Hennemann parte do crescimento verificado nos municípios do Vale. Segundo ele, a região cresce em média 5% ao ano, o que resulta em aumento ainda maior no consumo de eletricidade. “Não teremos energia para esse crescimento. Já tivemos problemas no passado e a tendência é piorar pela falta de investimentos.”
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A dependência de uma única linha de transmissão foi apontada pelo presidente da Certel como um dos principais entraves para a confiabilidade da rede. Licitada pelo governo federal, a nova linha entre Garibaldi e Lajeado não saiu do papel porque a empresa vencedora do processo não se prontificou a realizar a obra, que viria acompanhada de uma subestação na maior cidade do Vale.
“Nos daria a condição de atender a demanda com tranquilidade pelos próximos 15 anos”, assegura. Se a ligação com o sistema elétrico nacional é deficitária, projetos para a geração de energia no Vale com potencial de garantir a suficiência energética travam ao longo dos anos, principalmente devido à burocracia dos órgãos oficiais.
“Temos que achar uma solução. O estado e o país não podem parar por falta de energia”, alerta. Coordenador do Polo Tecnológico da Univates (Tecnovates), Eloni Salvi ressalta que a crise econômica enfrentada no Brasil evitou a incidência de apagões em 2015. Porém afirma que o cenário será dramático em caso de retomada do crescimento.
Presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC-VT), Ito Lanius reforça a importância da oferta energética para o Vale. Para ele, o avanço de obras no setor garantiria a retomada do PIB regional. Na proporção do estado, o índice do Vale caiu de 4% para 3,4% em dez anos.
Atraso nos licenciamentos
Técnico da Divisão de Controle da Produção Industrial da Fepam, Renato das Chagas e Silva falou sobre as dificuldades enfrentadas pelo órgão para dar seguimento aos processos de licenciamento que se acumulam no estado.
Segundo ele, a instituição passou anos sem aporte financeiro e sofreu com a saída de profissionais ao longo do tempo. A situação começou a mudar no governo passado, quando 60 técnicos foram contratados de forma emergencial. Nesta gestão, os profissionais foram deslocados exclusivamente para a área de energia elétrica.
“Já emitimos 17 licenças para parques eólicos e trabalhamos para liberar cinco grandes linhas de transmissão frutos de um investimento de R$ 3,2 bilhões por parte da Eletrosul”, enaltace. Conforme Silva, como a Fepam ainda encontra dificuldades para licenciar projetos na área, são priorizados processos mais fáceis de serem executados.
Com relação aos projetos do Vale, o técnico afirma que dois deles, em Bom Retiro do Sul e em Muçum, têm mais possibilidade de serem implementados. A hidrelétrica prevista para o Rio Forqueta, em Arvorezinha, ficou inviabilizada devido à presença de um anfíbio raro no ambiente e à localização em área de nascente.
No caso de Bom Retiro do Sul, a proposta de construir uma hidrelétrica na eclusa do Rio Taquari ficou parada por mais de 20 anos, mesmo após receber licenças da Fepam e da Aneel. Conforme Silva, o motivo foi uma disputa judicial pela propriedade. “Esta etapa foi vencida e vamos emitir uma nova licença para um investidor privado.”
O projeto de Muçum, cujo licenciamento havia sido negado pelo órgão, foi alvo de recurso por parte da empresa. O técnico assegura que o processo foi reavaliado e o recurso acatado pela Fepam. “Devemos emitir um termo de referência em breve.”
Silva afirma que a instituição precisa dar mais celeridade aos liceciamentos de hidrelétricas. Segundo ele, os processos são mais difíceis de serem concluídos se comparados com propostas de investimentos em energias renováveis, como usinas eólicas, fotovoltaicas ou de biomassa e biogás.
Geração limpa
O emprego de novas tecnologias para diversificar a matriz energética é apontado como uma das saídas para as carências do setor. Coordenador do Laboratório de Biorreatores e professor da Univates, Odorico Konrad enalteceu a criação da Secretaria Estadual de Minas e Energia, órgão que, segundo ele, aproximou o governo gaúcho das discussões sobre o tema.
Destacou ainda a intenção do secretário Lucas Redecker em isentar o ICMS dos projetos da iniciativa privada. “Não estamos abrindo mão de recursos, pois eles ainda não existem. Se o governo não der uma parcela inicial de apoio, essa receita não vai existir no futuro.”
Conforme Konrad, as novas tecnologias possibilitam meios de gerar energia no local de consumo e reduzem a dependência de grandes geradores e linhas de transmissão. “Nossa biomassa pode ser uma alternativa. Os reatores estão aí, faltam detalhes de cunho fiscal.”
O professor alega que os projetos na área ainda não são capazes de atender toda a demanda do Vale. Porém afirma que essa possibilidade será plausível em um período que varia de 20 a 50 anos. Quanto à energia solar, gerada por meio de células fotovoltaicas, ressalta o custo para a implantação da tecnologia como um dos empecilhos para um maior aproveitamento.
Conforme Salvi, o custo do investimento varia pouco nas diferentes matrizes e o consumidor ainda não percebeu essa realidade. “O brasileiro não sabe que pode recuperar o capital investido em seis ou sete anos”, frisa. Para o coordenador do Tecnovates, é preciso criar políticas públicas de incentivo e assegurar maior organização para o sistema como um todo.